Acórdão nº 13313/20.6T8LSB.L2-4 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2023-09-27

Ano2023
Número Acordão13313/20.6T8LSB.L2-4
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa


CENTRO HOSPITALAR UNIVERSITÁRIO LISBOA NORTE E.P.E., Réu nos autos à margem identificados, não se conformando com a sentença, vem interpor recurso de apelação.

Pede a respetiva procedência com todas as com sequências legais.

Formulou as seguintes conclusões:
1.–Vem o presente recurso interposto da sentença de 10/11/2022 do Juízo do Trabalho de Lisboa – Juiz 4, que, julgando a ação parcialmente procedente condenou o ora Recorrente no pagamento de diversas quantias a título de vencimentos no âmbito de ação de processo comum proposta pelos Autores, ora Recorridos, por violação do princípio trabalho igual salário igual.
2.–Não se conformando o Recorrente com a sentença, por entender que nela se faz uma errada interpretação e aplicação da Lei, designadamente do princípio trabalho igual salário igual vem dela interpor o competente recurso.
3.–Os Recorridos na ação reclamam o direito à remuneração fixada no Dec. Lei nº 122/2010, de 11 de novembro, aplicado desde 1 de janeiro de 2013 aos enfermeiros com vínculo público e um período normal de trabalho de 35 horas, que assim passaram a auferir o vencimento base de €1201,48, enquanto os Recorridos (excluindo o 7º, 8º e 9º Autor) a exercer funções nos serviços do Recorrente ao abrigo de contrato individual de trabalho, com um horário de 40 horas, mantiveram a situação remuneratória (à data correspondente a €1165,79) até outubro de 2015 (data em que entrou em vigor o ACT aplicável).
4.– Por outro lado, em diferente período temporal (de agosto de 2016 a Junho de 2018) os Recorridos, apesar de prestarem 40 horas semanais de trabalho, auferiram o mesmo vencimento-base que os enfermeiros em funções públicas que exerciam as suas funções no âmbito de horário de 35 horas semanais.
5.–De acordo com a sentença recorrida essa diferenciação remuneratória traduz uma violação do princípio da igualdade, na sua vertente do trabalho igual salário igual.
6.–No entanto, os Autores, a quem, de acordo com as regras da prova, competia fazer essa prova, não provaram nem alegaram a aludida desigualdade pois não individualizaram nem concretizaram as situações funcionais e os enfermeiros em relação aos quais ocorreu, por forma a aferir objetiva e efetivamente da igualdade de funções invocada.
7.–A matéria fáctica apurada e dada como provada, não permite retirar essa conclusão, muito menos que, com base nela, se construa toda uma decisão no sentido da igualdade remuneratória entre os enfermeiros Autores, a exercerem funções ao abrigo de contrato individual de trabalho e os outros enfermeiros que exercem funções nos serviços do Recorrente com contrato de trabalho em funções públicas.
8.–Colocando-se a questão da alegada desigualdade remuneratória apenas por referência à diferença de natureza jurídica dos vínculos em presença e da quantidade de horas trabalhadas, impõe-se avaliar se a alegada diferença remuneratória não será objetivamente atendível e legalmente justificada.
9.–Na realidade, o regime jurídico de trabalho em funções públicas contem normativos legais específicos respeitantes a formação e extinção do vínculo, garantias de imparcialidade, acumulação de funções, período experimental, mobilidade, férias, faltas e licenças, estatuto disciplinar, entre muitas outras.
10.– Estes normativos, densificadores dos princípios específicos aplicáveis ao exercício de funções públicas (prossecução do interesse público, legalidade, imparcialidade, responsabilidade, etc.) são próprios do exercício de funções públicas e conformam a respetiva prestação de trabalho.
11.–Assim, e apesar de existirem pontos comuns às duas carreiras (funções materialmente idênticas, progressão e formação idênticas) o conjunto de deveres e direitos dos enfermeiros em funções públicas é substancialmente distinto daquele que recai sobre os enfermeiros com contrato individual de trabalho.
12.–Esta diferenciação de regimes foi imposta pelo legislador e ignorá-la poderia ter múltiplos efeitos e distorções no sistema, desconsiderando, entre outras, as razões que estão na base da dualidade de regimes laborais no âmbito dos hospitais EPE com o objetivo de obter ganhos de eficiência e eficácia na respetiva gestão.
13.–Concluindo-se que a diferenciação de regimes e remuneração em causa não é materialmente infundada, antes existindo para a mesma um fundamento razoável, objetivo e racional.
14.–Dela não resultando a alegada violação do princípio do princípio trabalho igual, salário igual, ou qualquer outra inconstitucionalidade.
15.– A douta sentença recorrida, com todo o respeito, não fez boa interpretação e aplicação do direito aos factos e, consequentemente, não administrou boa justiça.
AAA, BBB, CCC, DDD, EEE, FFF. GGG, HHH e III Apelados no processo em epígrafe, apresentaram Contra-Alegações debatendo-se pela manutenção da sentença.

O MINISTÉRIO PÚBLICO emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

*

Segue-se um breve resumo dos autos:
AAA, BBB, CCC, DDD, EEE, FFF. GGG, HHH e III intentaram a presente ação emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma do processo comum, contra Centro Hospitalar Lisboa Norte EPE, pedindo que seja condenado a pagar-lhes as diferenças salariais (exceto aos 8ª, 9º e 10 AA) relativas ao vencimento e horas de qualidade no período entre Janeiro de 2013 e dezembro de 2015. Mais pede que seja condenada a R. a pagar as horas extra (5 horas por semana) de Julho de 2016 a Julho de 2018.
Para tanto alega, em síntese, que foram contratados pela R. para prestar serviço como enfermeiros com contrato individual de trabalho com um horário 40 horas semanais e que auferem €1.201,48, o mesmo valor que colegas seus que efetuam o mesmo trabalho mas que têm uma carga horária de 35 horas semanais.
Na prossecução dos autos a R. apresentou contestação, sustentando que inexistiu qualquer violação do princípio da igualdade pois existem diferenças entre os enfermeiros do sector público e os do sector privado a nível de impedimentos e incompatibilidades, pugnando por esse motivo que o trabalho a desempenhar também não é, por esse motivo, igual.
Procedeu-se a audiência de discussão e julgamento, em que todos os factos foram considerados assentes por acordo, anuindo as partes em que fosse proferida decisão com o enquadramento jurídico destes.

Foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente, e, em consequência:
a)-Condenou a R. a pagar aos AA. (com exceção do 8º, 9ª e 10ªAA) as diferenças salariais por força da violação do princípio da igualdade, relativa ao vencimento de horas de qualidade, de Janeiro de 2013 a Dezembro de 2015, face aos enfermeiros de contrato de trabalho na função pública;
b)-Condenou a R. a pagar aos AA. a quantia mensal de €171,6 a título de diferenças salariais devidas por força da violação do princípio da igualdade relativas à diferença entre a retribuição devida e a paga nos anos de Agosto de 2016 a Junho de 2018.
Declarou que as mencionadas quantias são acrescidas de juros de mora desde a citação até integral pagamento.

Foi subsequentemente, e na sequência de requerimento dos AA., proferido despacho a retificar a sentença, despacho esse que tem o seguinte conteúdo:
No ponto 8 e 9 dos factos provados menciona-se o valor de €1021,48, quando na verdade o valor aceite pelas partes é €1201,48, como resulta aliás dos demais artigos provados. Donde se retifica a factualidade nesse sentido.
A sentença tem uma omissão quanto à 10ªR. Sónia Patrícia Tomás, aditando-se a mesma no relatório (na condenação a mesma surge abrangida), e no facto assente em 10 onde se lê 1ªA deve ler-se 10A., lapso que se retifica, pois a 1ªA surge mencionada no ponto 1 do factos provados.
Por outro lado dado que a alteração salarial foi efetuada em 1/10/2015, retifica-se o decisório condenando-se a pagar as diferenças salariais até 30/09/2015, posto que a 1/10/2015 estas deixaram de existir.

Interposto recurso da sentença, foi proferida decisão sumária que decidiu ordenar a ampliação do acervo fático.

Já na 1ª instância, em sede de audiência de discussão e julgamento, realizou-se novo acordo quanto à matéria fática, vindo a ser proferida nova sentença que julgou a presente ação parcialmente procedente, e, em consequência:
a)-Condenou a R. a pagar aos AA. (com exceção do 8º, 9ª e 10ªAA) as diferenças salariais por força da violação do princípio da igualdade, relativa ao vencimento de horas de qualidade, de Janeiro de 2013 a 30/9/2015, face aos enfermeiros de contrato de trabalho na função pública;
b)-Condenou a R. a pagar aos AA. a quantia mensal de €171,6 a título de diferenças salariais devidas por força da violação do princípio da igualdade relativas à diferença entre a retribuição devida e a paga nos anos de Agosto de 2016 a Junho de 2018.
As mencionadas quantias são acrescidas de juros de mora desde a citação até integral pagamento.

***

As conclusões delimitam o objeto do recurso, o que decorre do que vem disposto nos Art.º 608º/2 e 635º/4 do CPC. Apenas se exceciona desta regra a apreciação das questões que sejam de conhecimento oficioso.
Nestes termos, considerando a natureza jurídica da matéria visada, são as seguintes as questões a decidir, extraídas das conclusões:
1ª-Os Autores, a quem, de acordo com as regras da prova, competia fazer essa prova, não provaram nem alegaram a aludida desigualdade pois não individualizaram nem concretizaram as situações funcionais e os enfermeiros em relação aos quais ocorreu, por forma a aferir objetiva e efetivamente da igualdade de funções invocada?
2ª-A diferenciação de regimes e remuneração em causa não é materialmente infundada, antes existindo para a mesma um fundamento razoável, objetivo e racional?

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FUNDAMENTAÇÃO:

DE FACTO:

Factos Provados:

Em face do acordo da matéria de facto considero assentes os seguintes factos:
1.–A 1ª A. celebrou com o R.
...

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