Acórdão nº 1325/22.0T8VCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 19-12-2023
Data de Julgamento | 19 Dezembro 2023 |
Ano | 2023 |
Número Acordão | 1325/22.0T8VCT.G1 |
Órgão | Tribunal da Relação de Guimarães |
ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES
1. Relatório
EMP01..., Ldª intentou acção declarativa contra Condomínio ..., ... e ... e Travessa ... e ..., sito na União das Freguesias ... (... e ...) e ..., representado pela sua administradora “EMP02... – Unipessoal, Ldª” pedindo que seja anulada a deliberação tomada quanto ao ponto dois da Ordem de Trabalhos da assembleia de condóminos realizada no dia 31 de Agosto de 2020, no segmento da distribuição das despesas e encargos de conservação e fruição das partes comuns do edifício pelos condóminos do prédio, em violação do título constitutivo da propriedade horizontal, e o réu condomínio condenado a reconhecer essa anulação, com as legais consequências.
Alegou para tanto e em síntese, que é proprietária das fracções autónomas individualizadas pelas letras ..., ..., ... e ... do prédio urbano, sito na Rua ... e Travessa..., Lugar ..., ...; no dia 31 de Agosto de 2020, realizou-se uma assembleia de condóminos; o ponto 2 da ordem de trabalhos era a apresentação, análise, discussão e votação do orçamento e empresa a administrar o condomínio, para o período de 1 de maio de 2020 a 30 de abril de 2021; no âmbito deste ponto da ordem de trabalhos, a assembleia de condóminos votou favoravelmente o orçamento apresentado pela “EMP02... – Unipessoal, Ldª e, consequentemente, foi a mesma nomeada para administrar o condomínio do prédio para o período de 1 de Maio de 2020 a 30 de Abril de 2021; o orçamento discrimina, por rúbricas, os valores parcelares orçamentados, bem como a distribuição, por cada uma das fracções autónomas, dos valores a suportar; indica a percentagem de cada fracção autónoma com referência ao valor global do prédio, de acordo com o título constitutivo e indica, também segundo o título constitutivo, as partes comuns a todas as fracções e, relativamente a sete conjuntos de fracções, indica as respectivas partes comuns; as fracções autónomas ... e ..., destinadas ao exercício de actividade comercial, têm acesso pela via pública através de uma parte comum do prédio (logradouro), e as fracções autónomas ... e ..., destinadas a garagem, situam-se no rés-do-chão, com acesso pela via pública, através de partes comuns do prédio; nenhum dos cinco elevadores do prédio é comum às fracções autónomas ..., ..., ... e ..., como não são comuns outras partes do edifício que indica; as fracções autónomas ... e ... só têm acesso pelos números de polícia ...1 e ...7, respectivamente, da Rua ..., pelo que, para aceder a tais fracções autónomas, não há necessidade nem possibilidade de utilizar ou percorrer qualquer parte comum interior do prédio; segundo o orçamento aprovado pela maioria dos condóminos as fracções autónomas propriedade da A. participam nos encargos relativos à manutenção e reparação dos elevadores, quando estes equipamentos não são comuns às mesmas fracções e também são chamadas a participar nos encargos de energia eléctrica; as fracções autónomas ... e ... não têm acesso pelos números de polícia ...3 e ...5, sendo, no entanto, chamadas a comparticipar nas despesas de electricidade com referência a esses mesmos números.
E já em sede de Direito invoca que no segmento da distribuição das despesas e encargos de conservação e fruição das partes comuns do edifício, o orçamento aprovado viola o disposto nos nºs 3 e 4 do artigo 1424º do C.C. e ainda o disposto no título constitutivo da propriedade horizontal.
O R. contestou, por excepção, invocando a caducidade e a ineptidão da petição inicial.
E por impugnação disse, em síntese, que o n.º 4 do art.º 1424º do CC é expresso no sentido de que participam nas despesas dos ascensores “os condóminos cujas fracções por eles possam ser servidas”; a A. omite que as fracções ... e ... possuem e são igualmente compostas por garagens que se situam ao nível do rés-do-chão; ambas as fracções são servidas por elevador que estabelece a comunicação com o rés-do-chão, onde se situam aquelas garagens; a Autora solicitou autorização aos condóminos para a colocação na cobertura do prédio de máquinas de ar condicionado, que por aqueles lhe foi concedida, dispondo a A. das chaves da casa das máquinas situadas na cobertura do edifício, onde acede livremente através das escadas ou dos elevadores do edifício; também as fracções ... e ... que, embora se destinem a garagem, são servidas por um elevador; as fracções ..., ..., ... e ..., podem aceder livre e indiscriminadamente a todas as partes do edifício, designadamente através dos elevadores dos vários blocos de que se podem servir para o efeito e também podem ser acedidas através das partes comuns do prédio, designadamente através dos elevadores que igualmente servem aquelas fracções; a A. sempre participou nas despesas dos elevadores; é na cave que se encontram instalados equipamentos de interesse comum – quadro eléctrico, central de detecção de incêndio e bombas eléctricas destinadas a regular o nível freático das águas para evitar inundações no prédio – pelo que a A. não só pode servir-se do elevador para acesso à cave, como, caso pretenda aceder aos equipamentos de interesse comum em referência, necessita de aceder à cave e o que poderá fazer através dos elevadores.
A A. foi notificada para responder às excepções, o que fez.
Foi proferido despacho saneador que julgou improcedente a excepção de ineptidão da petição inicial, jugou verificados os pressupostos processuais, fixou valor à causa, julgou improcedente a excepção de caducidade, consignou o objecto do litígio e os temas da prova e pronunciou-se quanto aos requerimentos probatórios.
Realizou-se o julgamento, tendo sido proferida sentença cujo decisório tem o seguinte teor:
“Nestes termos, na parcial procedência da acção, decide-se anular a deliberação aprovada na Assembleia de Condóminos realizada no dia 31 de Agosto de 2020 no que respeita ao ponto dois da respectiva “Ordem de Trabalhos”, apenas na parte que põe a cargo da A. EMP01..., LDA. a obrigação de comparticipar nos encargos de conservação e manutenção dos elevadores do prédio sito na Rua ..., ... e ..., e na Travessa ... e ..., União das Freguesias ... (... e ...) e ..., concelho ....
Custas a cargo de A. e R., na proporção de 40% e 60%, respectivamente – artigos 527.º, n.ºs 1 e 2, e 607.º, n.º 6, ambos do CPC. “
O Réu interpôs recurso, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões[1]:
1. Vem o presente recurso da sentença proferida no âmbito dos presentes autos no segmento que julgou parcialmente procedente a presente acção e decidiu anular a deliberação aprovada na assembleia de condóminos realizada no dia 31 de Agosto de 2020 no que respeita ao ponto dois da respectiva “ordem de trabalhos”, apenas na parte que põe a cargo da Autora a obrigação de comparticipar nos encargos de conservação e manutenção dos elevadores do prédio sito na Rua ..., ... e ... e na Travessa ... e ..., em ....
2. Crê-se, com o devido respeito, que o Tribunal a quo não procedeu a uma escorreita e cuidada apreciação de toda a prova produzida e que em tal aresto decisório fez incorrecta interpretação e aplicação do Direito e errado enquadramento fáctico-legal, inserindo-se no âmbito de um conflito jurisprudencial e ainda que a sentença recorrida padece de nulidade. O presente recurso tem por objecto a decisão proferida em sede de matéria de facto e de direito e envolve a reapreciação da prova gravada.
II. DO OBJECTO DO RECURSO
a) da nulidade da sentença
3. Na motivação da sentença recorrida, o Mm.º Juiz a quo refere que “não existem dúvidas que o prédio em questão é constituído por cinco blocos que, como se refere no documento complementar anexo à escritura de constituição da propriedade horizontal, “se interligam a nível da cave e de parte do rés-do-chão, tornando-se indistintos a esses níveis” (cfr. fls. 35). Ou seja, objectivamente, é possível aceder a cada um dos cinco blocos do prédio (cave, rés-do-chão, cada um dos seus três andares, cobertura e logradouro) por qualquer uma das entradas nele existentes – inclusivamente através das entradas com os n.º de polícia ...3 e ...5, afectas às fracções autónomas ... e ..., uma vez que as mesmas dispõem de porta de acesso para o patamar ou corredor de circulação existente ao nível do rés-do-chão onde se situam as garagens que constituem as fracções ... e ... – e calcorreá-lo integralmente através das escadas ou dos elevadores.” (sublinhado e negrito nosso)
4. Por sua vez, da fundamentação da sentença recorrida resulta que “(…) as fracções autónomas de que a A. é proprietária situam-se, todas elas, ao nível do rés-do-chão do edifício, não se vislumbrando por isso que aquela tenha necessidade de se servir dos elevadores para a elas aceder” (…) “ no acesso às fracções de que é proprietária a A. não utiliza nenhum dos elevadores instalados no edifício, ou, dito de outro modo, tais fracções autónomas não são nem podem ser servidas pelos ascensores instalados no edifício que é objecto de controvérsia nos autos. Como já vimos, este critério prende-se fundamentalmente com a possibilidade/necessidade de o condómino aceder à fracção através da utilização do(s) elevador(es)…”.
5. Pelo que, é manifesta a contrariedade do Mm.º Juiz a quo ao referir que, sem margem de dúvida, é possível aceder a cada um dos cinco blocos do prédio, que se interligam a nível da cave e de parte do rés-do-chão, tornando-se indistintos a esses níveis, incluindo no que diz respeito às fracções de que a A. é proprietária, e calcorreá-lo integralmente através das escadas ou dos elevadores, por um lado, mas que tais fracções não são nem podem ser servidas pelos ascensores, por outro lado.
6. Se as fracções da A,. são servidas por elevadores é uma questão, e se a A. tem necessidade de fazer uso de tais ascensores é outra questão, que não se confunde, nem se deve confundir, tal como assim sucede manifestamente...
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