Acórdão nº 13214/20.8T8PRT.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2022-06-15

Ano2022
Número Acordão13214/20.8T8PRT.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Apelação nº 13214/20.8T8PRT.P1


ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO


I – RESENHA HISTÓRICA DO PROCESSO
1. AA instaurou ação contra K..., Companhia de Seguros de Vida, S.A., e contra o Banco 1... SA., pedindo a condenação da 1ª Ré e/ou da 2ª Ré:
a) Reconhecer que a Autora e o seu falecido marido, BB, celebraram com a demandada um contrato de seguro de vida titulado pela apólice nº. ...;
b) Reconhecer que o contrato de seguro atrás identificado é plenamente válido e eficaz;
c) Reconhecer que o contrato de seguro celebrado entre si, o seu falecido marido e a 2ª Ré implica, no caso de se verificar, como verificou, uma situação de morte do segurado, que a 1ª Ré pague o montante de dívida relativa ao crédito à habitação ao beneficiário 2ª Ré, no valor do capital em dívida do empréstimo contraído, e à sua cônjuge, aqui Autora, no montante correspondente ao capital em dívida à data da ocorrência, ou seja, a 23/08/2018.
d) Pagar-lhe a 1ª Ré a quantia por si despendida desde a data do sinistro até ao trânsito em julgado da sentença que aqui seja proferida, em cumprimento do contrato de mútuo celebrado com a Autora, BB e 2ª Ré para crédito à habitação, valor esse acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a data de cada um dos pagamentos que a 1ª Ré deveria ter realizado em sua substituição até efetivo e integral pagamento;
e) Substituir-se a si no pagamento à 2ª Ré da quantia em dívida relativa ao crédito à habitação desde o trânsito em julgado da sentença que aqui seja proferida até ao termo do mútuo contraído entre si, o seu falecido marido e aquela instituição bancária.
E ainda que sejam declaradas nulas e sem qualquer efeito:
a) A alínea o) do n.º 6.1. da cláusula 6ª das Condições Especiais integrantes da Apólice nº ..., quando entendida no sentido de que exclui a cobertura da morte quando ocorra em virtude de evolução de doença neurológica e/ou psiquiátrica de que a pessoa segura não era portadora à data da entrada em vigor do contrato de seguro (31/12/2003), como Alzheimer e/ou demência;
b) A menção comprovativa de que as informações foram prestadas e as condições gerais e especiais entregues ao tomador do seguro, aqui 2ª Ré, inserta na proposta de seguro;
c) A menção comprovativa da comunicação/ participação do sinistro à 1ª Ré, conjuntamente com os documentos justificativos exigidos nas condições especiais do contrato de seguro com a Apólice n.º ....”
Em resumo, a Autora estribou os seus pedidos alegando ter celebrado, juntamente com o seu marido, entretanto falecido, com o Banco 1... um crédito à habitação (que foi sujeito posteriormente a aditamentos), bem como um contrato de seguro de vida com a Ré K... Seguros. Nos termos do contrato de seguro de vida, a K... Seguros assumiu a obrigação de, em caso de óbito, pagar ao Banco 1... o capital em dívida do empréstimo contraído pela pessoa segura. Tendo falecido o marido da Autora, e interpeladas as Rés, o K... Seguros recusou fazer o pagamento.
Em contestação, e no essencial, a K... Seguros veio invocar que o falecimento do marido da Autora decorreu de doença neurológica, situação essa que estava excluída contratualmente da apólice de seguro, como a Autora bem sabe por ter sido informada de todas as condições contratuais.
Já o Banco 1... alegou que, enquanto mero tomador do contrato de seguro, não sabe, nem tem qualquer forma de saber, se estão preenchidos todos os requisitos para o acionamento do contrato de seguro.
A Autora ainda respondeu considerando não ter sido cumprido o dever de informação.
Considerando ter já todos os elementos, o M.mº Juiz decidiu no despacho saneador nos seguintes termos:
A- Julgar improcedente, por não provada, a excepção peremptória (substantiva) de exclusão invocada pela ré K1... SA, dela absolvendo a autora AA;
B- Julgar a acção procedente, por provada e, em consequência, condenar as rés K... Seguros – Companhia de Seguros de Vida, S.A. e Banco 1... SA., nos seguintes pedidos:
a) Reconhecerem que a Autora e o seu falecido marido, BB, celebraram com a demandada um contrato de seguro de vida titulado pela apólice nº. ...;
b) Reconhecerem que o contrato de seguro atrás identificado é plenamente válido e eficaz;
c) Reconhecerem que o contrato de seguro celebrado entre si, o seu falecido marido e a 2ª Ré implica, no caso de se verificar, como verificou, uma situação de morte do segurado, que a 1ª Ré pague o montante de dívida relativa ao crédito à habitação ao beneficiário 2ª Ré, no valor do capital em dívida do empréstimo contraído, e à sua cônjuge, aqui Autora, no montante correspondente ao capital em dívida à data da ocorrência, ou seja, a 23.08.2018;
d) Pagar-lhe a 1ª Ré a quantia por si despendida desde a data do sinistro até ao trânsito em julgado da sentença que aqui seja proferida, em cumprimento do contrato de mútuo celebrado com a Autora, BB e 2ª Ré para crédito à habitação, valor esse acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a data de cada um dos pagamentos que a 1ª Ré deveria ter realizado em sua substituição até efectivo e integral pagamento;
e) Substituir-se a si no pagamento à 2ª Ré da quantia em dívida relativa ao crédito à habitação desde o trânsito em julgado da sentença que aqui seja proferida até ao termo do mútuo contraído entre si, o seu falecido marido e aquela instituição bancária.
2. Inconformada com tal decisão, dela apelou o K... Seguros, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
I. Considera a ora Recorrente incorretamente julgada a decisão de que se recorre atendendo aos pontos agora transcritos da matéria de facto dada como provada, a medida em que, em torno de tal matéria apurada e considerada provada, impendia sobre o douto Tribunal decisão diversa da que foi proferida.
II. Desde logo, o sinistro participado, consubstanciado na morte do falecido marido da ora Recorrida por demência, não poderia ser tido em consideração, por se encontrar, expressamente, excluído das coberturas das apólices, como a ora Recorrente pugnou e continua a pugnar.
III. Porém, o douto Tribunal de 1.º Instância, faz, no entender da ora Recorrente, uma incorreta interpretação da cláusula de exclusão invocada, baseando-se em argumentos e juízos de valor relativamente à pessoa do Segurado em qualquer sustentação fática.
IV. Não concorda a ora Recorrente, que “o sentido decisivo da declaração negocial apreendido por um declaratório normal” permita concluir, como concluiu o Tribunal a quoque “(...) afigura-se-nos ser de interpretar tal cláusula de exclusão como aplicável à data do início do contrato e não para o futuro.”, o que, no entender da ora Recorrente, é subverter toda a realidade do contrato de seguro, sem que, tal interpretação tenha colhimento na redação da apólice no seu conjunto.
V. Salvo o devido respeito, que é muito, a interpretação da cláusula de exclusão invocada não poderá passar por questões gramaticais inusitadas e desfasadas da restante leitura do contrato, ainda que, a sua redação seja inquestionável, no entender da ora Recorrente.
VI. Havendo concordância gramatical entre o verbo e o tempo a que se reporta: o uso da conjugação do verbo ser no presente do conjuntivo pretende exprimir uma ação não realizada, hipotética ou irreal, que exprime dúvida e incerteza. O que não podia deixar de ser já que se pretende referir ao evento morte – “seja portadora à data da morte”.
VII. Isto porque, se outra leitura não se fizer, questiona a ora Recorrente, então, como conjuga este douto Tribunal a quo a leitura daquela exclusão - como a lê - com a exclusão aposta no na alínea k) do ponto 6.1 das condições contratuais da apólice em discussão, juntas sob o n.º 4 com a douta contestação da ora Recorrente, e tidas em conta e apreciação para a consideração da matéria de facto assente, referentes à exclusão expressa de doenças pré-existentes?
VIII. É que, na verdade, o douto Tribunal recorrido sustenta a interpretação da cláusula de exclusão invocada em sentido mais favorável ao Segurado, colhendo-a no sentido de ser o Segurado já portador daquela doença excluída, passando para uma análise de uma situação de pré-existência que nunca foi alegada pela ora Recorrente!
IX. E a este respeito, cumpre referir, que uma situação de pré-existência e a invocação de uma cláusula de exclusão, são matérias amplamente distintas, com enquadramentos distintos e com soluções jurídicas, também elas, distintas.
X. Descrevendo a douta sentença uma fundamentação que parece ir ao encontro de matéria não alegada pelas partes do presente processo e, no entender da ora Recorrente, amplamente afastada do foco do presente processo – como aliás o douto Tribunal de 1.ª Instância primitivamente fixou – a interpretação da cláusula de exclusão invocada!
XI. E quanto a esta matéria entende a ora Recorrente que o douto Tribunal a quo incorreu num erro de julgamento, pois, abstém-se de olhar para o clausulado do contrato de seguro como um todo, acabando por interpretar de forma errada e cláusula de exclusão invocada pela ora Recorrente.
XII. Não se aceitando que a cláusula de exclusão em análise configure uma cláusula de difícil leitura, na medida em que, o homem médio colocado nas mesmas circunstâncias do falecido Segurado, olhando para o texto do contrato de seguro e para o leque de exclusões, independentemente da forma verbal empregue em cada uma delas, facilmente compreenderia o que com elas se pretendia.
XIII. E quanto a essa matéria entende-se inexistir qualquer abuso ou excesso pela ora Recorrente, dada a natureza do contrato de seguro em discussão. Não existindo dúvida, no sem entender, que o sinistro participado não se encontra a coberto das garantias do contrato de seguro dada a exclusão invocada.
XIV. Devendo, ao invés da posição vertida na sentença de que se recorre, considerar-se, em face da factualidade dada como provada, que a exclusão de doença neurológica e psiquiátrica se reportam para o futuro, e, por essa razão, tem
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