Acórdão nº 132/22.4T8ILH.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2022-07-13

Ano2022
Número Acordão132/22.4T8ILH.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
PROCESSO N.º 132/22.4T8ILH.P1
Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro – Juíza de Competência Genérica de Ílhavo - Juiz 2

Relator: Fernando Vilares Ferreira
Adjunta: Maria Eiró
Adjunto: João Proença

SUMÁRIO:
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ACORDAM os Juízes do Tribunal da Relação do Porto:

I.
RELATÓRIO

1.
AA intentou o presente procedimento cautelar de embargo de obra nova contra BB e marido, CC, pedindo a ratificação de embargo extrajudicial.
Alegou para tanto, em síntese:
- Requerente e Requeridos são donos de prédios que identifica e que confrontam entre si.
- Na parede do lado Norte da casa de habitação da Requerente existem janelas com as características que enumera, relativamente às quais se encontra constituída servidão de vistas por usucapião.
- No passado dia 16.02.2022, os Requeridos deram início à construção de uma casa de habitação de dois pisos, implantada mesmo junto à estrema Sul do prédio dos Requeridos, e continuação da presente obra, teria como consequência a completa tapagem das acima referidas duas janelas da parede Norte da casa de habitação da Requerente.
- No dia 17.02.2022, pelas 11:30 horas, a Requerente procedeu ao embargo extrajudicial verbal da aludida obra perante o encarregado de obra, na presença de duas testemunhas.
2.
Os Requeridos apresentaram oposição, impugnando a essencialidade da factualidade alegada na p. i., e pugnando pela improcedência da providência.
3.
Realização a audiência final, foi prolatada sentença que julgou a providência cautelar de ratificação improcedente e, em consequência, determinou “o levantamento da providência do embargo extrajudicial executado pela requerente, no dia 17 de fevereiro de 2022, permitindo a continuação da construção da edificação pelos requeridos, que, então, havia sido suspensa”.
4.
Inconformada com a decisão, a Requerente interpôs o presente recurso de apelação, com subida nos próprios autos e efeito suspensivo, assente nas seguintes CONCLUSÕES:
I. A recorrente impugna a decisão do douto Tribunal a quo relativa à matéria de facto, por erro na apreciação das provas, designadamente, dos depoimentos (gravados) das testemunhas DD e EE e das declarações da recorrente, em conjugação com as fotografias juntas como docs. 5 e 6 do Requerimento Inicial.
II. A recorrente considera incorrectamente julgados os seguintes pontos dos factos dados como provados na douta Sentença a quo: o ponto 10. Na parede do lado Norte da casa de habitação da Requerente existem duas aberturas desde, pelo menos, o ano de 2000; ponto 11. Uma com 60 centímetros de altura e 50 centímetros de largura, que permite a entrada de luz e a circulação de ar, diz respeito à casa de banho do rés-do-chão da casa de banho da Requerente; ponto 14. A continuação da presente obra, com a referida implantação junto à estrema Sul do prédio dos Requeridos, teria como consequência completa tapagem das acima referidas duas aberturas da parede Norte da casa de habitação da Requerente; e ponto 16. Se a construção dos Requeridos fosse por diante, a Requerente, no tocante às mencionadas aberturas, deixaria de ter luz natural e circulação de ar nas áreas afectadas.
III. Ora, quanto aos factos dados como provados no ponto 10., a recorrente não aceita que apenas tenha sido dado como provado que na parede do lado Norte da casa de habitação da Requerente existem duas aberturas, e no ponto 11. “uma com 60 centímetros de altura e 50 centímetros de largura, que [apenas] permite a entrada de luz e a circulação de ar, diz respeito à casa de banho do rés-do-chão da casa da Requerente.”
IV. E, por conseguinte, também não aceita que nos pontos 14 e 16 dos factos dados como provados continue a fazer-se apenas menção a “abertura” e não janela, no que diz respeito à janela da casa de banho, com as ditas dimensões de 60 centímetros de altura e 50 centímetros de largura.
V. No seguimento do que também não se aceita que o douto Tribunal a quo tenha considerado factos perfunctoriamente não provados que a) a abertura melhor descrita no ponto 11 constitua uma janela, b) com a construção encetada pelos requeridos, a requente deixa de ter gozo de vistas; c) o referido em 16. desvaloriza apreciavelmente o imóvel.
VI. Em face da prova produzida, que adiante melhor se indicará, no que diz respeito à janela da casa de banho do rés-do-chão da casa de habitação da recorrente, forçosamente terá de se concluir estar-se perante uma janela, com todas as características que comummente se aceita constituírem uma janela, que é facto ali existir, como provado, desde 2000, portanto, há mais de vinte anos, à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém ao longo de todo este tempo.
VII. E, como tal, quanto a esta janela está constituída, por usucapião, uma servidão de vistas, atento o disposto no artigo 1362.º, n.º 1, do Código Civil.
VIII. Os meios probatórios que impõem decisão diversa daquela a que chegou o douto Tribunal a quo, sobre os mencionados pontos 10. e 11., interligados entre si, são os seguintes: depoimento da testemunha DD, ficheiro de gravação n.º 20220328143246, do minuto 07:10 ao minuto 11:08, do minuto 12.32 ao minuto 13.34 e do minuto 17:08 ao minuto 22:23, cujos excertos se encontram acima transcritos e para os quais se remete.
IX. Esta testemunha, DD, sobre a janela da casa de banho, referiu por ela “passar uma cabeça humana, que dá para ver para o exterior”, que dá para qualquer pessoa “se debruçar, ela tem espaço suficiente para fazer isso, (…) dá para fazer algumas limpezas no exterior (…) é de fácil acesso (…) tem largura suficiente para fazer isso.”
X. Também sobre os mesmos pontos da matéria de facto dada como provada, o depoimento da testemunha EE, ficheiro n.º 20220328150625, do minuto 14:19 ao minuto 19:10, do minuto 23:33 ao minuto 28:40, cujos excertos se encontram acima transcritos e para os quais se remete.
XI. Esta testemunha, EE, sobre esta janela, à questão que lhe foi colocada sobre se se quisesse abeirar da janela e pousar os braços no parapeito e olhar para o exterior, com a janela aberta, respondeu “penso que sim, penso que dava para fazer isso”, e questionada sobre se uma cabeça humana passava na janela, respondeu que “não seria muito prático. Provavelmente daria, não sei. Sou-lhe sincera, nunca experimentei.” Mas questionada se dava para fazer, respondeu a testemunha “penso que sim. Se quisesse mesmo.”
XII. De igual modo, sobre os mesmos pontos 10. e 11. dos factos dados como provados, as declarações de parte da recorrente, ficheiro n.º 20220328164603, do minuto 4:42 ao minuto 10:05 e do minuto 20:20 ao minuto 24:23, cujos excertos se encontram acima transcritos e para os quais se remete.
XIII. Nas declarações de parte, a recorrente descreveu a janela da casa de banho, que a “parte de baixo é fixa e a parte de cima abre, tanto para arejamento, assim um bocadinho e depois sai toda para eu poder limpar do lado de fora, faz o arejamento e dobra toda assim, portanto a 180 graus, inverte completamente, ficando a parte de cima toda aberta para eu poder limpar a janela do lado de fora”, que a metade superior fica mais ou menos ano nível dos seus olhos, respondendo afirmativamente à possibilidade de se debruçar no parapeito, passar a cabeça para fora, conseguindo ver para um lado e para o outro, tendo tido sempre a mesma configuração.
XIV. Da conjugação dos referidos depoimentos gravados, tendo igualmente em conta as fotografias captadas à parede Norte da casa de habitação da Recorrente, documentos 5 e 6 do requerimento inicial, impunha-se decisão diversa no tocante à efectiva existência de uma janela da casa de banho do rés-do-chão da casa de habitação da recorrente.
XV. Pelo que a decisão a proferir sobre os acima referidos pontos dos factos dados como provados deve ser a seguinte: “ponto 10. Na parede da casa de habitação da requerente existe uma abertura e uma janela desde, pelo menos, o ano de 2000, à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém.”
XVI. Decisão a proferir sobre o ponto 11. dos factos dados como provados: “A janela tem 60 centímetros de altura e 50 centímetros de largura, diz respeito à casa de banho do rés-do-chão da casa da requerente, com uma caixilharia oscilo-batente, que permite ser totalmente aberta na vertical na sua metade superior, permite que as pessoas se debrucem no seu parapeito, que se projectem sobre o prédio vizinho, permite a passagem de uma cabeça humana para o exterior, permitindo a entrada de luz, a circulação de ar e o gozo de vistas em todas as direcções, sobre o prédio dos requeridos.”
XVII. Decisão a proferir sobre o ponto 14 dos factos dados como provados: “A continuação da presente obra, com a referida implantação junto à estrema Sul do prédio dos requeridos, teria como consequência a completa tapagem da acima referida janela da parede Norte da casa de habitação da requerente.”
XVIII. Decisão a proferir sobre o ponto 16 dos factos dados como provados: “Se a construção dos requeridos for por diante, a requerente, no tocante à mencionada janela, deixaria de ter gozo de vistas, luz natural e circulação de ar na área afectada, desvalorizando apreciavelmente o imóvel.”
XIX. Consequentemente, deve apenas ser considerado como não provado apenas parte da alínea a) dos factos não provados, ou seja, “a abertura supra descrita em 12. constitui janela.”, eliminando-se as alíneas b) e c).
XX. Em face do entendimento aqui propugnado quanto à matéria de facto, deve considerar-se que a janela da casa de banho do rés-do-chão da casa da recorrente, com as apontadas características, ali existente há mais de vinte anos, em contravenção à lei, à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém, como alegado e provado, importa, nos termos gerais, a constituição, por usucapião, de um direito real de servidão de vistas, ao abrigo do disposto no supracitado artigo 1362.º, n.º 1, do Código Civil.
XXI. E, como base nesse
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