Acórdão nº 1303/21.6 BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 17-02-2022

Data de Julgamento17 Fevereiro 2022
Ano2022
Número Acordão1303/21.6 BELSB
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I…, devidamente identificada nos autos de acção administrativa de impugnação, com tramitação urgente, que instaurou contra o Ministério da Administração Interna (MAI), inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão, proferida em 29.10.2021, pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa (TACL), que julgou a acção improcedente e, em consequência, absolveu a Entidade demandada dos pedidos [de anulação da decisão de recusa de asilo e de autorização de residência por protecção subsidiária, emitindo-se decisão no sentido da sua concessão].

Nas respectivas alegações, a Recorrente formulou as seguintes conclusões:
«A) O Tribunal a quo omitiu ou errou na decisão sobre a produção de prova por declarações de parte, contrariando o requerido pela ora recorrente na Petição Inicial.
B) No entendimento da recorrente é absolutamente essencial à boa decisão da causa, em cumprimento do princípio da tutela jurisdicional efectiva, que seja ordenada a sua audição.
C) A recorrente só assim poderá demonstrar a veracidade das suas declarações e aprofundá-las.
D) A Decisão sub judice, enferma do vício de violação de lei, por desrespeito dos prazos previstos nos artigos 28.º e 29.º da Lei de Asilo.
E) Em 29/12/2015, foi proferida pelo Diretor Nacional Adjunto do SEF decisão de prossecução para instrução do pedido de Asilo da recorrente, constante de fls. 56 do PA.
F) A 05/03/2021 o Exmo. Sr. Ministro da Administração Interna decide recusar o seu pedido de proteção internacional, conforme consta a fls. 107 do PA.
G) Este subprocedimento encerra uma fase de instrução, culminando na decisão final de recusa ou de concessão do pedido de proteção internacional (cfr. artigos 27.º a 29.º da Lei de Asilo).
H) A decisão impugnada está inquinada por vício de violação de lei por verificado o vício procedimental decorrente da ultrapassagem dos prazos previstos nos artigos 28.º e 29.º da lei de Asilo.
I) A duração da fase de instrução prevista no artigo 28.º da Lei de Asilo, em que o legislador optou por consagrar um prazo especial de seis meses para a fase da instrução, que apenas pode ser excepcionalmente estendido por outros três meses “em casos de especial complexidade”, não pode ser ultrapassada sem que se retirem consequências, designadamente de deferimento tácito.
J) A Lei do Asilo confere ao silêncio da Administração no prazo fixado para o decurso da instrução o valor de deferimento do pedido de protecção internacional, assim como confere o valor de deferimento tácito quando a Administração nada diz no prazo para decisão sobre a admissibilidade ou não do pedido de proteção internacional.
K) Sem prejuízo do disposto no n.º 1 do artigo 130.º do Código de Procedimento Administrativo (CPA), sob a epígrafe ATOS TÁCITOS, nestes devem também ser incluídos todos aqueles em que tendo a Administração um dever de decidir em determinado prazo não o faça, nos termos do n.º 2 daquele artigo.
L) Razão pela qual a Recorrente reitera que, pelo menos 50 meses depois, daquele que deveria ter sido o prazo da instrução (que deveria ter sido até 6 meses) e/ou o prazo da apresentação da proposta do SEF ao membro do Governo responsável pela área da administração (que deveria ter sido até 10 dias) e/ou o prazo da decisão deste último (que deveria ter sido até 8 dias), o procedimento apresenta um vício de lei, que se invoca, por insanado e insanável.
M) Interpretação diversa colide e viola os princípios fundamentais do Estado de Direito Democrático plasmados nos seus artigos 1.º, 2.º, 8.º, 13.º, 20.º e 267.º, n.º 5, do artigo 41.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, do artigo 18.º Declaração Universal dos Direitos do Homem, dos artigos 2.º, 3.º, 5.º, 6.º e 14.º a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, da Convenção de Genebra de 28 de julho de 1951 e o Protocolo Adicional de 31 de janeiro de 1967), designadamente no direito da recorrente a um processo célere.
N) Conforme resulta do artigo 84.º da Lei do Asilo, tais processos assumem um carácter urgente.
O) Cai por terra a interpretação e integração contra-sistémica que o Tribunal a quo pretende fazer, quando ex vi do artigo 86.º da Lei do Asilo, o deveria ter feito de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem, a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, a Convenção de Genebra de 28 de julho de 1951 e o Protocolo Adicional de 31 de janeiro de 1967.
P) A decisão por manifestamente extemporânea, deve culminar com a concessão de proteção internacional à recorrente.
Q) O recurso ora interposto para o TCAS abrange o invocado erro de julgamento sobre a questão de querer imputar à recorrente o ónus de no decurso do procedimento sub judice o país donde fugiu ter mudado de presidente.
R) A…, marido da recorrente, pertencia ao corpo de segurança do General F… e, em final de setembro de 2010, ambos foram detidos, por razões político-partidárias.
S) O ditador J… foi presidente da República Democrática do Congo até 2018, não tendo qualquer pudor em utilizar a força para eliminar os seus contestatários (e familiares destes), como era o caso daqueles.
T) A tomada de posse, como Presidente da República, de F…., apenas ocorreu após as eleições de 2018.
U) O facto de terem cessado as razões com base nas quais a recorrente poderia ter obtido a requerida (e admitida) proteção internacional, que a não ter acontecido pelo decurso de cerca de 5 anos de instrução veiculada pela recorrida, não serve como fundamentação válida para a recorrente deixar de beneficiar do direito de asilo em Portugal.
V) A decisão recorrida deve ser revogada e substituída por outra que conceda proteção internacional à recorrente.».

Notificado para o efeito, o Recorrido não apresentou contra-alegações.

O juiz a quo pronunciou-se pela improcedência das invocadas nulidades da sentença recorrida.

O Ministério Público, junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto nos artigos 146º e 147°, do CPTA, não emitiu parecer.

Sem vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, por se tratar de processo urgente (cfr. o nº 2 do artigo 36º do CPTA), o processo vem à Conferência para julgamento.

As questões suscitadas pela Recorrente são delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, nos termos do disposto no nº 4 do artigo 635º e nos nºs 1 a 3 do artigo 639º, do CPC ex vi nº 3 do artigo 140º do CPTA, significando que:
- nas alegações de recurso deve o recorrente indicar as razões de facto e de direito pelas quais discorda da decisão recorrida, considera que não observou as formalidades legais na sua elaboração ou incorreu em erros de julgamento, que constituam os fundamentos para a sua anulação, revogação ou modificação, terminando com as conclusões, em que resume, sintetiza os fundamentos da discordância alegada;
- por serem uma súmula das alegações de recurso está vedado o alargamento nas conclusões do âmbito das alegações, ou seja, as conclusões de recurso que versem sobre matéria não tratada nas alegações são totalmente irrelevantes (no mesmo sentido v. o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 8.6.2018, no proc. nº 1840/16.4T8FIG-A.C1, in www.dgsi.pt);
- por outro lado, como resulta do disposto no mencionado artigo 635º, a delimitação do objecto do recurso, das questões que cumprem ao tribunal superior conhecer, é efectuada pelas conclusões, significando que se estas não sumariarem todas as questões vertidas nas alegações de recurso, só as constantes das conclusões e nos termos em que o forem, serão apreciadas pelo tribunal de recurso [para além das que forem de conhecimento oficioso].
Servem as tecidas considerações para explicitar que nas alegações do presente recurso vem invocada a nulidade da sentença recorrida por não produção de prova por declarações de parte e por vício de violação de lei por desrespeito dos prazos previstos nos artigos 28º e 29º da Lei do Asilo.
Nas conclusões de recurso, no entanto, apenas consta que o tribunal omitiu ou errou na decisão sobre a produção da prova por declarações de parte e que a decisão recorrida enferma do vício de violação de lei por violação dos prazos referidos nos referidos artigos da Lei do Asilo.
Em face do que as questões que cumprem a este Tribunal conhecer consistem, de acordo com as conclusões do recurso, em saber se a sentença recorrida incorreu em nulidade por omissão de pronúncia sobre o requerimento de prova por declarações de parte e se enferma de erros de julgamento ao considerar a acção improcedente.

A matéria de facto relevante é a constante da sentença recorrida, a qual, por não ter sido impugnada, aqui se dá por reproduzida, nos termos e para os efeitos do...

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