Acórdão nº 1301/20.7T8GDM.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 27-06-2022

Data de Julgamento27 Junho 2022
Ano2022
Número Acordão1301/20.7T8GDM.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo n.º 1301/20.7 T8GDM.P1
Comarca do Porto
Juízo Local Cível de Gondomar (Juiz 1)


Acordam na 5.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto

I - Relatório
1. Configuração da acção
Em 13 de Maio de 2020, “Y..., Lda”, intentou no Juízo Local Cível de Gondomar a presente acção declarativa sob a forma de processo comum (distribuída ao Juiz 1) contra “COMPANHIA DE SEGUROS A... PORTUGAL, S.A.”, na qualidade de representante em Portugal da sua congénere holandesa “A... HOLANDA”, peticionando a sua condenação a pagar-lhe, a título de indemnização, a quantia de €15.502,00, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos.
A indemnização peticionada visaria reparar danos patrimoniais que alega ter sofrido nas seguintes circunstâncias:
No dia 9 de Maio de 2018, pelas 13h20, na Via ..., cidade ..., Itália, ocorreu um acidente de viação em que foram intervenientes os veículos, ambos pesados de passageiros (vulgo “autocarros”), das marcas “VDL”, modelo ..., com a matrícula ..-PN-.., pertencente à autora, e “MAN”, matrícula ..-BFT-., propriedade da empresa “V...”, com sede na ..., que transferira para “A... HOLANDA” a sua responsabilidade civil por danos decorrentes de sinistros rodoviários em virtude da circulação desta sua viatura.
O acidente aconteceu quando o seu veículo “VDL” estava estacionado num parque e foi abalroado pelo veículo “MAN” quando o seu condutor manobras de estacionamento.
A “A... Holanda” assumiu a responsabilidade pelo sinistro por ter admitido que este ocorreu por culpa do condutor do veículo da sua segurada.
Nesse contexto, foi-lhe comunicado formalmente que assumiria os custos da peritagem do veículo (€80,00), da reparação dos danos nele causados (€2.227,50) e da sua paralisação (€806,88).
A Autora não concordou com o valor da reparação do dano decorrente da paralisação da sua viatura pelo que o contestou.
Para poder continuar a prestar os serviços próprios do seu giro comercial aos seus clientes/operadores turísticos, teve de alugar um veículo de características idênticas ao seu e pelo aluguer pagou à locadora “R..., Unipessoal, L.da”, as quantias de:
a) €7125,00 + IVA, totalizando €7.552,00, pelo período de 13 a 31 de Agosto de 2018;
b) €7.500,00[1]+ IVA, totalizando €7.950,00, pelo período de 1 a 20 de Setembro de 2018;
É esse montante, acrescido de juros de mora, que entende ser-lhe devido e cujo pagamento peticiona.
2. Oposição da ré
Citada, a ré apresentou contestação, defendendo-se por impugnação.
Confirma a ocorrência do sinistro e a assunção da responsabilidade civil pelos danos dele resultantes.
O acidente ocorreu em 09.05.2022, mas a autora só o participou à ré em 16.08.2018 e depois de o seu veículo “não ter passado” na inspecção periódica.
Nesse período, a ré manteve a viatura sinistrada a circular e para a sua reparação eram necessários, apenas, quatro dias.
Por outro lado, a autora submeteu o seu veículo à inspecção periódica em 10/08/2018 e desta resultou a necessidade de se proceder à reparação das luzes traseiras direitas, mas que podia circular até ao dia 10/09/2018, momento em que o veículo tinha de ser inspeccionado novamente, para aquilatar se as reparações necessárias tinham sido efectuadas.
Por isso, não entende e muito menos aceita que a autora venha reclamar hipotético aluguer de uma viatura de 13/08/2018 a 31/08/2018 quando durante todo esse período o veículo podia circular e de 01/09/2020 a 20/09/2020 quando o veículo poderia, num curto espaço de 4 dias, ser reparado.

3. Saneamento e condensação
Tendo dispensado a realização de audiência prévia, a Sra. Juiz fixou o valor da causa (em €17.546,84), proferiu despacho saneador tabelar, fixou o objecto do processo e enunciou os temas de prova, sem reclamações, admitiu a produção dos meios de prova indicados pelas partes e foi logo designada data para a audiência final.

4. Audiência final e sentença
Em 17.05.2021, realizou-se a audiência final, em uma só sessão, após o que, com data de 06.08.2021, foi proferida sentença[2] com o seguinte dispositivo:
«Nos termos e fundamentos expostos, decide o Tribunal julgar a presente ação parcialmente procedente, por parcialmente provada e, nesta conformidade
- condena a Ré a pagar à Autora a quantia de €62,46 (sessenta e dois euros e quarenta e seis cêntimos) a título de juros de mora devidos;
- condena a Ré a pagar à Autora a quantia de €1.412,04 (mil, quatrocentos e doze euros e quatro cêntimos) para ressarcimento do dano de privação do uso do veículo, acrescida de juros de mora à taxa legalmente fixada para os juros civis em cada momento devidos, desde a data de 26/03/2019 até integral e efetivo pagamento;
- absolve a Ré do demais peticionado pela Autora.»

5. Impugnação da sentença
Inconformado com a sentença, em 12.10.2021, a autora dela interpôs recurso de apelação, com os fundamentos explanados na respectiva alegação, que condensou nas seguintes conclusões:
«1º O recurso interposto deve ser deferido, alterando-se a douta sentença no que se refere aos factos dados como provados.
2º Salvo o devido respeito, que é muito, afigura-se que a douta sentença proferida não poderá ser mantida, devendo ser proferido acórdão que revogue a mesma nos termos que infra se descreverá, com a condenação da Ré nos termos peticionados na petição inicial.
3º Entendemos que deveria ter sido dado como provado o teor do art.15º da petição inicial, com base na atrás aludida prova testemunhal, que passaria a constar dos factos dados como provados com o seguinte teor:
“dd) O relatório de avaliação foi efectuado em 17 de Agosto de 2018, tendo a Autora realizado o mesmo uma vez que a seguradora responsável pelo ressarcimento dos danos arrastava o ressarcimento dos mesmos e a responsabilidade pelo pagamento.”
4º Entendemos que deveria ter sido dado como provado o teor do art. 16º da petição inicial, com base na atras aludida prova testemunhal, que passaria a constar dos factos dados como provados com o seguinte teor:
“ee) O veiculo em causa estava impedido de circular.”
5º Entendemos que deveria ter sido dado como provado o teor do art. 33º da petição inicial, com base na atras aludida prova testemunhal, que passaria a constar dos factos dados como provados com o seguinte teor:
“A Autora, por forma a não ter mais prejuízos, logo que pôde efectuou a suas expensas a reparação do veiculo sinistrado, tendo o mesmo ficado pronto para circular no dia 21 de Setembro de 2018”.
6º Igualmente entendemos que o facto da alínea j) deveria ter sido dado como provado de forma distinta, atenta a aludida prova testemunhal, passando a constar que “O sinistro ocorreu no dia 09/05/2018 e foi reclamado pela Autora no dia 21/07/2018 à Ré.”.
7º Igualmente entendemos que o facto da alínea s) não poderia ser dado como provado desde logo porquanto o mesmo, na sua formulação abstracta, não identifica quais os “elementos necessários ao pagamento do valor da reparação e custo da peritagem”.
8º Entendemos, assim, em suma que a decisão de facto deveria ser alterada nos termos antes expostos.
9º Toda a construção jurídica da douta sentença recorrida assenta num errado pressuposto que é a data em que a Autora participou o sinistro.
10º Ora, a Autora não participou qualquer sinistro, nem tinha de o fazer.
11º A Autora, em face da inexistência de regularização do sinistro, apresentou reclamação através do seu mediador e seguradora junto Ré.
12º A Ré não demonstrou que inexistiu atraso da sua parte.
13º Não tendo afastado a sua responsabilidade demonstrado que o seu segurado cumpriu com as obrigações legais e contratuais de participar o sinistro para que o mesmo pudesse ser regularizado.
14º O sinistro apenas foi regularizado atenta a actividade e insistência da Autora.
15º A posição sustentada na douta sentença recorrida apenas faria sentido se a obrigação legal e contratual de participação do sinistro fosse da Autora.
16º Teremos, assim, que a douta sentença recorrida terá de ser revogada nesta parte, considerando-se que existe responsabilidade da Ré no atraso da regularização do sinistro, por falta do seu segurado, tendo de responder pelos prejuízos assim causados.
17º A douta sentença recorrida ultrapassa nas suas considerações e fundamentação os factos provados e o senso comum, presumindo factos (exercício pela Autora de reparação de veículos pesados, bem como que a reparação do veículo sinistrado se resumia a uns míseros euros e umas luzes) que não têm qualquer estribo nos autos.
18º No que se refere à existência de indemnização pela privação do uso do veículo a mesma tem de existir nos termos em que foi peticionado na acção.
19º Incumbia à Ré a obrigação de proporcionar à Autora o aludido veículo, conforme decorre da legislação aplicável (art. 42º do DL. 291/2007):
20º Não tendo proporcionado tal veículo de substituição – em nenhuma comunicação se afere tal indicação – terá de indemnizar no valor peticionado e que corresponde ao montante do aluguer pago por outro veículo nos períodos indicados nos autos recorridos.
21º Devendo ser proferido douto acórdão que decida nessa conformidade.
22º A douta sentença recorrida viola, assim, o disposto nos arts. 156º, 659º, 660º do Código de Processo Civil, art. 42º do DL. 291/2007 e arts. 100º e 101º do Decreto-Lei n.º 72/2008.
23º Deve, assim, ser proferido acórdão que revogue a douta sentença proferida e que determine a total procedência da acção interposta contra a Recorrida».
Pede que, na procedência do recurso, seja revogada a sentença recorrida e substituída por outra que condene a ré no pedido.
A ré contra-alegou, pugnando pela confirmação do julgado.
O recurso foi admitido (com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo) por despacho de 06.12.2021.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

Objecto do recurso
São as conclusões que o recorrente extrai da sua alegação, onde sintetiza os fundamentos do pedido, que recortam o thema decidendum (cfr.
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