Acórdão nº 1301/19.0PBAVR.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2022-04-06

Ano2022
Número Acordão1301/19.0PBAVR.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Proc. Nº 1301/19.0PBAVR.P1
Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Aveiro - JL Criminal - Juiz 2

Acordam, em Conferência, os Juízes desta 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:

No Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Aveiro - JL Criminal - Juiz 2, processo supra referido, foi julgado AA, tendo sido proferida Sentença com o seguinte dispositivo:
“Em face do exposto, com os fundamentos de facto e de Direito exarados, o Tribunal decide julgar a acusação procedente por provada e, em consequência:
1. Condenar AA pela prática, em 22-09-2019, como autor material, de um crime de ameaça agravada, p. e p. pelos artigos 153º, n.º1, 155º, n.º1, alínea a), na pena de cento e vinte dias de multa, à razão diária de €8,00, o que perfaz o quantitativo global de €960,00;
2. Fixar em 80 (oitenta) dias a prisão subsidiária que o arguido terá de cumprir no caso de não pagar, voluntária ou coercivamente, a pena de multa em que foi condenado;
3. Condenar o arguido no pagamento das custas e demais encargos com o processo fixando-se em 3,5UC o valor da taxa de justiça.”
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Desta Sentença recorreu o Arguido/Condenado AA, formulando as seguintes conclusões:
“1. No presente processo o Arguido foi condenado como autor material, de um crime de ameaça agravada, p. e p. pelos artigos 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, alínea a), na pena de cento e vinte dias de multa, à razão diária de € 8,00. Para tanto,
2. o Tribunal a quo considerou provados os factos descritos em 1. a 11. da Fundamentação da Sentença em crise. No entanto,
3. aquela factualidade descrita nos itens 4., 5. e 6. assentou, não só, na avaliação errada da prova produzida em Audiência de Discussão e Julgamento,
4. como na violação dos mais elementares direitos do Arguido.
5. Desde logo aos depoimentos prestados não foi dado o mesmo tratamento de imparcialidade que se impunha, desde logo a mesma realidade dita por pessoas diferentes não mereceu do Tribunal a quo a devida ponderação,
6. da prova produzida resultam factos que deveriam ter sido considerados como provados e não o foram, nomeadamente, no que respeita ao número de jovens que abordaram o Arguido;
7. da prova produzida não foi possível apurar com um grau de certeza sério se o Arguido proferiu as expressões de que vinha acusado,
8. e mesmo que as tivesse proferido, não foi possível apurar com exatidão e um grau de certeza elevado, quais as expressões utilizadas. Mais,
9. a terem sido proferidas tais expressões: “espeto-te uma faca no pescoço”, “mato-te como a um escaravelho” e “vou buscar um martelo para o fazer”,
10. as mesmas poderiam, quando muito configurar apenas a ameaça de um crime de ofensa à integridade física punível com pena até 3 anos e não um crime de ameaças agravadas conforme resultou da decisão recorrida. Assim,
11. na data dos factos o Arguido tinha 50 anos de idade,
12. é gerente, há mais de 30 anos, da empresa que explora as duas discotecas e um restaurante, na cidade de Aveiro, e,
13. pese embora os “anos de noite”, não tem averbado ao seu registo criminal qualquer antecedente. Acresce que,
14. pese embora as funções que exerce, o Arguido, pelo menos, desde 17.02.2017 que, na sequência de um enfarte, que não frequenta e/ou permanece na discoteca.
15. Actualmente o Arguido apenas está presente no Restaurante “F...”, apenas se deslocando à discoteca em situações muito pontuais que exigem a sua presença institucional. Assim,
16. na noite dos factos, 22.09.2019, a situação que despoletou a presente demanda, foi o facto de ao Ofendido lhe ter sido “barrada” a entrada na discoteca, pelo porteiro, porquanto se apresentava visivelmente embriagado. Ora,
17. atenta a experiência comum não é novidade afirmar-se que “a noite” é propicia a desavenças, razão pela qual,
18. ao longo dos anos o critério adoptado pelo Arguido e pelos seus funcionários, sempre se orientou pela inflexibilidade em impedir a entrada a quem já se apresentasse notoriamente embriagado.
Acontece que,
19. o Ofendido não satisfeito com aquela decisão tentou insistir na sua entrada, bem como, tentou, a todo o custo, obter explicações para aquela decisão. Pelo que,
20. depois de ter sido afastado da fila da entrada da discoteca, para a frente da porta do restaurante, por um segurança, deparou-se com o Arguido que ia a sair do seu trabalho e abordou-o, juntamente com o seu primo e mais 3 ou 4 amigos, tendo-se iniciado a discussão. Ou seja,
21. de um lado temos o Arguido, empresário respeitado da noite Aveirense, com mais de 30 anos de profissão e sem antecedentes criminais e, do outro, o Ofendido, acompanhado por, pelo menos, mais 4 ou 5 amigos, visivelmente embriagado, a quem foi barrada a entrada e tenta obter explicações.
22. Perante tamanha situação facilmente se compreende se alcança que não era o Arguido quem estaria nervoso e mais propenso a conflitos e sim o Ofendido que procurava, a todo o custo, entrar na discoteca. Aliás,
23. tanto assim é, que como manifestação do reconhecimento do seu comportamento, o Ofendido veio desistir de procedimento criminal e do pedido cível na parte que lhe era lícito. Contudo,
24. tal não foi assim valorado na Sentença recorrida, alicerçada na tese da existência de duas facções de depoimentos,
25. uma que aderiu à tese do Arguido, e que no entender do Tribunal a quo, ocultando factos relevantes para a descoberta da verdade material e boa decisão da causa; e outra que se terá apresentado com isenção e seriedade na descrição da factualidade.
No entanto,
26. dos depoimentos prestados parece-nos não ter existido essa mesma seriedade na descrição da factualidade. A verdade é que,
27. o Arguido no momento em que saia do seu local de trabalho para ir para casa, se deparou com um grupo de 4 ou 5 jovens, alguns deles embriagados que lhe pretendiam explicações pelo facto de lhes ter sido barrada a entrada.
28. Diga-se, em abono da verdade, pretendiam explicações de um facto que o Arguido desconhecia por completo e no qual não teve qualquer intervenção. Ora,
29. o Arguido perante aquele aparato e recorrendo à sua experiência de mais de 30 anos do exercício da sua profissão ligada à “vida noturna”, tolhido pelo receio do que pudesse suceder, viu-se na necessidade de rapidamente terminar com aquela abordagem. E foi o que tentou fazer.
30. Naquelas circunstâncias de tempo e lugar, não era lícito exigir ao Arguido qualquer tipo de tolerância. Até porque,
31. apesar da Sentença em crise considerar que só o Ofendido e o primo abordaram o Arguido, não é isso que resulta das declarações do Arguido e do depoimento das testemunhas BB (testemunha que mereceu total crédito do Tribunal a quo), CC e DD (estas últimas consideradas parciais em defesa da suposta tese do Arguido). Ou seja,
32. se por um lado, o Tribunal a quo tenha considerou que as declarações do Arguido “... não se revelaram minimamente credíveis quanto à suposta falta de percepção dos factos que ocorreram...”,
33. por outro lado, já não usa do mesmo critério quanto à testemunha BB ao considerar que “Essa falta de exactidão não impediu o Tribunal de valorizar e interpretar este depoimento como credível, porquanto atendendo à distancia temporal tal é perfeitamente natural e compreensível.”,
34. não usa do mesmo critério quanto à testemunha EE (primo do Ofendido) quando assegura que “... tal não foi de molde a que o Tribunal desvalorizasse o depoimento pois que numa situação de tensão, com o tempo entretanto decorrido é perfeitamente natural que a testemunha já́ não se recorde com exactidão do que ouviu.”.
Ora,
35. ao tribunal a quo é lícito, em homenagem aos princípios da Oralidade, da Imediação e da Livre Apreciação da Prova, considerar um depoimento mais credível que outro, contudo,
36. já não lhe é lícito ignorar um excerto fundamental de um depoimento credível, corroborado por outras testemunhas. Acresce que,
37. até pelo número de amigos do Ofendido, que testemunharam e declararam ter presenciado e ouvido a discussão, facilmente se compreende que numa noite, à porta de uma discoteca, com o barulho que se faz sentir, teriam de estar muito próximos!
38. A verdade é que o Arguido desde inícios de 2017 que não frequenta a discoteca,
39. quando foi abordado pelo grupo de 4 ou 5 jovens, no qual se encontrava o Ofendido FF, visivelmente alcoolizado, desconhecia por completo e não conseguiu perceber o que se passava,
40. foi agredido com uma pancada,
41. teve medo, receou pela sua integridade física e só queria por fim aquela situação.
42. É do conhecimento geral que num contexto de grupo (4 ou 5 jovens, pelo menos um alcoolizado), a confrontarem o Arguido, sozinho e fora do campo visual da entrada da discoteca, este não poderia adotar uma postura de prazenteio, isto é,
43. caso o Arguido naquela altura mostrasse receio, e não reagisse com firmeza, havia a forte probabilidade de os jovens, em grupo, se sentirem legitimados a ter comportamentos mais agressivos.
44. Da prova produzida em Audiência de Discussão e Julgamento, nenhuma das testemunhas, sequer o Ofendido, conseguiram precisar quais as expressões que terão sido proferidas pelo Arguido. Ora,
45. Não seria natural que, pelo menos o Ofendido, perante um acontecimento marcante na sua vida, se recordasse com exactidão das ameaças que, supostamente, lhe haviam sido dirigidas?
46. A verdade é que não se recordava e só após indução por parte do Tribunal e da Sra. Procuradora é que conseguiu reiterar o que constava das suas anteriores declarações. Aliás,
47. não deixa de constituir estranheza que o Ofendido tenha começado o seu depoimento imediatamente com receio de se contradizer se viesse apenas relatar o que na realidade sucedeu.
48. Dos depoimentos prestados em Audiência de Discussão e Julgamento, diversas foram as expressões trazidas à colação: “... ou vão-se embora ou vão ver... ou vais arranjar problemas...”, “se não fores embora daqui, mato-te como um escaravelho”, “esmago-te como
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