Acórdão nº 1300/21.1 BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 2022-09-22

Data de Julgamento22 Setembro 2022
Ano2022
Número Acordão1300/21.1 BELSB
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul
Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

M… veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, de 11.05.2022, que julgou totalmente improcedente a ação administrativa urgente de contencioso dos procedimentos de massa, que intentou contra a ADMINISTRAÇÃO CENTRAL DO SISTEMA DE SAÚDE, I.P. e na qual havia peticionado a anulação do Despacho do Presidente da CNIM 31.05.2021, que homologou a lista definitiva de classificação final do internato médico da área de especialização de medicina geral e familiar e da Deliberação do Conselho Diretivo da ACSS de 29.06.2021, preferida em sede de recurso hierárquico daquele, mais peticionando, consequentemente, fosse a R. condenada à prática do ato legalmente devido, qual fosse, a repetição das provas práticas da avaliação final do Internato Médico de Medicina Geral e Familiar de 2021.

Em sede de alegações de recurso, concluiu como se seguecfr. fls. 546 e ss., do SITAF:

«(…)

A. QUANTO À DECISÃO DE FACTO:

I. Salvo o devido respeito, devem ser dados como provados os factos alegados nos itens 1°, 2°, 3°, 4°, 5°, 6°, 7°, 8°, 24º, 25º, 27º e 28º da petição inicial, por resultarem provados, de forma inequívoca, quer dos documentos juntos aos autos pela Autora (factos dos itens 3°, 4°, 5°, 24°, 25°, 27° e 28°) quer do processo administrativo (factos dos itens 3°, 4°, 5°, 6°, 7°, 8°, 24°, 25°, 27° e 28°), quer, inclusivamente, dos próprios diplomas legais a que os mesmos se referem (factos dos itens 1° e 2°), tratando-se de factos concretos, que não apenas servem de enquadramento da questão que se discute nos autos, como são essenciais para se aquilatar da sequência e da pertinência dos demais factos alegados e dados como provados no elenco da matéria de facto provada constante da douta sentença, como se mostram essenciais para se perceber a questão dos autos e as questões a decidir nos mesmos em toda a sua extensão e que, por isso mesmo, é essencial para a boa decisão da causa.

B. QUANTO À DECISÃO DE DIREITO:

II. Verificou-se um incumprimento claro e rotundo das normas dos pontos 10.3, 10.3.1, 10.3.2. e particularmente do ponto 10.3.3. do Anexo à Portaria n°. 125/2019, de 30 de abril, que procedeu à atualização do programa formativo da área de especialização de Medicina Geral e Familiar e que o procedimento que se verificou atenta de forma clara contra os princípios da igualdade e da imparcialidade, sendo adquirido nos autos que houve troca de provas e de que nem todos os médicos internos com os mesmos casos fizeram exame no mesmo dia e hora.

III. A norma do ponto 10.3.3. do Anexo à Portaria n.° 125/2019, de 30 de Abril não é uma mera norma regulamentar administrativa de organização do procedimento, desde logo porque o diploma em que se insere visou, de acordo com o seu preâmbulo, a actualização do programa formativo de Medicina Geral e Familiar com a finalidade preponderante de manter e reforçar a qualidade da formação na área de Medicina Geral e Familiar, que integra médicos altamente qualificados, cientificamente atualizados e dotados das diversas competências indispensáveis a uma prática da medicina responsável, ética e cientificamente desenvolvida junto da população, visando igualmente acautelar o percurso formativo dos médicos internos, atuação orientada pelo princípio do superior interesse da formação médica pós- graduada, e não em qualquer diploma que vise meramente a organização da actividade dos júris, muito menos um regulamento de organização de quaisquer serviços, estruturas ou actividades.

IV. Tal norma tem ínsita uma preocupação de garantia da igualdade e transparência na formação e, particularmente, na avaliação dos médicos internos, como, seguramente, não pode deixar de ocorrer em qualquer avaliação onde estejam em causa interesses conflituantes e concorrenciais dos interessados, sendo que o que releva no preceito, não é a mera organização do júri ou das provas, mas antes o objectivo ou o resultado a atingir, ou seja, a efectiva igualdade, transparência e imparcialidade da Administração em matéria de avaliação, no caso, na prova prática.

V. As afirmações que se leem ao longo da douta sentença de que a actuação do júri pela forma descrita no elenco dos factos provados ocorreu por mero lapso e inadvertidamente são uma mera presunção pessoal ou conjectura da Mª Juíza a quo, pois que não existe nos autos a mais leve prova a tal respeito, mas antes e apenas, de forma objectiva, que houve uma troca de enunciados, não se tendo apurado qualquer facto que explique ou que tenha causado essa troca.

VI. Ao contrário da afirmação feita na douta sentença, o Júri não respeitou a citada norma do ponto 10.3.3. do Anexo à Portaria n°. 125/2019, de 30 de Abril, pois que não actuou de forma a que os médicos internos com os mesmos casos fizessem exame à mesma hora (fizeram-no no mesmo dia, mas não à mesma hora) e não proporcionou, por essa via, que todos os médicos internos com os mesmos casos vissem salvaguardados os princípios da igualdade e da imparcialidade e da transparência na prova prática a que se sujeitaram.

VII. O próprio Júri assumiu que cometeu um erro (cfr. a al. e), n°. 5 do elenco dos factos provados da douta sentença), não se percebendo a que título a Ma. Juíza tenha concluído que, afinal, o Júri n°. 59 de MGF até observou o comando da citada norma, que ela não disciplinava a sua actuação em concreto, que o mesmo não violou fosse o que fosse e que nenhuma invalidade se verifica, apesar de ser um dado incontornável que houve provas que por disposição legal deveriam ter sido prestadas à mesma hora e que não o foram.

VIII. Não é legítimo o entendimento de que, perante o comando da citada norma do ponto 10.3.3. do Anexo da Portaria 125/2019 é a mesma coisa ou que seja indiferente que todos os médicos internos com os mesmos casos façam exame no mesmo dia e hora ou que alguns deles com os mesmos casos deixem de fazer exame no mesmo dia e à mesma hora.

IX. Não é igualmente legítima a afirmação que se lê na douta sentença recorrida de que a troca de enunciados não é “assimilável à violação de uma norma regulamentar do procedimento”, quando a ideia clara do preceito é garantir a igualdade entre todos os médicos internos que se deveriam sujeitar naquele dia e hora à prova de avaliação prática.

X. A violação daquela norma não constitui qualquer mera irregularidade procedimental sem qualquer efeito invalidante, mas antes uma clara invalidade que contamina irremediavelmente o acto final de homologação da lista definitiva de classificação final do internato médico da área de especialização de medicina geral e familiar impugnada nos autos.

XI. A mesma norma não pode ser simultaneamente uma mera norma regulamentar administrativa de organização do procedimento e uma norma que visa garantir a igualdade entre todos os avaliados, cujo incumprimento não constitua violação do princípio da igualdade, mas antes mera irregularidade.

XII. O facto de não ser possível garantir o respeito pela igualdade estrita ou absoluta não significa que, onde ela seja possível, não haja que adoptar os procedimentos e comportamentos que no caso a garantam, ainda mais quando esse desiderato resulte expressamente do comando de uma norma legal ou regulamentar.

XIII. Ao contrário daquilo que consta da douta sentença recorrida, o procedimento do júri, no caso, traduziu-se numa clara violação da norma do ponto 10.3.3. do Anexo à Portaria n°. 125/2019, de 30 de Abril e, consequentemente, numa clara violação do princípio da igualdade no procedimento.

XIV. Tudo o que consta da douta sentença relativamente à eventual troca de impressões entre médicos internos no intervalo de 1 hora que houve entre as duas provas, nos termos das als. c) e d) do elenco dos factos assentes da mesma, à janela temporal em que poderia ter havido a transmissão de informação sobre a prova, ao conteúdo e relevância dessa informação, ao número de pessoas que delas poderiam ter tido conhecimento, à lógica concorrencial entre os médicos avaliandos, à vantagem a tirar por alguns deles, à distância física dos mesmos, àquilo que poderia ou não ser alvo de comunicação entre eles, ao interesse nessa troca de impressões, à probabilidade de ter havido ou não troca de impressões ou informação, etc., são meras especulações ou conjecturas da Ma. Juíza a quo, não baseadas em qualquer prova, nem consentidas pelos factos provados nos autos, e só com base nos factos provados o litígio deve ser julgado.

XV. De resto, a simples transmissão através de um telemóvel mais do que comum nos dias de hoje e que ninguém já dispensa no seu quotidiano, é susceptível de lançar por terra a maioria dessas conjecturas.

XVI. Não pode exigir-se à recorrente que alegasse e provasse a efectiva troca de impressões ou comunicação entre os médicos avaliandos durante o citado período de uma hora, na medida em que isso se traduziria na exigência de uma prova diabólica ou impossível de realizar, bastando, por isso, que se verifique a possibilidade de que tenha havido essa troca de impressões ou comunicação entre eles.

XVII. A conclusão tirada na douta sentença de que houve um desvio ao procedimento previamente definido, é absolutamente incompatível com a conclusão seguinte que nela se lê de que, apesar desse desvio, foram garantidas entre os médicos internos submetidos à prova prática naquele dia 20 de Abril, condições, de facto, substancialmente iguais, na medida em que, se há desvio ao procedimento e se ele visa garantir a igualdade entre todos os avaliandos, não pode jamais haver igualdade entre todos.

XVIII. É condição decisiva da regularidade da prova prática e do respeito pelos princípios enunciados que ela decorra em simultâneo a nível nacional e, sobretudo, que todos os médicos internos com os mesmos casos façam exame no mesmo dia e hora,...

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