Acórdão nº 129/22.4T8CBC.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 24-04-2024

Data de Julgamento24 Abril 2024
Número Acordão129/22.4T8CBC.G1
Ano2024
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

AA e BB intentaram, no Juízo de Competência Genérica de ... do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, acção popular, sob a forma de processo comum em acção declarativa, contra CC e DD, pedindo o seguinte:
«a) Ser declarado que o caminho melhor identificado em 12) [onde consta: «12) Na freguesia ... (...), concelho ..., existe um caminho antiquíssimo que desde tempos imemoriais liga a Rua ..., junto ao ..., aos lugares de ..., ... e outros;»] supra, no qual se inclui a parte designada por caminho público do ..., identificado em 14) e 15) [onde consta: «14) E outro que segue em frente, prolongando-se em linha reta para poente, numa extensão de cerca de 70 metros até ao limite de um prédio dos Autores, flete para sul até ao ribeiro do ..., passando sobre o mesmo através de um pontilhão, até aos referidos lugares de ..., ... e outros; 15) A partir da referida bifurcação, tal caminho é designado por caminho público do ... e é marginado do lado norte por muro do quintal de um prédio urbano pertença de EE e por um outro muro do quintal de prédio urbano dos Autores; do lado poente até uma levada com prédio dos Autores, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ...10/... e inscrito na matriz no artigo ...92; e depois do lado nascente com a parte sobrante da Quinta ..., segue para sul, passa sobre o pontilhão do ribeiro do ... até aos referidos lugares de ..., ... e outros.»] pertence ao domínio público e, consequentemente, está afeto ao interesse coletivo, desde tempos imemoriais;
b) Serem os Réus condenados a reconhecerem esse caminho como fazendo parte do domínio público;
c) Que seja considerada abusiva, ilícita e não titulada, a apropriação por parte dos Réus do caminho melhor descrito nos artigos 14) e 15) supra;
d) Serem os Réus condenados a repor o leito do caminho na situação anterior, de forma que seja transitável, e a retirar todos os objetos que implantaram no leito do dito caminho e que impede o trânsito pelo mesmo pela generalidade das pessoas, nomeadamente com veículos e a pé, por forma a permitir que qualquer pessoa, os Autores e demais público transite livremente por esse caminho, a pé, com animais ou com veículos de qualquer natureza, no prazo máximo de 10 dias seguidos a contar da prolação da sentença;
e) Serem os Réus condenados a desocupar o leito do aludido caminho público, retirando todos os materiais/objetos por eles lá colocados, de forma a deixá-lo totalmente livre, desimpedido e reposto na situação anterior;
f) Serem os Réus condenados a absterem-se da prática de quaisquer atos que atentem contra o direito de uso, pelo público, em geral, e pelos Autores em particular, do caminho melhor descrito nos artigos 14) e 15) supra);
g) Serem os Réus condenados a pagar aos Autores, a título de sanção pecuniária compulsória, por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação em que os Réus forem condenados ou por cada ato de turbação ou impedimento do exercício dos direitos de trânsito dos Autores ou quaisquer outras pessoas, persistindo na ocupação do leito do caminho, com objetos e quaisquer tipo de obras, ou impedindo de outra forma a circulação de pessoas pelo mesmo, o montante diário nunca inferior a 200,00€».
Como fundamento de tais pretensões alegaram, em síntese, existir um caminho público naquela freguesia ... que foi, ilicitamente, ocupado pelos réus.
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Foram chamados à causa o Ministério Público, a Câmara Municipal ... e a Junta de Freguesia ..., bem como qualquer pessoa que nisso mostrasse interesse (ref.ª ...48).
A Câmara Municipal ... e a Junta de Freguesia ... exerceram o direito de auto-exclusão da representação pelos autores, nos termos do art. 15.º do Decreto-Lei n.º 83/95, de 31 de Agosto (ref.ªs ...67 e ...66).
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Citados, os réus apresentam contestação, negando a existência de qualquer caminho, que naquele local existem outros caminhos, e que se em algum momento naquele local existiu caminho há muito deixou de ter serventia (ref.ª ...44).
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Dispensada a realização da audiência prévia e fixado o valor da causa, foi proferido despacho saneador, onde se afirmou a validade e a regularidade da instância; de seguida, procedeu-se à identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova, bem como foram admitidos os meios de prova (ref.ª ...35).
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Foi realizada audiência de julgamento (ref.ªs ...42, ...48, ...02 e ...02).
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Posteriormente, o Mm.º Julgador “a quo” proferiu sentença (ref.ª ...18), nos termos da qual, julgando a acção procedente, decidiu:
«A. Declarar que é público o Caminho ..., isto é, o caminho que se inicia na estrada que vem do ... (freguesia ..., concelho ...) para o Lugar ... (freguesia ..., concelho ...), e é marginado do lado norte por muro do quintal de um prédio urbano pertença de EE e por um outro muro do quintal de prédio urbano dos autores (AA e BB); do lado poente até uma levada com prédio dos autores (AA e BB), descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...10/... e inscrito na respectiva matriz predial no artigo ...92; do lado sul/nascente pelo prédio dos réus (CC e DD), descrito na Conservatória do Registo Predial daquele concelho sob o n.º ...84/... e inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo ...36; e depois do lado nascente com a parte sobrante da Quinta ..., segue para sul, passa sobre o pontilhão do ribeiro do ... até aos lugares de ..., ... e outros.
B. Condenar os réus, CC e DD, a reconhecer o declarado supra em A., desocuparem e a repor o estado primitivo do leito daquele caminho, nomeadamente retirando todos os objectos que implantaram no seu leito e que impede o trânsito pelo mesmo pela generalidade das pessoas, a pé ou de veículo, e absterem-se da prática de quaisquer actos que atentem contra o seu uso.
C. Condenar os réus, CC e DD, em sanção pecuniária compulsória, no montante de € 50,00 (cinquenta euros), por cada dia de atraso na reposição do leito primitivo do caminho declarado supra em A. para além do prazo de 60 (sessenta) dias após o trânsito em julgado da presente sentença».
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Inconformados, os Réus interpuseram recurso da sentença (ref.ª ...98) e, a terminar as respectivas alegações, formularam as seguintes conclusões (que se transcrevem):

«1. Ao abrigo do art.º 644.º, n.º 1, al. a) do CPC, vem o presente recurso interposto da douta sentença de 23/07/2023;
2. Com recurso à reapreciação da prova gravada, os Recorrentes impugnam a decisão da matéria de facto dos pontos 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19 e 20 dos factos provados, cuja redacção deverá ser alterada nos seguintes termos:
2-) Na freguesia ... (...), concelho ..., existe um caminho que liga a Rua ..., junto ao ..., aos lugares de ..., ... e outros;
3-) No Lugar ..., tal caminho bifurca-se em dois, um que vira à esquerda e segue a nascente do prédio dos Réus até ao ribeiro do ..., outro que vira à direita e serve vários prédios rústicos e urbanos;
4-) Não provado; 5-) Não provado;
6-) O leito do caminho referido nos factos provados 2) e 3), desde o Cruzeiro de ... até ao lugar do ..., ao longo do seu percurso dá acesso a vários prédios rústicos e urbanos que o marginam, com trilho bem definido, por onde transitam pessoas a pé e veículos de tracção mecânica e animal;
7-) Não provado; 8-) Não provado; 9-) Não provado; 10-) Não provado; 11-) Não provado; 12-) Não provado; 13-) Não provado; 14-) Não provado; 15-) Não provado; 16-) Não provado; 17-) Não provado;
18-) Em data não concretamente apurada, os Réus colocaram no local de acesso ao seu prédio uma corrente, suportada por três ferros, enterrados no solo, com a altura de cerca de 1 metro, fechada num dos lados com dois cadeados e na qual colocaram um sinal de proibido estacional, com os dizeres «estacionamento privado».
19-) Em 07/01/2022, os Réus, através de um empreiteiro por eles contratado, a firma EMP01..., Lda., utilizando uma máquina e um camião, efectuaram movimentos de terreno no seu prédio;
20-) O caminho, referido no facto provado 3), com início na bifurcação aí mencionada, desenvolve-se a nascente do prédio dos Réus referido no fato provado 21), termina no pontilhão do ribeiro do ....
3. A prova produzida pelos AA., onerados que estavam nos termos do art.º 342.º, n.º 1 do Código Civil, foi inidónea à demonstração de que a parcela de terreno mencionada em 5) dos factos julgados provados:
a. Tenha sinais visíveis e permanentes da passagem de pessoas e veículos; b. Se estenda até ao pontilhão mencionada em 4);
c. Esteja afecta ao uso do público em geral; d. Desde tempos imemoriais; e
e. Satisfazendo interesses colectivos de certo grau ou relevância.
4. A motivação expendida pelo Tribunal a quo, abstraindo-se a prova produzida, consubstancia um silogismo invertido, em que a conclusão é que dá lugar às premissas;
5. Cingindo-nos de forma objectiva à prova produzida temos que:
a. Todas as testemunhas arroladas pelos AA. são relativamente novas. b. Não foram inquiridas as pessoas mais velhas do lugar e freguesia.
c. Nenhuma das testemunhas ouvidas referiu que existisse caminho desde tempos imemoriais, designadamente, aludindo à memória dos seus pais, avós e bisavós.
d. Desconhecemos de onde o Tribunal a quo extraiu a premissa de que “se perde na memória dos vivos a existência do caminho público”, já que também se absteve de o explanar na motivação;
e. Desconhecemos de onde o Tribunal a quo extraiu a premissa de que o pontilhão seja público, quando absolutamente nenhuma testemunha arrolada pelos AA. afirmou qualquer facto quanto à sua construção, manutenção e uso, já que também se absteve de o explanar na motivação;
f. Nada consta dos articulados acerca de baldios e sua localização; Nada é referido pelas testemunhas acerca de baldios; Não foi ouvido um único comparte; Nem sequer dos factos dados como provados pelo Tribunal a quo resulta que a parcela em discussão nos autos sirva de...

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