Acórdão nº 1285/22.7T8GDM.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2023-11-13

Ano2023
Número Acordão1285/22.7T8GDM.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo nº 1285/22.7T8GDM.P1-Apelação
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto-Juízo Local Cível de Gondomar- J3
Relator: Des. Dr. Manuel Fernandes
1º Adjunto Des. Drª Maria Fernandes de Almeida
2º Adjunto Des. Dr. António Mendes Coelho
Sumário:
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I-RELATÓRIO
E-A..., S.A., com sede na Rua ..., Lisboa, intentou a presente Ação de Processo Comum contra B..., LDA., com sede na Rua ..., ... ..., Gondomar, deduzindo os seguintes pedidos:
- Deverá a Ré ser condenada a pagar à Autora, a título de indemnização por factos ilícitos, a quantia de € 18.467,86 (dezoito mil, quatrocentos e sessenta e sete euros e oitenta e seis cêntimos), acrescida de juros vencidos e vincendos, calculados à taxa legal em vigor, contados desde a data da citação da Ré até efetivo e integral pagamento;
- Ou, se assim não se entender, deverá a Ré ser condenada a pagar à Autora, a título de restituição por enriquecimento sem causa, a quantia de € 18.390,16 (dezoito mil, trezentos e noventa euros e dezasseis cêntimos), acrescida de juros vencidos e vincendos, calculados à taxa legal em vigor, contados desde a data da citação da Ré até efetivo e integral pagamento
Alegou, para tanto, e em síntese, que exerce, em regime de concessão de serviço público, a atividade de distribuição de energia elétrica de baixa tensão no Concelho de Gondomar, sendo que, no exercício dessa atividade efetua as habituais rondas de leitura, assim como procede à fiscalização das instalações de consumo tendo em vista despistar a existência de eventuais ligações abusivas ou manipuladas à rede elétrica. Mais alega que, no dia 18/04/2019, no cumprimento de uma ordem de serviço de revisão de equipamento, enviou uma equipa técnica ao local de consumo n.º ..., correspondente à instalação de consumo sita na Rua ..., ..., Gondomar, que é abastecida de energia elétrica por força de um contrato de fornecimento celebrado entre o comercializador a operar no mercado livre “A1..., S.A.” e a Ré, com início em 11/10/2012 até à presente data. Na sequência dessa fiscalização, os técnicos da Autora verificaram que o equipamento tinha o ramal intercetado entre o armário de distribuição e a portinhola, além de que, o tubo por onde passava o ramal encontrava-se partido e tinha no seu interior, entre outros, um tubo de água, o que permitia à Ré consumir energia sem controlo de potência, usufruindo-a de forma ilimitada, pelo que ocorreu uma apropriação ilícita de energia elétrica e de potência, por intermédio da manipulação e adulteração do contador e DCP. Mais aduz que a atuação da Ré provocou à Autora prejuízos de natureza patrimonial, correspondentes à energia consumida e não registada e à potência tomada e não pagas. Para o efeito, procedeu ao respetivo cálculo tendo em conta os consumos registados pelo contador no período compreendido entre 18/04/2016 e 18/04/2019, aplicando o fator de correção 1,32, e de acordo com os critérios estabelecidos nas Diretivas n.º 5/2016 e n.º 11/2016 da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE), resultando um prejuízo patrimonial total no valor de € 18.467,86, não se encontrando ressarcida de tal montante até à presente data. Por fim, refere que não interrompeu o fornecimento da energia à Ré e, como tal, não estava obrigada a proceder à comunicação a que alude o artigo 4.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 328/90, de 22 de outubro.
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Regularmente citada, a Ré nega qualquer ato de alteração, manipulação ou adulteração de qualquer mecanismo de contagem de energia. Por outro lado, impugna o cálculo dos consumos presumidos entre 18/04/2016 e 18/04/2019, porquanto entende que a Autora não determina o período de tempo durante o qual teve lugar o alegado procedimento fraudulento, não tendo verificado ocorrências de variações abruptas no perfil de consumo e à data da última deslocação à instalação. Por fim, mais aduz que a Autora não procedeu à comunicação a que alude o artigo 4.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 328/90, de 22 de outubro.
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Foi dispensada a realização da audiência prévia, proferido despacho saneador, despacho a identificar o objeto do litígio e a fixar os temas de prova, tendo sido apresentada reclamação por parte da Autora, a qual foi indeferida por despacho proferido em 06/01/2021.
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Teve lugar a audiência de discussão e julgamento que decorreu com observância das formalidades legais.
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A final foi proferida decisão que julgou a ação totalmente procedente por provada e consequentemente condenou a Ré a proceder ao pagamento da quantia que vier a apurar-se em sede de liquidação de sentença, correspondente ao valor do consumo irregularmente feito, durante o período compreendido entre 18/04/2016 e 18/04/2019, pelas quantidades que foram apuradas, das despesas inerentes à verificação e eliminação da fraude, acrescida dos respetivos juros.
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Não se conformando com o assim decidido veio a Ré interpor o presente recurso rematando com as seguintes conclusões:
1. A sentença recorrida considerou que a Autora tem direito a ser ressarcida do valor do consumo irregularmente feito pela Ré, designadamente pelas quantidades que foram apuradas e resultaram provadas, durante o período compreendido entre 18/04/2016 e 18/04/2019, acrescido das despesas inerentes à verificação e eliminação da fraude e respetivos juros, a calcular em sede de execução de sentença com base no valor económico a cada KWh e KVA para os anos de 2016, 2017 e 2018 e, também, 2019.
2. E entendeu a mesma sentença que quanto à obrigação de sobre a Autora recair a obrigação de informar a Ré dos seus direitos, designadamente o de poder requerer à Direção-Geral de Energia a vistoria prevista no artigo 5.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 328/90, de 22 de outubro, é seu entendimento que não tendo ocorrido interrupção de fornecimento de energia elétrica à Ré, não recaía sobre a Autora a obrigação de informá-la dos seus direitos, designadamente o de poder requerer à Direção-Geral de Energia a vistoria prevista no artigo 5.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 328/90, de 22 de outubro. (sublinhado nosso).
3. A aqui recorrente não pode aceitar o entendimento do tribunal recorrido.
4. Começando, desde logo, pelo facto de a Autora no seu pedido não ter alegado, logo não ter provado, qual o valor económico atribuído a cada KWh e KVA para os anos de 2016, 2017 e 2018 (alínea A) dos factos não provados).
5. Será que com base nesta ausência de alegação podia o Tribunal condenar a Ré num pedido genérico a apurar-se em sede de liquidação de sentença?
6. Salvo melhor opinião era requisito essencial da causa de pedir e do pedido da Autora, que a mesma alegasse e provasse todos os elementos previstos no artigo 6º n.º 1 do Decreto Lei 328/90, de 22 de Outubro, ou seja, dispõe o referido normativo legal que “Para a determinação do valor do consumo irregularmente feito ter-se-á em conta o tarifário aplicável, bem como todos os factos relevantes para a estimativa do consumo real durante o período em que o ato fraudulento se manteve, designadamente as características da instalação de utilização, o seu regime de funcionamento, as leituras antecedentes, se as houver, e as leituras posteriores, sempre que necessário”.
7. Ora a Autora deveria ter alegado na sua petição inicial qual o tarifário aplicável (preço de cada kWH e kVA nos anos de 2016, 2017, 2018 e 2019) sendo este elemento essencial para o pedido da Autora, sendo certo que a mesma tinha todas as condições com base nas instruções da ERSE para ter efetuado tal cálculo.
8. O que não fez. Pelo que, e tendo a Autora solicitado a condenação num pedido líquido e não num pedido genérico, não podia a sentença recorrida, substituir-se à não alegação e inação da Autora e condenar a Ré num pedido genérico, quando a mesma não alegou sequer os requisitos essenciais para a procedência de um pedido por consumo fraudulento!
9. A este respeito deve ter-se em conta o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 12/01/2023 proferido no Processo 5011/21.0T8PRT.P1, in www.dgsi.pt donde consta, além do mais o seguinte: “Conclui-se, portanto, que a A. não alegou os factos que lhe competia alegar para permitir ao tribunal calcular a indemnização devida no caso, o que fez de forma intencional, por ter partido do entendimento (que, como se analisou, não é correto) de que era aplicável sem mais o que consta do ponto 31.2.2.1, 3º parágrafo, do Guia de Medição. Diga-se que esta situação nem sequer pode ser colmatada com um eventual recurso ao incidente ulterior de liquidação, pois que este não se destina a colmatar deficiências da ação, dando uma segunda oportunidade de alegação e prova ao demandante.”
10. Violou a sentença recorrida o vertido no artigo 556º e 609º do CPC.
11. Por outro lado, e sem prescindir, discordamos totalmente da sentença recorrida quanto ao entendimento da questão da obrigação de sobre a Autora recair a obrigação de informar a Ré dos seus direitos, designadamente o de poder requerer à Direção-Geral de Energia a vistoria prevista no artigo 5.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 328/90, de 22 de outubro.
12. É entendimento da sentença recorrida que não tendo ocorrido interrupção de fornecimento de energia elétrica à Ré, não recaía sobre a Autora a obrigação de informá-la dos seus direitos, designadamente o de poder requerer à Direção-Geral de Energia a vistoria prevista no artigo 5.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 328/90, de 22 de outubro.
13. Ora, resulta dos autos que nunca a Autora comunicou à Ré a obrigação referida no artigo 4º nº 1 do Decreto Lei 328/90.
14. E para o efeito recorremos ao decidido no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 13/01/2022 no Processo 5/21.8T8VPA.G1 acessível em wwww.dgsi.pt: “I – O nº 2 do art. 1º do Dec.-Lei nº 328/90 de 22 de Outubro prevê uma presunção juris tantum nos termos da qual qualquer procedimento fraudulento detetado no recinto ou local exclusivamente servido
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