Acórdão nº 1284/11.4BELRS de Tribunal Central Administrativo Sul, 2023-05-18

Ano2023
Número Acordão1284/11.4BELRS
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul
Acórdão

I. RELATÓRIO

A Fazenda Pública (doravante Recorrente ou FP) veio recorrer da sentença proferida no Tribunal Tributário de Lisboa, na qual foi julgada procedente a impugnação apresentada por M. F. (doravante Recorrida ou Impugnante), que teve por objeto o indeferimento do recurso hierárquico que versou sobre o indeferimento da reclamação graciosa atinente à liquidação de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) e a dos respetivos juros compensatórios, relativas ao ano de 2005.

Nas suas alegações, concluiu nos seguintes termos:

“A. Vem o presente recurso reagir da douta sentença proferida em 2020-06-09, no processo n.º 1284/11.4BELRS, que julgou procedente a Impugnação Judicial deduzida pela Senhora M. F., NIF …180, da decisão de indeferimento do recurso hierárquico que indeferiu a reclamação graciosa deduzida sobre a liquidação adicional de IRS relativa ao ano de 2005 n.º 2009 5004970511, emitida em 2009-11-24, que apurou o valor total de € 159.045,38 (cento e cinquenta e nove mil, quarenta e cinco euros e trinta e oito cêntimos) a pagar, dos quais € 139.651,01 (cento e trinta e nove mil, seiscentos e cinquenta e um euros e um cêntimo) de imposto devido e € 19.394,37 (dezanove mil, trezentos e noventa e quatro euros e trinta e sete cêntimos) relativos a juros compensatórios, com a nota de cobrança n.º 2009 1836342, emitida em 2009-11-26, no valor de € 158.197,23 (cento e cinquenta e oito mil, cento e noventa e sete euros e vinte e três cêntimos), que considerou o estorno do valor de € 848,15 (oitocentos e quarenta e oito euros e quinze cêntimos) da primeira liquidação de IRS.

B. No presente recurso, pretende-se que seja apreciada a douta sentença recorrida quanto (i) ao erro no julgamento da matéria de facto por considerar como não provado que a Recorrida foi regularmente notificada da liquidação em data anterior a 2010-01-01, e (ii) ao erro no julgamento de Direito pela errónea aplicação do âmbito da norma constante do n.º 2 do artigo 149.º do Código do IRS e da norma constante do n.º 3 do artigo 38.º do CPPT.

C. Na realidade, a questão é uma só, dado que, uma vez retificado o erro no julgamento de Direito e devidamente determinado o âmbito de aplicação da norma constante do n.º 2 do artigo 149.º do Código do IRS e da norma constante do n.º 3 do artigo 38.º do CPPT, e perante a prova produzida nos presentes autos, o erro no julgamento do facto constante em 1. dos factos não provados também será ultrapassado, sendo o facto julgado como provado.

D. Considerou o Tribunal que a notificação da liquidação adicional de IRS obedecia a um formalismo não cumprido pela AT, pelo que julgou que a Recorrida não foi regularmente notificada da liquidação adicional dentro do prazo de caducidade, mencionando a fls. 14 que “A liquidação realizada para além dos prazos legalmente estipulados, traduz-se numa ilegalidade, pelo que, constitui fundamento de impugnação, de acordo com o disposto no artigo 99.º do CPPT.”, (sublinhado nosso).

E. Impõe-se esclarecer que a questão controvertida se prende com a notificação da liquidação dentro do prazo de caducidade e não com a emissão da liquidação dentro do prazo de caducidade, e que, o próprio Tribunal a quo deu como provado que a liquidação adicional de IRS foi emitida em 2009-11-24, antes do termo do prazo de caducidade que terminaria em 2009-12-31, cf. Facto constante em g) dos factos provados a fls. 8 da douta sentença.

F. Por isso, de forma alguma a liquidação adicional de IRS padece de vício por ter sido praticada fora do prazo legalmente previsto para o efeito.

Relativamente ao formalismo a que a notificação da liquidação adicional de IRS estaria sujeita e se a AT deu cumprimento a esse formalismo,

G. O n.º 2 do artigo 149.º do Código do IRS dispunha que as notificações a que se refere o artigo 66.º do Código do IRS, i.e. as notificações dos atos de fixação ou de alteração de rendimentos previstos no n.º 2 e do n.º 4 do artigo 65.º do Código do IRS, são notificados mediante carta registada com aviso de receção.

H. Por sua vez, o n.º 3 do artigo 149.º do Código do IRS dispunha que as demais notificações devem ser realizadas mediante carta registada, aplicando-se subsidiariamente o disposto no CPPT, nos termos do n.º 5 do mesmo artigo.

I. Entendeu a douta sentença, a fls. 12, que, “Todavia, estando em causa notificações de actos de alteração dos rendimentos declarados e dos actos de fixação pela administração dos rendimentos sujeitos a tributação, têm as mesmas de ser efectuadas por meio de carta registada com aviso de recepção.

No sentido de que uma liquidação adicional, que materialize ou revele um acto de fixação ou de alteração da matéria tributável, declarada pelo contribuinte na declaração periódica deve obrigatoriamente ser notificada por carta registada com A/R, em conformidade com o disposto no artigo 38.º, nº 1 do CPPT e nos artigos 65.º, n.º 4, 66.º e 149.º, n.º 2 do CIRS, (…)” (sublinhado nosso).

J. Concorda a RFP que, nas circunstâncias em que a alteração ou a fixação de rendimentos declarados é comunicada, pela primeira vez, ao sujeito passivo, o legislador acautele um maior formalismo na notificação a efetuar – por carta registada com aviso de receção, assegurando que o sujeito passivo toma conhecimento com esta alteração e possa preparar o exercício dos seus direitos, cumprindo-se o disposto no n.º 1 do artigo 66.º e do n.º 2 do artigo 149.º do Código do IRS, em linha com a solução constante do n.º 1 do artigo 38.º do CPPT.

Não é o que sucede no caso dos autos.

K. A liquidação adicional de IRS controvertida não constituiu o momento em que, pela primeira vez, a Recorrida tomou conhecimento da alteração dos rendimentos declarados para o ano de 2005.

L. A Recorrida tomou conhecimento pela primeira vez da intenção da AT de alterar dos rendimentos por si declarados, relativos ao ano de 2005, na notificação do projeto de relatório do procedimento inspetivo, concretizada em 2009-10-27, cf. facto constante em e) dos factos provados a fls. 7 da douta sentença, e tomou conhecimento (pela segunda vez) que a intenção de alterar os seus rendimentos declarados para o ano de 2005 se iria concretizar mediante a notificação do relatório do procedimento inspetivo, que comunicou as correções a efetuar aos rendimentos declarados, concretizada em 2009-11-19, cf. facto constante em f) dos factos provados a fls. 8 da douta sentença.

M. Portanto, quando foram rececionadas a liquidação adicional de IRS, a liquidação de juros e a demonstração de acerto de contas, a Recorrida tinha já conhecimento das alterações aos rendimentos declarados do ano de 2005.

N. Não só é dúbio que se verifique uma das situações previstas no n.º 1 do artigo 66.º e do n.º 2 do artigo 149.º do Código do IRS, como a notificação da liquidação adicional não constitui a primeira comunicação à Recorrida da alteração ou fixação de rendimentos declarados que justifique um maior formalismo da notificação.

O. Na data em que tomou conhecimento da liquidação adicional de IRS, a Recorrida estava ciente da necessidade de acautelar o exercício dos seus direitos, o que, aliás, fez, reclamando graciosamente da liquidação, recorrendo da decisão que indeferiu a reclamação graciosa e impugnando judicialmente a decisão de indeferimento do recurso hierárquico.

P. Por isso, não se vê porque motivo exigiria o legislador um formalismo nesta notificação (carta registada com aviso de receção) idêntico ao formalismo exigido nas notificações que comunicam, pela primeira vez, uma alteração à situação jurídico-tributária do contribuinte,

Q. Sendo a RFP da opinião que, de facto, o legislador não exige tal formalismo no caso concreto.

R. Nos termos do n.º 5 do artigo 149.º do Código do IRS, aplica-se, supletivamente, à matéria das notificações em sede de IRS o disposto no CPPT.

S. Desde a entrada em vigor da Lei n.º 55-B/2004, de 30 de dezembro, que o n.º 3 do artigo 38.º do CPPT passou a dispor que “As notificações não abrangidas pelo n.º 1, bem como as relativas às liquidações de tributos que resultem de declarações dos contribuintes ou de correcções à matéria tributável que tenha sido objecto de notificação para efeitos do direito de audição, são efectuadas por carta registada.” (sublinhado nosso).

T. Nas situações em que o sujeito passivo tem conhecimento da correção à matéria tributável, porque foi notificado para o exercício do respetivo direito de audição, a notificação da liquidação adicional é efetuada por carta registada, como sucedeu no caso concreto.

U. A douta sentença recorrida considerou que a Recorrida foi notificada para o exercício do direito de audição, no âmbito do procedimento inspetivo, com a notificação do projeto de relatório ocorrida em 2009-10-27, cf. facto constante em e) dos factos provados a fls. 7 da sentença.

V. Sabemos que, no caso concreto, a Recorrida tomou conhecimento da alteração à matéria tributável de IRS do ano de 2005 em, pelo menos, 2009-10-27, no âmbito do procedimento inspetivo e que, nessa data, foi notificada para exercer o seu direito de audição quanto a essa alteração.

W. Por isso, o caso sub judice não constitui uma situação em que seja aplicável a norma constante do n.º 1 do artigo 66.º e do n.º 2 do artigo 149.º do Código do IRS, mas uma situação subsumível ao disposto no n.º 3 do artigo 38.º do CPPT.

X. É verdade que a sentença recorrida efetua um considerando surpreendente a fls. 9 e 10, “Portanto, ainda que a Impugnante tenha sido regularmente notificada para efeitos de audição prévia, antes da liquidação, o que é duvidoso, pois que, na data em que foram efectuadas todas as notificações, determinavam os artigos 149.º, n.º 2 e 66.º do CIRS que, os actos de fixação da matéria colectável são sempre notificados, por carta registada com aviso de recepção, tal não dispensava que a notificação da liquidação adicional fosse efectuada por carta registada...

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