Acórdão nº 1282/12.0TYVNG.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 30-01-2024

Data de Julgamento30 Janeiro 2024
Ano2024
Número Acordão1282/12.0TYVNG.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
PROC. Nº 1282/12.0TYVNG.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo de Comércio de Vila Nova de Gaia - Juiz 5

REL. N.º 825
Relator: Rui Moreira
Márcia Portela
Fernando Vilares Ferreira

*


ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

1 – RELATÓRIO
*
Nos autos de insolvência relativos a AA, veio o Dr. BB, administrador de insolvência aí nomeado para o exercício de tais funções (seguidamente referido no texto por AI), interpor recurso da decisão que, decidindo diferentemente da pretensão que formulara, fixou a remuneração variável que lhe é devida nos termos resultantes do seguinte excerto do despacho agora em crise:
(…)
A majoração da remuneração variável visa, e sempre visou, recompensar o administrador da insolvência pelo facto de ter logrado obter a satisfação de uma maior percentagem de créditos, considerando que a 1ª parte da remuneração variável é calculada em função do valor da liquidação.
No caso, o grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos é de 19,99%, circunstância que não pode deixar de ser atendida no cálculo da remuneração variável.
Pelo exposto, fixa-se a remuneração variável do Sr. Administrador da Insolvência no montante de 33.694,15 euros.”
Terminou o seu recurso formulando as seguintes conclusões:
A. O presente recurso versa sobre o douto Despacho notificado a 13.10.2023, no qual foi decidido o seguinte: (não se transcreve, por impertinência desse excerto nesta sede de conclusões)
B. A Meritíssima Juiz a quo ao invés de fixar a remuneração variável do aqui apelante em €28.397,47 ((alínea b) do nº 4 do artigo 23.º EAJ) acrescidos de €26.499,74 (n.º 7 do artigo 23.º do EAJ), no total de €54.897,21 (cinquenta e quatro mil oitocentos e noventa e sete euros e vinte e um cêntimos), IVA incluído à taxa legal, determinou, tão somente, a quantia de € 33.694,15 (trinta e três mil seiscentos e noventa e quatro euros e quinze cêntimos), IVA incluído à taxa legal.
C. Andou mal; a Lei n.º 9/2022, de 11 de janeiro veio estabelecer as “(…) medidas de apoio e agilização dos processos de reestruturação das empresas e dos acordos de pagamento, transpõe a Diretiva (UE) 2019/1023, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de junho de 2019, e altera o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, o Código das Sociedades Comerciais, o Código do Registo Comercial e legislação conexa.”
D. Tendo conferido uma nova redação ao artigo 23.º da Lei n.º 22/2013, de 26 de fevereiro, comummente definido com o Estatuto do Administrador Judicial (EAJ).
E. O n.º 1 deste artigo estabelece a remuneração fixa em €2.000,00 (dois mil euros) acrescidos de IVA à taxa legal.
F. O n.º 4 dispõe que “os administradores judiciais referidos no n.º 1 auferem ainda uma remuneração variável em função do resultado da recuperação do devedor ou da liquidação da massa insolvente, cujo valor é calculado nos termos seguintes:
a) 10 /prct. da situação líquida, calculada 30 dias após a homologação do plano de recuperação do devedor, nos termos do n.º 5;
b) 5 /prct. do resultado da liquidação da massa insolvente, nos termos do n.º 6.”
G. Norma que nos remete, por remissão, para os n.º 6 e 7 que dispõem que “6 -para efeitos do n.º 4, considera-se resultado da liquidação o montante apurado para a massa insolvente, depois de deduzidos os montantes necessários ao pagamento das dívidas dessa mesma massa, com exceção da remuneração referida no n.º 1 e das custas de processos judiciais pendentes na data de declaração da insolvência.
7 - O valor alcançado por aplicação das regras referidas nos n.os 5 e 6 é majorado, em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, em 5 /prct. do montante dos créditos satisfeitos, sendo o respetivo valor pago previamente à satisfação daqueles”.
H. Resultando assim que no que tange à majoração prevista no n.º 7 a nova redação da lei tem como única inovação o seguinte segmento "(...) em 5 % do montante dos créditos satisfeitos, sendo o respetivo valor pago previamente à satisfação daqueles". Nada mais diremos nós!
I. A inovação não refere que o cálculo tenha que ser efetuado sobre a percentagem de créditos satisfeitos, referindo apenas que a majoração é de 5% “do montante dos créditos satisfeitos”.
J. Recorrendo à interpretação literal da norma resulta que o que a letra da lei nos diz é que a majoração dos 5% deverá ser calculada sobre o montante dos créditos satisfeitos e não, como defende o despacho em crise, sobre a percentagem dos créditos satisfeitos. Montante não é sinónimo de percentagem!
K. Partindo do princípio que o “(…) legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados” somos levados a afirmar que a interpretação do Tribunal a quo carece de qualquer suporte na letra e no espírito do legislador.
L. Através da função negativa é colocada de parte a interpretação do Tribunal a quo que determina o cálculo da majoração de 5% sobre a percentagem dos créditos reclamados, admitidos e satisfeitos.
M. A sua letra é clara: "(…) 5% do montante dos créditos satisfeitos". Nem mais, nem menos.
N. Caso o legislador pretendesse dizer 5% da percentagem dos créditos satisfeitos, certamente o teria escrito, não sendo esse o caso.
O. A interpretação dada pelo Tribunal a quo carece assim de apoio na letra da lei.
P. Destarte e se atendermos à função positiva do elemento literal na interpretação entendemos que o legislador ao escrever "(…) 5% do montante dos créditos satisfeitos" referia-se, tão somente, a montantes, isto é, valores, importância, ou quantia a distribuir pelos credores, nunca em caso algum a uma percentagem a distribuir pelos credores.
Q. A palavra montante, na linguagem corrente ou jurídica, não é utilizada como sinónimo de percentagem!
R. A Lei n.º 9/2022, de 11 de janeiro, transpôs a Diretiva (UE) 2019/1023 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de junho de 2019, alterando o CIRE, o CSC, o CRC e toda uma legislação conexa, tal como o EAJ.
S. A Diretiva impõe aos Estados-Membros que exijam aos profissionais no domínio da restruturação, isto é, administradores judiciais, formação e conhecimentos técnicos específicos, tudo conforme se retira dos considerandos 87 e 89 e, ainda, dos artigos 26.° e 27.º daquela Diretiva.
T. Acrescentando no artigo 27.º, n.º 4 que "os Estados-Membros asseguram que a remuneração dos profissionais se reja por regras que sejam compatíveis com o objetivo de uma resolução eficiente dos processos".
U. A ratio legis que presidiu à aprovação daquela Diretiva não pretendia diminuir as condições de remuneração dos administradores judicias, pessoas das quais, em bom rigor, a eficiência do processo depende.
V. O espírito que presidiu à sua implementação foi apenas proceder à criação de instrumentos de fiscalização rigorosa e o aumento da remuneração variável como um incentivo à eficiência, diligência e seriedade dos administradores judiciais.
X. Não sendo despiciendo trazer-se à colação o pensamento do Sr. Dr. Nuno Marcelo de Nóbrega dos Santos de Freitas Araújo, Juiz de Direito da Comarca de Aveiro - Juízo do Comércio de Anadia – J1, in "A Remuneração do Administrador Judicial e a sua Apreciação depois de 2022", publicado pela Associação Portuguesa dos Administradores Judiciais, salientando que o cálculo a que se refere o artigo 23.°, n.º 7 do EAJ "a nosso ver, a sua aplicação requer as seguintes operações:
I) Apuramento do resultado da liquidação (6), nos termos tradicionais, i. é, o valor das receitas obtidas, deduzido das despesas e dívidas da massa insolvente e das custas resultantes de processos instaurados após a insolvência, mas, como se disse, sem considerar a remuneração fixa.
II) Aplicação da percentagem de 5% sobre esse resultado; e
III) Majoração de mais 5% sobre o valor pronto para distribuição”.
Y. O mesmo Autor afirma que (não se transcreve, por impertinência desse excerto nesta sede de conclusões)
Z. Com a aplicação nas novas regras de cálculo resultam os seguintes valores:
1. Receitas da liquidação: €485.263,18;
2. Despesas da massa insolvente: €23.515,78;
3. Saldo da liquidação [art. 23º, nº 6 EAJ]: € 461.747,40;
4. Remuneração variável (alínea b) do nº 4 do artigo 23º EAJ): €28.397,47.
AA. É inegável que o saldo da liquidação ascendeu ao montante de €461.747,40 (quatrocentos e sessenta e um mil setecentos e quarenta e sete euros e quarenta cêntimos).
AB. Os créditos reconhecidos ascenderam ao valor de €2.155.776,24 (dois milhões cento e cinquenta e cinco mil setecentos e setenta e seis euros e vinte e quatro cêntimos).
AC. O valor destinado à satisfação dos créditos reclamados e admitidos ascende a €430.889,93 (quatrocentos e trinta mil oitocentos e oitenta e nove euros e noventa e três cêntimos).
AD. Nos termos do disposto no artigo 23.º, n.º 7 “o valor alcançado por aplicação das regras referidas nos n.os 5 e 6 é majorado, em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, em 5 /prct. do montante dos créditos satisfeitos, sendo o respetivo valor pago previamente à satisfação daqueles.”
AE. Aplicando-se esse normativo teremos o seguinte valor parcelar: €430.889,93 * 5% = €21.544,50 (vinte e um mil quinhentos e quarenta e quatro euros e cinquenta cêntimos), acrescido de IVA à taxa legal.
AF. Resultando deste modo um TOTAL DE REMUNERAÇÃO VARIÁVEL DE €
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