Acórdão nº 1281/17.6T8VLG.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2023-09-11

Data de Julgamento11 Setembro 2023
Ano2023
Número Acordão1281/17.6T8VLG.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo nº1281-17.6T8VLG.P1
Processo da 5ª secção do Tribunal da Relação do Porto (3ª Secção cível)
Tribunal de origem do recurso: Juízo de Família e Menores de Gondomar - Juiz 3

Relatora: Des. Eugénia Marinho da Cunha
1º Adjunto: Des. Joaquim Moura
2º Adjunto: Des. Miguel Baldaia Correia de Morais

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto

Sumário (cfr nº 7, do art.º 663º, do CPC):
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I. RELATÓRIO

Recorrente: AA
Recorrido: BB

BB, casado, residente na Rua ...–Hab. ..., ... ..., propôs ação declarativa, sob a forma do processo comum, contra AA, residente em ..., Rue ... ... – França pedindo que o Réu seja reconhecido judicialmente como seu pai. Alega, para tanto, encontrar-se o seu assento de nascimento omisso quanto à paternidade e ter tido, em 2015, conhecimento de o réu ser seu pai, tendo o mesmo mantido relações sexuais com a mãe de que resultou a sua conceção.
O Réu apresentou contestação, onde se defende por exceção e por impugnação. Defende-se por exceção ao invocar a incompetência absoluta do Tribunal em razão da matéria, questão já decidida, a caducidade, pelo decurso dos prazos previstos no art.º 1817º nº 1 e nº 2 al. b), do Código Civil e o abuso de direito, por o autor visar, com a presente ação, uma finalidade exclusivamente patrimonial, devendo, assim, os efeitos do reconhecimento judicial da paternidade restringir-se ao estatuto pessoal do investigante e do investigado, e impugna parte do alegado na petição inicial, concluindo pela improcedência da ação, peticionando a condenação do autor por litigância de má fé.
Respondeu o Autor à matéria de exceção, reiterando, quanto à caducidade, ter proposto a ação dentro do prazo de três anos após o seu conhecimento da identidade do pai e, de qualquer modo,ser inconstitucional a norma do art.º 1817º nº 1 do Código Civil, por exceder a proporcionalidade exigida no art.º 18º nº 2 da Constituição da República Portuguesa na restrição do direito fundamental do conhecimento das origens genéticas e quanto ao abuso de direito considera inadmissível a restrição dos efeitos sucessórios do reconhecimento da paternidade, consubstanciada na criação de uma causa de indignidade sucessória não prevista na lei e potenciadora de discriminação dos filhos nascidos fora do casamento, com violação do princípio consagrado no art.º 36º, nº 4, da CRP, e impugna estar a agir com o único propósito patrimonial.
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Foi proferido despacho saneador, identificado o objeto do litígio e enunciados os temas de prova, sem reclamação.
Procedeu-se à audiência final, com a observância das formalidades legais.
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Foi proferida sentença com a seguinte parte dispositiva:
“Pelo exposto, julgo a presente acção totalmente procedente por provada e, em consequência:
a) declaro que o autor, BB, é filho do réu, AA;
b) ordeno o averbamento de tal paternidade ao assento de nascimento do autor.
Custas pelo Réu”.
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Apresentou o réu recurso de apelação, pugnando por que seja julgado procedente o recurso e alterada a sentença no sentido de serem dados como não provados os pontos 2 a 18 dos factos julgados provados e como provado o facto articulado no artigo 26º, da contestação, aditando-se que “é falsa a data indicada pelo autor sobre o conhecimento da alegada identidade do seu pai”, e, consequentemente, seja julgada procedente a exceção de caducidade invocada em sede de contestação e a ação improcedente, formulando, para tanto, as seguintes
CONCLUSÕES:
A/ DA REAPRECIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO:
I. O Tribunal a quo julgou a “presente ação totalmente procedente por provada e, consequência: a) declaro que o autor, BB, é filho do réu, AA; b) ordeno o averbamento de tal paternidade ao assento de nascimento do autor”.
II. Sucede que, o Réu, aqui Recorrente, não pode concordar com a decisão, por a mesma, com o devido respeito, não poder dar como provados determinados factos cuja prova não foi feita em audiência de julgamento e se basear em factos antagónicos à verdade material.
III. Do mesmo modo que o Tribunal a quo deu como não provados, factos que deveriam ter sido dados como provados, cuja prova foi feita em audiência de julgamento e que Tribunal Recorrido optou por ignorar.
IV. O Tribunal a quo deu como provado os seguintes factos:
1. O autor nasceu a .../.../1971, mas da sua certidão de nascimento consta apenas a identificação da mãe – CC – e dos avós maternos – DD e EE, não constando a menção da sua paternidade.
2. Quando tinha 13 ou 14 anos, em 1965 ou 1966, a mãe do autor veio sozinha, de
3. ..., Paredes, para o Porto para trabalhar, em regime interno, como empregada doméstica, numa casa junto à Praça ....
4. Nessa altura conheceu o réu, que trabalhava, inicialmente na A... e, posteriormente, no B..., na citada Praça ..., e começaram a namorar.
5. Com excepção de um pequeno período em que estiveram zangados, a mãe do Autor manteve uma relação de namoro de mais de 5 anos com o réu.
6. Durante cerca de 15 dias, tempos antes da mãe do autor engravidar, chegaram a viver juntos, na casa de uma irmã do réu, chamada FF, casada com um senhor chamado GG.
7. Período durante o qual houve comunhão de leito e mesa.
8. Durante o seu relacionamento mantiveram relações sexuais.
9. E na sequência desse relacionamento, a mãe do autor, por volta dos 19 anos de idade, engravidou.
10. A mãe do autor veio a saber que o réu seguiu para a guerra nas colónias e este nunca tomou qualquer iniciativa no sentido de entrar em contacto com aquela.
11. Quando já o filho tinha nascido (com 29 dias de idade foi viver para ..., Paredes, com os avós maternos), foi comunicado à mãe do autor, pela irmã deste chamada FF, que o réu tinha falecido na guerra.
12. E foi esta informação que transmitiu ao autor, sempre que este pedia a identificação do pai.
13. Aliás, sempre que o Autor tocava no assunto, a mãe apressava-se em repetir a resposta e a alertá-lo que não queria falar mais sobre o assunto.
14. Só em Março de 2015, pressionada pelo autor e pelos filhos deste, a mãe decidiu revelar-lhe o nome do seu pai, acrescentando que o mesmo era natural de Celorico.
15. Munido desse dado, o Autor conseguiu a informação de que o pai, afinal, estava vivo.
16. Confrontou a mãe com esta informação.
17. Conseguiu saber onde morava o cunhado GG que contactou.
18. Mas o autor estava determinado a conhecer e encontrar o pai e conseguiu saber que o mesmo, após a tropa, tinha ido para França, onde tinha constituído família, e obter a sua residência.
19. Chegou inclusivamente a contactá-lo por carta remetida em 30-03-2015 revelando ter tido conhecimento da sua identidade e pedindo o contacto, para o que forneceu os seus números de telefone.
20. Nas cartas enviadas ao Réu, AA, são utilizadas expressões tais como “Tenho uma vida difícil” e “Fale comigo podemos chegar a entendimento”.
V. Para fundamentação da sua decisão, o Tribunal a quo alega que se baseou na conjugação da prova produzida de natureza documental, quer pericial, quer testemunhal.
VI. Mas, a verdade é que, no que respeita aos pontos 2 a 13 e 15 a 18 da matéria dada como provada, o Tribunal a quo não especifica os fundamentos que foram decisivos para sua convicção.
VII. Tanto que, O Tribunal a quo, na sua decisão, afirma que o testemunho da D.ª CC apenas foi tido em conta relativamente ao “momento e modo como o autor tomou conhecimento da identidade do seu pai”, o que corresponde única e exclusivamente ao ponto 14 dos factos provados.
VIII. Então, com que fundamento, o Tribunal a quo deu como provado os pontos 2 a 13 e 15 a 18 constantes da sentença?
IX. Salvo melhor opinião, parece-nos que estamos perante a violação de princípio orientador do Direito Adjetivo o qual obriga à FUNDAMENTAÇÃO DE TODA E QUALQUER DECISÃO JUDICIAL sob pena de nulidade – art.º 615.º, n.º 1, al. b) do CPC – o que desde já se invoca.
X. No tocante à prova testemunhal, o Tribunal a quo deu particular importância ao depoimento prestado pela D.ª CC, progenitora do Autor, aqui Recorrido, ao considera-lo como “claro e credível”.
XI. Porém, o seu depoimento, - prestado no dia 04 de julho de 2022 e gravado no sistema H@bilus Media Studio, na sala de audiência nº 5, do minuto 00:19:30 ao minuto 01:12:36 -, mostra que, não só está em total discrepância com aquilo que foi alegado pelo Autor na sua petição inicial, como foi completamente incoerente e pouco convincente.
DE FACTO,
XII. Em diversos momentos do seu depoimento, aquela não só se contradiz sobre os mesmos factos, como é incoerente em termos cronológicos/temporais, entre outras situações que iremos demonstrar.
XIII. A depoente, CC, quer em instâncias da Meritíssima Juíza, quer dos mandatários do Autor e do Réu, nunca foi assertiva quanto aos anos de namoro entre esta e o Réu. Sr. AA - [00:22:25]; [00:24:09]; [00:51:12] e [00:51:19].
XIV. Bem como, nunca balizou temporalmente início e o término do namoro - [00:22:25]; [00:24:09]; [00:51:12] e [00:51:19].
XV. De igual forma, a testemunha, CC, indicou como data de revelação da identidade do pai do Autor no Carnaval de 2015 (17 de fevereiro de 2015), [00:39:53] e [00:40:05] o que contraria o que alegado pelo Autor na sua petição inicial e dado como provado pelo Tribunal a quo – março de 2015.
XVI. Mais uma vez, a depoente não foi capaz de descrever a habitação da irmã do Réu, a finada D. FF, já que esta diz existir dois ou três quartos, [00:54:53],
XVII. Quando a testemunha apresentada pelo Réu, HH, – depoimento prestado no dia 04 de julho de 2022 e gravado no sistema H@bilus Media Studio, na sala de audiência nº 5, do minuto 00:16:30 ao minuto 00:34:45, da 2.ª parte da gravação – declarou que se tratava de um simples T1 [00:20:38].
XVIII. Outra incongruência, é o facto da mesma testemunha, D.ª CC, afirmar ter conhecido o irmão do Réu, o Sr. II, bem como afirmar que este tinha vivido antes dela lá viver em casa da irmã de ambos, a finada D.ª FF, - isto entre 64 e 66 -, quando,
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