Acórdão nº 1265/21.0KRLSB-A.L1-9 de Tribunal da Relação de Lisboa, 09-03-2023

Data de Julgamento09 Março 2023
Ano2023
Número Acordão1265/21.0KRLSB-A.L1-9
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa


1.RELATÓRIO


ACÓRDÃO


Por despacho de 13.09.2022 foi determinado que o arguido A aguardasse os subsequentes termos do processo sujeito à obrigação de se apresentar duas vezes por semana no posto policial da área da sua residência sita no ... Lisboa (cf. artigos 191º, 192º, 193º, 204º, n.º 1, alínea c) e 198º do CPP).

Não se conformando com o despacho em causa veio o arguido recorrer.

Após a motivação, apresentou conclusões:

1.O Meritíssimo Juiz não fundamenta a aplicação desta medida de coação. Conforme decorre dos autos, perante a anterior aplicação das medidas de coação, findo o 1° interrogatório, existe uma continuidade que, ao proceder à substituição da primitiva aplicação, o douto Tribunal a quo não afere, em concreto, a existência dos requisitos gerais, condição da aplicação das medidas de coação (artigo 204° do CPP).
2.O Meritíssimo Juiz não afere em concreto, no presente, da existência dos requisitos gerais de que depende a sua aplicação, as invocadas continuação da atividade criminosa e o perigo da perturbação grave da ordem e tranquilidade públicas, agora e outrora, os dois requisitos atendidos para a aplicação ao arguido daquela medida de coação.
3.Além da ausência de ponderação, a irregularidade na aplicação desta medida de coação (que se impõe e comunica ao arguido) sem a necessária audição prévia do arguido, conforme dispõe imperativamente a lei, no artigo 212.º, n° 4 do CPP
4.Sem que se lhe apresente concretamente quais os factos e comportamentos que a justificam
5.O douto despacho que ora se impugna não explica ou demonstra porque nesta fase a medida de coação aplicada se justifica, em reforço das exigências cautelares, no pressuposto, por demonstrar, de que com a prolação da acusação (ocorrida no dia 01.08.2022) maior deveria ser o reforço das exigências cautelares. Com que fundamento?
6.Estando já estabilizada a lide (com a prolação da acusação) e o arguido afastado da sua família, não se vislumbra como a aplicação desta medida de coação se manifesta necessária e adequada para acautelar a ordem e tranquilidade públicas e o perigo de continuação da atividade criminosa.
7.Para além da irregularidade na aplicação desta medida de coação (cf. artigo 118° do CPP) pretende ainda o arguido impugnar a mera remissão aos fundamentos da primitiva medida de coação aplicada no 1° interrogatório do arguido, bem como esses mesmos fundamentos, para dizer que sobre a respetiva aplicação ocorreu uma irremediável mas importante nulidade insanável nos termos do artigo 194º, nºs 1, 4 e 6 do CPP porque: Não houve verdadeiramente promoção do M.P. sobre a sua aplicação. Não houve fundamentação sobre os perigos concretos que justificaram a sua aplicação. Assim:
8.Do despacho de fls. 198 e ss [promoção das medidas de coação], verifica-se que a Digníssima Senhora Procuradora não propõe em concreto nenhuma medida de coação, limita-se a requerer a aplicação de medida de coação mais gravosa que o TIR face ao perigo de continuação de atividade criminosa.
9.Mais, o arguido só tem conhecimento da aparente promoção do M.P. sobre a sua aplicação, com a notificação da acusação. Conforme cópia dos autos entregue ao arguido detido, no decurso do 1º interrogatório; não está nela contida a imputação dos meios de prova onde se fundamentou o M.P., o que equivale a dizer que o arguido foi surpreendido. Não teve ocasião de se poder devidamente preparar para a defesa e rebate dos argumentos apresentados (v. g. para poder conferenciar com o seu defensor, como exige a lei (vide artigos 61.º, n.º1, al. f) do C.P.P.).

10.No que concerne à fundamentação dos perigos que em concreto justificariam a aplicação da medida de coação, o que decorre do despacho «remetido» é a utilização comum de «chavões processuais» aplicáveis em qualquer contexto de violência doméstica e que aqui se citam: «o denunciado vem colocando a ofendida B e os seus filhos menores numa situação de total ansiedade e medo, impedindo-a de viver com dignidade e liberdade, de elevado risco para a integridade física e psicológica, verificando-se in casu, um elevado risco de continuação da atividade criminosa (...) o denunciado continua a ameaçar a integridade física da ofendida de forma constante (...). A violência doméstica gera forte alarme social e intranquilidade públicas (...) a conduta que se atribui ao arguido é fonte de grande perturbação no quotidiano quer da ofendida (...)».perturbação da ordem e tranquilidade públicas.
Finalmente,
11.O interrogatório foi conduzido pela Meritíssima Juíza de forma intimidatória, cerceando a palavra do arguido e assentando em evidentes contradições, ao desconsiderar arbitrariamente as respostas expostas do arguido para assentar em conclusões de recurso pouco claro às regras de experiência comum (clara violação do disposto na al. e) do n.º 4 e n.º 5 do art. 141.2 do C.P.P.).

12.Confrontado com os factos, não foi possível o exercício sereno do direito do contraditório, porque a Meritíssima juíza cortou a palavra intimidando-o e, desconsiderando a ansiedade do arguido, detido, descaracterizou efetivamente o seu direito de audiência. Ao contrário do que o Direito obriga não contextualizou as hipóteses de explicação e apresentação dos fatos apresentados pelo arguido em sua defesa. Pelo contrário, constrói os fundamentos sobre a aplicação das medidas de coação por mera remissão para a alegada promoção da M.P., e por recurso a " chavões". O raciocínio assim exposto fragiliza e desconsidera propositadamente a defesa, ao "arrepio" de todos os princípios de avaliação da prova: princípio da presunção da inocência, princípio da demonstração exaustiva da culpa do arguido, enfim todos os princípios que devem estar na base da construção do direito imparcial e justo.
13.Consequentemente resulta também omissa a necessária demonstração da necessidade e adequação das medidas de coação aplicadas a justificar o propósito de restringir ao arguido as liberdades e direitos fundamentais, como decorre da aplicação dos artigos 18º 32º, nº1, ambos da C.R.P.
14.Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, requer-se Venerandos Desembargadores, a revogação imediata do despacho que aplicou ao arguido a medida de coação de apresentação bissemanal no posto de polícia da sua área de residência, por violação dos mais elementares princípios e normas que norteiam o nosso processo penal.

O Digno Magistrado do MP veio responder dizendo:

Do despacho recorrido resulta, no nosso modesto entendimento, a fundamentação da aplicação da medida de coação, assente no facto de se mostrarem inalterados os pressupostos de facto e de direito que determinaram a aplicação ao arguido de medida de coação para além do termo de identidade e residência aquando do seu primeiro interrogatório judicial, reforçados com a dedução da acusação, remetendo-se assim para a verificação dos requisitos de aplicação do art.204°, n°1, al. c), do CPP), a saber, perigos de continuação da atividade criminosa e de perturbação grave da ordem e tranquilidade públicas, despacho precedido da promoção do Ministério Público (cfr. fls.258 a 266, 273 a 275 e 778 a 779, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido), em clara conformação legal e sem necessidade de audição prévia do arguido (cfr., com as necessárias adaptações, Acs. TRE de 17/03/2015, Processo n°1792/14.5GBABF-A.E2, in www.dgsi.pt/jtre; e Ac. TRG de 11-07-2013, Processo n° 21/12.0GAGMR-A.G2, in www.dgsi.pt/jtrg; e Acs. do TC n° 396/2003/T. Const. — Processo n° 485/2003, in DR de n° 29, de 4 de Fevereiro de 2004, e n° 684/2015, Processo n.° 778/15, inwww.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos).
- Ainda que se entenda que no caso se verifica a irregularidade da falta de audição prévia do arguido na aplicação em 13/09/2022 da medida de coação, a mesma foi extemporaneamente arguida face ao teor de fls.952, 953 956/990/991 (com notificação pessoal do despacho recorrido em 30/09/2022), ao teor de fls.1040 (recurso interposto em 18/10/2022) e ao disposto nos art.s.113°, 118° e 123° do C.P.P. - cfr. Ac. TRC Processo n°301/19.4PCCBR-B.C1, in www.dgsi.pt/jtrc: a falta de audição do arguido, não integrando qualquer das nulidades previstas no artigo 119.° 120.° do CPP, consubstancia mera irregularidade. Mas dos autos resulta que se diligenciou pela notificação da sua Mandatária que, notificada, se pronunciou a propósito, como flui de fls.793 s.s. e 810 e s.s., tendo assim o arguido sido ouvido — cfr. Ac. TRC de 09-05-2012,Processo n°234/11.2GAVZL-A. Cl, in tips://trc.pt/recpen234112gavzl-acl/, assim nesta parte sumariado: a audição prévia do arguido para aplicação das medidas de coação e de garantia patrimonial, exceto o TIR, tanto pode ser presencial (no caso de primeiro interrogatório do arguido), como pode ser cumprida por mera notificação ao arguido para sobre tal se pronunciar nos autos (nos outros casos em que o M.P. propõe a aplicação de medida de coação mais gravosa v. fls.778/779/para além do TIR que subsistiu, e o aí citado Ac. TRC de 02-03-2016, Processo n° 83/13.3GBCNF-B.C2, in www.dgsipt/jtrc). E em qualquer destas situações se mostra plenamente respeitado o princípio do contraditório, permitindo que o arguido exponha previamente as suas razões relativamente à decisão judicial.
Aqui, e não se tratando de arguido detido apresentado ao JIC para realização de primeiro interrogatório judicial, o direito de presença não se confunde com o direito de audiência.
O fundamental é que o arguido seja confrontado com os factos concretos e elementos de prova que consubstanciam os pericula libertatispressupostos de aplicação das medidas de coacção e de garantia patrimonial - para estar em condições de exercer o contraditório. Para esse efeito, bastará a notificação do defensor, tratando-se para mais da aplicação de medida de coação requerida na própria acusação — cfr.,
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