Acórdão nº 12616/20.4T8PRT.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 14-12-2022

Data de Julgamento14 Dezembro 2022
Ano2022
Número Acordão12616/20.4T8PRT.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo nº12616/20.4T8PRT.P1
(Comarca do Porto – Juízo Central Cível do Porto – Juiz 1)

Relator: António Mendes Coelho
1º Adjunto: Joaquim Moura
2º Adjunto: Ana Paula Amorim

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I Relatório

AA propôs acção declarativa comum contra “X... S.A.”, à qual sucedeu entretanto a “Y..., S.A.”, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia global de €130.531,49, acrescida de juros, calculados à taxa legal (mas com a sanção do dobro prevista no art. 38º do Dec.Lei 291/2007, de 21 de Agosto) desde a citação até efectivo pagamento, e ainda a ressarcir-lhe, no futuro, os danos que se venha a apurar serem causa directa e necessária das lesões sofridas com o evento.
Alegou para tal ter sofrido danos patrimoniais e não patrimoniais para cujo ressarcimento indicou aquele montante na sequência de acidente de viação cuja responsabilidade imputa a veículo automóvel seguro na Ré.
A Ré deduziu contestação na qual, embora aceitando a responsabilidade do condutor do veículo por si seguro na eclosão do acidente, impugnou os danos e sua extensão e os montantes indemnizatórios alegados pelo Autor.
Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador e ulterior despacho de identificação do objecto do litígio e enunciação dos temas da prova.
Na sequência do seu requerimento pela Ré, foi ordenada e efectuada pelo INML perícia médico-legal à pessoa do Autor.
Procedeu-se a julgamento, tendo na sua sequência sido proferida sentença em que se decidiu nos seguintes termos:
Pelo exposto, o Tribunal julga a presente acção parcialmente procedente e, em consequência, condena-se a Ré pagar ao autor:
a) A quantia de € 30.000,00 (trinta mil euros) a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora, desde a data desta decisão até efectivo e integral pagamento à taxa de 8%.
b) ainda a título de danos patrimoniais o valor a liquidar relativo a diferenças salariais nos termos supra-referidos;
c) A quantia de € 25.000,00 (trinta e cinco mil euros) a título de compensação por danos não patrimoniais, acrescida de juros desde a data da citação até integral pagamento à taxa de 8%.
No mais, o Tribunal absolve a Ré dos restantes pedidos formulados.
Custas pelo Autor e pela Ré na proporção do respectivo decaimento.”

De tal sentença veio interpor recurso o Autor e, na sequência de tal interposição, veio a Ré a interpor recurso subordinado na mesma peça em que deduziu as suas contra-alegações.

O Autor termina as suas alegações com as seguintes conclusões:
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A Ré, por sua vez, termina a sua peça de contra-alegações e recurso subordinado com as seguintes conclusões:
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Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
Considerando que o objecto dos recursos, sem prejuízo de eventuais questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas suas conclusões (arts. 635º nº4 e 639º nº1 do CPC), tendo em conta a lógica e necessária precedência das questões de facto relativamente às questões de direito, são as seguintes as questões a tratar:
a) – apurar das impugnações à matéria de facto da decisão recorrida deduzidas por cada um dos recorrentes;
b) – apurar dos quantitativos indemnizatórios a atribuir ao Autor, sendo nesta sede de tratar da alegada (pelo recorrente Autor) omissão de pronúncia quanto a uma das parcelas indemnizatórias peticionadas e quanto à situação de pré-reforma do Autor, da relegação para liquidação em execução de sentença decidida em relação a perdas salariais, do dano patrimonial a título de dano biológico, dos danos não patrimoniais e dos termos da fixação dos juros sobre as quantias indemnizatórias.
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II – Fundamentação

Vamos ao tratamento da primeira questão enunciada.
O recorrente Autor, relativamente à matéria de facto da sentença recorrida, deduz a seguinte pretensão: que o nº6 dos factos não provados – onde se diz “Devido à lesão no ombro, o A. passou a ter muitas dificuldades em dormir” – seja alterado no sentido de ser considerada provada tal factualidade, com base no depoimento da testemunha BB, esposa do Autor, cujos excertos que entende pertinentes identifica e transcreve.
Por sua vez, a recorrente Ré deduz pretensão no sentido de que o nº 23 dos factos provados [onde se diz “O A. exerce (e exercia, à data do sinistro) a actividade de topógrafo na E...”] e o nº24 dos factos provados [onde se diz “As sequelas de que o autor ficou a padecer têm repercussão negativa na sua actividade profissional, uma vez que lhe exigem esforços acrescidos”] sejam alterados, passando o nº23 a ter a redacção “O Autor exercia, à data do acidente, a atividade de topógrafo na E...” e o nº24 a ter a redacção “As sequelas de que o autor ficou a padecer tiveram repercussão negativa na sua atividade profissional, uma vez que lhe exigiram esforços acrescidos, até que ficou em situação de pré-reforma, em data não concretamente apurada, mas pelo menos desde dezembro de 2021”, baseando tal pretensão, como diz na sua motivação, “porque tal resulta, não apenas da Motivação da Sentença, como é também facto aflorado e aceite nas Alegações do Autor” e, como de outro modo já diz sob a conclusão A) do seu recurso, e sem qualquer correspondência com aquela asserção da motivação, porque tal resultou “Da prova produzida em audiência de julgamento”.
Analisemos.
Quanto à pretensão do Autor, temos a dizer o seguinte: ouvido o depoimento da testemunha por si referida (BB, sua esposa), do mesmo resulta que tal testemunha se referiu a dores (derivadas das lesões que sofreu com o acidente) que o seu marido tem “ainda hoje”, “dores fortes que ele tem constantemente, diariamente”, e que ele vai para o sofá com almofadas, mas não se referiu especifica e concretamente a dificuldades em dormir só por si (que, como da respectiva redacção do ponto de factualidade em referência resulta, é o que está em causa).
Como tal, é de manter a matéria de facto em causa como não provada, improcedendo assim a impugnação deduzida pelo Autor.
Passemos às alterações propugnadas pela Ré.
Ainda que se possa admitir que no âmbito da produção de prova que teve lugar em julgamento se possa ter referido que o Autor, aquando do julgamento, estaria já em situação de pré-reforma, o que é certo é que tal factualidade não foi alegada em qualquer articulado dos autos (nem sequer por via de qualquer articulado superveniente, como perfeitamente possível face ao disposto no art. 588º nºs 1, 2 e 3 c) do CPC).
Como tal, não poderá ser tida em conta.
Por outro lado, ainda que assim não fosse, é de referir que a Ré, em contrário do exigido sob o nº1 alínea b) do art. 640º do CPC, não indica quais sejam os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que suportem as alterações que propõe (sendo nomeadamente de referir, quanto à alegada situação de pré-reforma, que a prova segura da mesma talvez só por via documental fosse alcançável).
Assim, face ao disposto no corpo do nº1 do art.640º do CPC, rejeita-se a impugnação da matéria de facto deduzida pela Ré.

Passemos para as questões enunciadas sob a alínea b).
É a seguinte a matéria de facto a ter em conta (mantém-se a numeração efectuada na sentença recorrida, fazendo-se notar que, certamente por lapso, o elenco factual não contém o nº7, pois passa-se do nº6 para o nº8)
Factos Provados:
- No dia 19/11/2017, cerca das 11 horas, na rua ..., próximo ao n. º..., na cidade do Porto, ocorreu um acidente de viação.
- No evento foram intervenientes os seguintes veículos e condutores:
- o A., como condutor do motociclo marca Piaggio, modelo ..., matrícula ..-IG-..; e,
- a condutora segura pela Ré, viatura ligeiro de passageiros, com matrícula ..-..-NB, de seguida apenas NB.
- O acidente ocorreu da seguinte forma: o A. circulava com o sentido de marcha Largo ... – Rua ... e a condutora do NB encontrava-se estacionada nos lugares de estacionamento sitos à esquerda da supra-referida rua.
4º - A dada altura, próximo do cruzamento com a Rua ..., sem que nada o fizesse prever, a condutora do NB saiu repentinamente do lugar de estacionamento para a direita, embatendo no A., que circulava na faixa mais à esquerda da dita rua.
5º - Devido ao embate o A. caiu, desamparado, contra o pavimento, aí se quedando imobilizado.
6º - A colisão, como supra indicado, ocorreu pelo facto de a condutora do NB não ter prestado atenção à circulação do A.
8º - Do local do acidente e no dia do mesmo, o A. foi conduzido ao Hospital ..., do Porto, pela condutora do NB.
9º - Uma vez no citado acima Hospital foi-lhe, após observação, diagnosticada contusão do ombro e braço esquerdo – concretamente, rotura externa parcial profunda do supra e infra espinhoso, sugerindo rotura aguda traumática;
10º - Fez ainda dois Raio-X e teve alta, para sua casa, com indicação para regressar ao Hospital se tivesse dores.
11º - No dia 26/11/2017, por estar a sentir muitas dores, voltou ao Hospital; realizou mais um Raio-X, foi medicado com anti-inflamatórios não esteróides e foi-lhe recomendado repouso e analgesia em SOS.
12º - No dia 27/11/2017 foi encaminhado pelo Hospital ... para a Casa de Saúde ... (doravante apenas Casa de Saúde ...), por conta da W....
13º - No dia 15/12/2017 foi avaliado na Casa de Saúde ... e no dia seguinte efectuou ressonância magnética ao ombro esquerdo, a qual ajudou a perceber que o A. se encontrava com o ombro gravemente lesado.
14º - O médico da Casa de Saúde ... que o avaliou deu-lhe indicação para fazer tratamento de fisioterapia.
15º - Como as sessões de fisioterapia não proporcionaram as melhoras clínicas que era suposto e desejado voltou à Casa de Saúde ... com o relatório do fisiatra, marcaram-lhe cirurgia, foi sujeito a mais exames (ecocardiograma e electrocardiograma) e, no dia
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