Acórdão nº 1261/15.6T8PTM.E2 de Tribunal da Relação de Évora, 2023-02-09

Ano2023
Número Acordão1261/15.6T8PTM.E2
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora

Processo n.º 1261/15.6T8PTM.E2
Tribunal Judicial da Comarca de Faro[1]
*****
Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora[2]:

I – RELATÓRIO
1. AA, intentou a presente ação declarativa comum contra Fontes de Monchique – Propriedades, Lda., e Frank Peschke, peticionando a condenação dos Réus a pagar-lhe a quantia de 11.858,25€, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde 11 de outubro de 2014, até efetivo e integral pagamento, a título de indemnização, emergente de responsabilidade civil.
Em fundamento alegou, em síntese, que um animal de raça asinina do qual a Ré é proprietária, e que o Réu não cuidou de vigiar, manter preso a uma corda, ou em recinto fechado, a atacou nas instalações da Ré, em consequência do que a Autora sofreu danos patrimoniais e não patrimoniais, cujo ressarcimento reclama.

2. Contestaram os RR., alegando designadamente que o animal pertence à Ré, não ao Réu, requerendo a intervenção provocada da Companhia de Seguros, e impugnando especificadamente com a invocação de factualidade tendente a demonstrar a improcedência do peticionado, bem como a condenação da autora por litigância de má-fé.
A autora apresentou requerimento informando nada ter a opor à requerida intervenção provocada.

3. Por despacho proferido em 30-11-2015, foi designada data para uma tentativa de conciliação entre as partes, a qual não foi possível, tendo seguidamente sido proferido despacho saneador, declarando o 2.º Réu parte ilegítima, e absolvendo-o da instância, com o fundamento de que a Autora traz o Réu à demanda afirmando que sobre o mesmo impendia o dever de vigiar o animal. Contudo, não concretiza minimamente tal afirmação, que resulta unicamente da circunstância de o Réu ser gerente da Ré; e julgando de imediato improcedente a acção, considerando não ser necessário prosseguir para julgamento com a produção de prova requerida por se concluir que a mesma é desnecessária à decisão da causa, isto porque, em seu entender, conclui pela verificação da quebra de nexo de causalidade, que impossibilita, à partida, a ulterior responsabilização da Ré por danos, nomeadamente físicos (aliás, não totalmente especificados, pela Autora), alegadamente resultantes do ataque de um burro.

4. Inconformada, a Autora apelou, pedindo a revogação da sentença proferida e a sua substituição «por outra que declare a inexistência da excepção dilatória de ilegitimidade passiva do Réu Frank Peschke da instância», mais invocando a nulidade da sentença recorrida por violação do princípio do contraditório, requerendo que se «ordene a prossecução dos normais trâmites processuais, por não se encontrarem reunidos elementos suficientes para ter sido proferida uma decisão sobre o mérito da causa.».

5. Por acórdão proferido em 30 de novembro de 2016, esta mesma conferência deliberou: a) Revogar o despacho que absolveu o 2.º Réu da instância, declarando o mesmo parte legítima; b) Anular a sentença recorrida; c) Ordenar a baixa dos autos para, em conformidade com o decidido, ser conhecido o mérito da causa.

6. Prosseguiram os autos, com a prolação de despacho a admitir a intervenção principal da AGEAS PORTUGAL – Companhia de Seguros, S.A., tendo esta seguradora apresentado contestação, aceitando a celebração do contrato de seguro com a 1.ª Ré, e impugnando os factos atinentes à responsabilidade, tendo oportunamente sido realizada a audiência prévia, na qual foi dispensada a seleção do objeto do litígio e a fixação dos temas da prova.

7. No decurso da instrução da causa, o Tribunal proferiu em 15.10.2018 um despacho (Ref.ª 110878074, a fls. 472), que indeferiu o pedido que a Autora havia formulado em 10.10.2018 – para que a parte contrária fosse notificada para proceder à tradução da apólice de seguro e das questões que pretende ver respondidas pelas testemunhas –, determinando ser seu ónus proceder à tradução integral do pedido de inquirição das testemunhas por si arroladas.
Notificada para o efeito, a Autora veio a proceder à tradução integral das instâncias e dos documentos necessários à expedição das cartas rogatórias, visando a inquirição das testemunhas que arrolara, e a prestação das suas declarações de parte.


8. Inconformada com o referido despacho, a Autora, apresentou recurso de apelação, que terminou com as seguintes conclusões (transcrição[3]):
«1º- A razão de interposição do presente recurso prende-se com o despacho que determinou que a Autora seria responsável por proceder à tradução integral das contestações, respectivos documentos, pedido de inquirição e a tradução da apólice de seguro.
2º- O direito ao contraditório é valido e assiste à R., no entanto tem que ser exercido porque quem tem essa obrigação e nessa medida, tem essa parte que diligenciar tudo o necessário a fazer valer tal direito, sendo por isso da sua responsabilidade a tradução das questões que pretende ver respondidas, bem como a tradução da apólice de seguro, das suas contestações e documentos.
3-ºAo que acresce o facto da A. não ter possibilidades económicas para ser onerada com tal encargo.
4º- O juiz não deve, como princípio, impor a parte algo que não é da sua responsabilidade.
5- º Nesse sentido e seguindo-se a mesma linha de raciocínio, deverá a R. ser notificada para proceder à tradução das questões que pretende que sejam colocadas, bem como notificada para proceder à tradução das contestações e respectivos documentos e a apólice de seguro.
6-º Compete ao Tribunal admitir ou rejeitar os meios probatórios e admiti-los, e providenciar, pela sua realização em conformidade com o disposto na lei.
7-º A lei nada estipula que tenha que ser a A. forçada a custear a totalidade da tradução requerida pela R. e ordenada pelo Tribunal.
Devendo isto ser da responsabilidade de quem requer.
8-º O douto despacho recorrido deve ser revogado e substituído por outro que acolha as razões do apelante.
9-º Nessa conformidade deverá o presente recurso ser considerado procedente, por o M.M. Juiz a quo ter violado o correcto entendimento dos Artigos nºs 177º e sgs do CPC, Artigo 20º da Constituição da República Portuguesa».
Não foram apresentadas contra-alegações.

9. Por despacho proferido em 07.01.2019 (Ref.ª 111726103, a fls. 592), o Senhor juiz, ponderando, que “não estamos perante uma qualquer decisão subsumível a uma das alíneas plasmadas no n.º 2 do art. 644.º do C.P.C., nem tão pouco existe qualquer disposição específica que regule o recurso ora interposto”, considerou que “Tal equivale a dizer que o Tribunal aceitará o recurso, contudo, é aplicável o disposto no n.º 3 e n.º 4 do art. 644,º do C.P.C., isto é, o recurso apenas será admitido com o recurso da decisão final ou após o trânsito desta, consoante a Autora venha, ou não, a recorrer da decisão final”, concluindo que “não é este o momento oportuno para proferir despacho de recebimento do recurso, motivo pelo qual nada há a determinar”.

10. Realizada a audiência final, foi proferida sentença, que julgou improcedente a ação, e consequentemente, decidiu absolver os Réus do pedido; e absolveu ainda a Autora do pedido de condenação por litigância de má-fé.

11. Novamente inconformada, a Autora apelou, finalizando a sua minuta recursória com as seguintes conclusões (transcrição):
«1º- Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida pela Meritíssima Juíza do Tribunal a quo que julgou a presente Acão totalmente improcedente e absolveu os Réus do pedido.
2º- Segundo a matéria dada como provada a autora e o seu filho entraram no recinto da Ré onde se encontrava o burro e após este ter atacado o filho da autora, por via não apurada, esta, tentando ajudar o seu filho foi ao seu encontro e agarrou no burro pelo cabresto, mas o mesmo não se acalmava e empinou-se e deixou cair com todo o peso sobre a Autora, a qual caiu ao chão sobre as mãos e joelhos e o burro pontapeou-a nas costas, pateando por cima dela, ao que esta se enrolou para proteger do ataque, tendo sido socorrida por BB, o qual a libertou do animal.
3º- Mais refere o animal encontrava-se sempre em local reservado e vedado aos clientes, num cercado com rede e até com vedação eléctrica para não permitir que o animal saísse do cercado.
4º- Refere erroneamente a sentença que … “face ao receio e cuidado extremo que a mesma disse ter tido, a sua decisão de deixar o filho brincar de modo livre não se adequa aos factos. Ainda, mesmo com advertências de que o burro era dócil é do conhecimento comum que não se pode entrar num recinto de um animal, sobretudo quando se trata de crianças ….”
5º-A M.M. Juiz a quo partiu de pressupostos errados, o que acaba por influenciar negativamente a decisão sob recurso.
6º-A R. dedica-se a ativadade de explorar uma unidade hoteleira que como é do conhecimento daquela é frequentada por crianças de todas as idades e que têm comportamentos diferentes dos adultos como é normal acontecer numa criança saudável.
7º- É normal que o filho da A., á altura dos acontecimentos e face á idade que tinha e muito mais se encontrando de férias, em momento de descentração brincasse ao ar livre e de forma descontraído, estranho seria se não o fizesse, pois estava de férias e este é um comportamento normal nas crianças.
8º- Ora a M.M. Juiz a Quo parte de pressupostos errados quando ultrapassa o dever da R, de ter o animal, que é considerado perigoso (não nos esquecemos que atacou a A.), num recinto fechado e devidamente vedado e que não fosse possível a uma criança ou a um terceiro alheio ao staff da R., de entrar no recinto do animal, o que efectivamente não sucedeu
9º-Se o animal estivesse devidamente recolhido, se a Recorrida tivesse observado os cuidados de vigilância a que se encontra obrigada, não nos esqueçamos que o animal em causa é um animal perigoso, nunca teria sido possível ao menor e á A. terem entrado no recinto e teria impedido o ataque do animal a A.
10º-Isso constituía uma obrigação básica e
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