Acórdão nº 1255/21.2BELRS de Tribunal Central Administrativo Sul, 2022-02-10

Ano2022
Número Acordão1255/21.2BELRS
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul
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Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a 1.ª Subsecção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I - RELATÓRIO

1. AGERE - EMPRESA DE ÁGUAS, EFLUENTES E RESÍDUOS DE BRAGA, E.M. veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a reclamação deduzida por N... - A....., ACE, contra o acto de penhora no âmbito do processo de execução fiscal n.º 6…./2021, para cobrança de dívida proveniente de tarifa de ligação de saneamento, no valor total de € 665.112,79.

2. A Recorrente apresentou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

« Quanto à matéria de facto entende a Recorrente que existem alguns factos que devem ser dados por provados e que são importantes para a boa decisão da causa, concretamente:

a) “O correio eletrónico mencionado no facto provado 5) foi remetido às 22h08m do dia 05.04.2021 e só foi lido no dia 06.04, às 09h59m";

b) "As 22h08m as instalações da Exequente encontravam-se encerradas”;

c) “No dia 06.04 foi lido o email em causa, conjuntamente com mais umas centenas de emails”;

d) "A Exequente é uma empresa com cerca de 530 trabalhadores”;

e) " Desde o início da pandemia que a recepção de emails cresceu, pois passou a ser, a par do contacto telefónico, o meio de comunicação por excelência dos utentes";

f) “Qualquer utente que se desloque à Agere tem de o fazer com prévio agendamento, o que é feito por email”;

g) “A Exequente não consegue acudir no próprio dia a todas as solicitações que chegam ao email geral aaere@agere.pt",

h) “Todos os emails recepcionados no endereço em causa são, posteriormente, encaminhados para o endereço 'secretariado@aaere.pt", sendo que o email da Reclamante foi recebido neste endereço no dia 08.04, às 15h49m";

i) “O trabalhador responsável pela gestão deste endereço efectua uma breve análise do conteúdo de cada um dos emails recebidos, e de seguida reencaminha-os para a direcção responsável, o que foi feito nesta situação";

j) "Quando o email chegou ao Serviço de Execuções Fiscais (tarde do dia 08.04) já o despacho a ordenar a penhora tinha sido praticado";

k) “A reclamação a que se alude no facto provado 13 foi remetida a Tribunal no dia 17.05.2021 (artigo 23 da Reclamação)”.

Aquela factualidade consta do requerimento apresentado pela Recorrente em 26.07.2021 (ref.ª: 48……), não foi impugnada e é comprovável numa parte significativa por documentos existentes no PA, pelo que se requer o seu aditamento ao abrigo do disposto no artigo 662°/n° 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 2°/e) do CPPT.

De acordo com os factos provados 1, 2, 3 e 7 está em causa uma dívida de 665 mil euros do ano de 2011 e em execução desde Outubro desse mesmo ano, uma oposição à execução apresentada em 2012 julgada totalmente improcedente e uma reclamação graciosa apresentada em 2021 (é evidente a manifesta extemporaneidade deste último meio e que apenas serviu para a Recorrida ganhar tempo e evitar o pagamento da dívida).

Desde o trânsito em julgado da sentença proferida no processo de oposição n° 81/12.4BEBRG que a Recorrente se aprestava a avançar com medidas coercivas de cobrança da quantia exequenda, mas como o processo de execução se encontrava em Tribunal a Recorrente teve de aguardar pela sua devolução para praticar os actos de cobrança coerciva.

O processo de execução só foi devolvido em 18.01.2021 (cfr. facto provado 4) e quando estavam reunidas as condições para se avançar com a penhora de bens/direitos da Recorrida foi aprovada a Lei n° 4-B/2021, de 01.02, cujo artigo 6°-B/n° 1 suspendeu as diligências e prazos para a prática de actos nos processos em curso nos órgãos de execução fiscal.

Aquela suspensão terminou no dia 05.04.2021 (cfr. Lei n° 13-B/2021, de 05.04) e o despacho que ordenou a penhora de bens da Recorrida é de 06.04.2021 (tendo sido expedidos os ofícios respectivos no dia 07.04.2021), entendendo, por isso, a Recorrente que é legalmente irrelevante a apresentação da reclamação graciosa no dia 05.04.2021 por ter sido enviada por email às 22h08m, ou seja, quando a empresa já se encontrava encerrada e não podia merecer qualquer tratamento da sua parte.

A apresentação de requerimentos por particulares está sujeita a registo próprio, por data de entrada, como decorre do artigo 105° do CPA, e o que releva para a apreciação da causa é o facto do acto de penhora ter sido praticado antes do registo do requerimento para prestação/dispensa parcial de garantia.

Como o acto de penhora foi praticado antes do registo do requerimento é o mesmo absolutamente legal por não existir até então qualquer impedimento à sua prática.

A sentença recorrida considera a penhora ilegal porque foi posterior ao requerimento da Recorrida, mas não foi assim que sucedeu porque a penhora é do dia 06.04 e o requerimento é registado no dia 08.04 e a este propósito importa salientar que a sentença recorrida não invoca qualquer norma que suporte o seu entendimento de que a mera apresentação do requerimento implica a suspensão de acto já praticado.

10ª No caso de se considerar que o requerimento da Recorrida deveria ter sido registado no dia 06.04 temos no mesmo dia a prática de dois actos, mas como a sentença não apurou a que horas se praticou o acto de penhora teriam os autos se ser remetidos à primeira instância para apuramento deste facto.

11ª Ainda que se aceite como boa a tese da sentença recorrida não se verifica a ilegalidade do acto praticado, pois apresentado o requerimento para prestação e dispensa parcial de garantia a Recorrente tinha o prazo de 10 dias para o apreciar e findo esse prazo presume-se o seu indeferimento, não existindo qualquer efeito suspensivo na execução após o indeferimento.

12ª Salvo o devido respeito por opinião diversa, entende a Recorrente que a apresentação da reclamação só teve por efeito a suspensão dos efeitos do acto reclamado, o que é bem diferente da suspensão da execução.

13ª A execução só está legalmente suspensa a partir de 17.05, sendo que o Banco M..... concretizou a penhora no dia 16.05 (cfr. facto provado 16) e por este motivo defende-se a legalidade da penhora.

14.ª O entendimento de que com a apresentação da reclamação a Recorrente fica proibida de praticar actos de penhora seria insuportavelmente custoso para o credor público e um convite aos devedores na medida em que poderiam remeter sucessivamente requerimentos a solicitar a prestação de diversos tipos de garantias e deste modo manietavam o credor que ficaria impedido de proteger o seu crédito.

15ª A suspensão da execução enquanto se decide o pedido de prestação/dispensa de garantia é de aceitar, mas a partir da decisão de indeferimento só a remessa da reclamação a Tribunal é que determinara a suspensão da execução e esta só será de considerar para novos actos, não para os actos já em curso.

16ª O acto de penhora é legal e a douta sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto e em erro de julgamento de direito, neste caso por incorrecta interpretação e aplicação dos artigos 52°/n° 1 da LGT e 169°/n° 2 e 170° do CPPT.

TERMOS EM QUE deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a sentença recorrida e substituindo-a por decisão que julgue a reclamação totalmente improcedente, assim se fazendo inteira JUSTIÇA!»

3. O recorrido, N…..-A……, ACE, veio apresentar as suas contra-alegações, cujas conclusões se reproduzem ipsis verbis:

«I - Ao presente recurso deve ser conferido efeito devolutivo, por não vir requerida a atribuição de efeito suspensivo ou tampouco alegado e demonstrado, por quem competia, que a atribuição de efeito devolutivo afeta o efeito útil do presente recurso - cf. artigo 286.°, n.° 2, do CPPT;

II - Das conclusões formuladas pela Recorrente não decorre qualquer impugnação ou sindicância a uma questão julgada pelo Tribunal a quo: a imputada atuação violadora do princípio da boa-fé, na vertente da tutela da confiança, tutelada pelas normas conjugadas dos artigos 55.° e 56.° da LGT e 266.° da CRP. Não constando tal questão das conclusões formuladas pela Recorrente nem sendo a mesma de conhecimento oficioso, não deverá a mesma, salvo melhor opinião, ser apreciada por esse douto Tribunal, mantendo-se incólume, como tal, o respetivo segmento decisório da sentença a quo, em que fundamenta a anulação do ato de penhora no vício de violação de Lei de que o mesmo padece, em virtude da violação do princípio da boa-fé, na vertente da tutela da confiança;

III - a) Sendo evidente a não indicação, pela Recorrente, dos concretos meios probatórios constantes do processo que, em sua opinião, impunham ao Tribunal a quo a inserção dos concretos pontos de facto no elenco dos factos provados, resulta incumprido o ónus de impugnação previsto no artigo 640.°, n.° 1, do CPC, o que deverá resultar na rejeição do recurso apresentado pela Recorrente quanto a este segmento;

b) A factualidade elencada pela Recorrente (sob as alíneas a) a j)) não configura factualidade não controvertida, representando, ao invés, factualidade não provada ou não assente, pelo que - sem prejuízo do incumprimento do ónus previsto no artigo 640.° do CPC, que deverá levar à rejeição do recurso neste segmento - não deverá ser alterada a decisão proferida sobre a matéria de facto por esse douto Tribunal, nos termos do artigo 662.°, n.° 1, do CPC.

IV - a) A matéria de facto supra especificada (p. 13) e referidas nas pp. 3 e 4 das alegações, por representar factos que não resultam provados em 1.ª instância, não deverá ser considerada por esse douto Tribunal, nos termos do artigo 662.°, n.° 1, a contrario, do CPC, quer por não resultar de factos tidos como assentes, quer por não resultar da prova produzida, quer por não resultar de qualquer documento superveniente;

b) A atuação da Recorrente foi declarada ilegal por via da sentença a quo, por dois motivos capitais, que resultam...

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