Acórdão nº 1252/21.8T8PVZ.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2023-02-27

Data de Julgamento27 Fevereiro 2023
Ano2023
Número Acordão1252/21.8T8PVZ.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Preferência-Senhorio-1252/21.8T8PVZ.P1
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SUMÁRIO[1] (art. 663º/7 CPC):
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Acordam neste Tribunal da Relação do Porto (5ª secção judicial – 3ª Secção Cível)

I. Relatório
Na presente ação declarativa que segue a forma de processo comum, em que figuram como:
- AUTOR: AA, residente na Rua ..., 2º, Póvoa de Varzim; e
- RÉU: A..., Lda, com sede na Rua ..., r/c, Póvoa de Varzim,
veio o autor formular o seguinte pedido:
a) ser declarado celebrado o contrato de trespasse do estabelecimento comercial da ré, já identificado nos autos, a favor do autor; e consequentemente,
b) ser a ré condenada na entrega ao autor do estabelecimento comercial objeto do trespasse, com todos os bens e direitos que o integram; e ainda,
c) ser o autor notificado para proceder à consignação em depósito da quantia de 25.000,00€, através de depósito autónomo, correspondente ao preço do trepasse, no prazo que for fixado pelo tribunal, a contar do trânsito em julgado da decisão que vier a julgar procedente a presente ação.
Alegou para o efeito e em síntese, que o autor é usufrutuário da fração autónoma designada pela letra “A”, destinada ao comércio, sita no rés-do-chão do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal sito na Rua ..., freguesia e concelho da Póvoa de Varzim, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ..., o qual se encontra descrito na Conservatória do Registo Predial da Póvoa de Varzim sob o nº ....
Por contrato celebrado em 07 de Setembro de 1977, o autor deu de arrendamento à ré, que assim o tomou, o rés-do-chão do prédio em referência, à data ainda não constituído sob o regime da propriedade horizontal – e que atualmente corresponde à referida fração “A” do aludido prédio.
O arrendamento destinou-se ao exercício da atividade comercial da ré que, compreende o comércio de peças e acessórios para veículos automóveis e motorizados e que ainda se mantém em vigor.
Por carta datada de 01 de Julho de 2021, a ré comunicou ao autor que pretendia trespassar o seu estabelecimento comercial, instalado na fração autónoma objeto do contrato de arrendamento, a BB, pelo preço de 25.000,00€ (vinte e cinco mil euros), a ser pago no ato da celebração do contrato de trespasse, que previa realizar no prazo máximo de um mês, notificando o autor para, querendo, exercer o seu direito de preferência relativamente a tal negócio, no prazo de oito dias, sob pena de caducidade.
Nessa sequência, respondeu o autor à ré, por carta registada com aviso de receção, datada de 07 de Julho de 2021, comunicando que pretendia exercer o seu direito de preferência no referido trespasse, nas condições constantes da missiva recebida, solicitando que a ré o informasse da data, hora e local para a celebração do respetivo contrato de trespasse.
Por carta datada de 13 de Julho de 2021, a ré comunicou ao autor que já não pretendia trespassar o estabelecimento comercial em causa.
Considera que nos termos do nº 4 do artigo 1112º do Código Civil o senhorio goza do direito de preferência no trespasse de estabelecimento comercial por venda ou dação em cumprimento. A notificação para preferência efetuada pela ré envolve uma verdadeira proposta contratual que, uma vez aceite, como o foi pelo autor, torna-se vinculativa para a ré.
Conclui que a ré não pode dar o dito por não dito, alegando que já não pretende vender, ou, no caso dos autos, trespassar o estabelecimento comercial, na medida em que a sua proposta se tornou irrevogável por aplicação do art. 230º/1 CC, encontrando-se a ré numa posição de incumprimento, sendo lícito ao autor, exigir que, por decisão judicial, seja reconhecido como celebrado o contrato de trespasse sobre o estabelecimento comercial, bem como, seja a ré condenada na entrega ao autor do estabelecimento comercial objeto de trespasse, com os bens e demais direitos que o integram.
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Citada a Ré contestou, defendendo-se por exceção e por impugnação.
Por exceção suscitou a ilegitimidade ativa do Autor porquanto a qualidade de usufrutuário não lhe confere direito de preferência no trespasse do estabelecimento comercial.
Suscitou, ainda, a ineptidão da petição, com fundamento na impossibilidade do pedido.
Ao autor não lhe assiste o direito de preferência, por ser um mero usufrutuário da fração, situação que era desconhecida da ré, comunicando a ré a preferência no pressuposto de ser o proprietário.
Mais refere que perante a resposta do autor à carta enviada pela ré, verifica-se que na comunicação para o exercício da preferência a ré não refere a listagem do material existente no estabelecimento comercial e a existência ou inexistência de trabalhadores afetos, conforme refere o autor na carta envida à ré e datada de 07/07/2021, condição que o autor referiu que seria imprescindível para a concretização do trespasse, ou seja, a inexistissem de trabalhadores afetos ao estabelecimento comercial.
Não sendo a comunicação efetuada de forma conveniente responde o faltoso pelos danos que resultem da impossibilidade de fiscalização pelo preferente do negócio de trespasse, nos termos dos arts. 798.º e ss. CC, in casu, não ocorreu trespasse e o autor não teve qualquer prejuízo, logo está vedado o direito de peticionar os pedidos formulados na petição.
Invocou, ainda, o abuso de direito, porque o autor na carta enviada à ré, refere que na comunicação enviada da intenção de celebrar contrato de trespasse, não é indicado a listagem do material existente no estabelecimento comercial e a existência ou inexistência de trabalhadores afetos, condição seria essencial para a concretização do negócio.
Há uma contraproposta efetuada pelo autor, mas a comunicação a que a arrendatária está vinculada de comunicação de cedência do estabelecimento comercial, essa comunicação não inaugura um diálogo negocial com possibilidade de troca de propostas e contrapropostas, mas contém os termos concretos e inegociáveis de um negócio relativamente ao qual o preferente apenas pode aceitar ou recusar, não sendo, assim, um convite a contratar; “o notificado não é, no bom rigor das coisas, chamado a preferir: é sim chamado a contratar, se quiser” (Antunes Varela, RLJ, n.º3777, p.363).
Considera que ainda que o usufrutuário tivesse o direito a preferir, não tinha o direito de impor condicionantes para a efetiva concretização do negócio, tinha que indicar se aceitava ou não aceitava as condições do negócio comunicadas, ficar dependente a concretização do negócio com a inexistência de trabalhadores afetos ao estabelecimento comercial, está a renunciar ao direito de preferência e vir intentar a presente ação está a "venire contra factum proprium".
Mais invoca a caducidade do direito porque nos termos do disposto no artigo 1410º do C. C, o autor teria que depositar o preço nos 15 dias seguintes à propositura da ação. Nos autos, não consta qualquer depósito autónomo do depósito do preço.
Por impugnação, alega que o autor respondeu à carta que lhe foi dirigida, mas não aceita que comunicou que “pretendia exercer o seu direito de preferência”, pois, o que consta na missiva é que pretendia exercer o direito de preferência caso o trespasse não implicasse a existência de trabalhadores afetos ao estabelecimento comercial.
A ré na convicção que o autor seria o proprietário da fração de que é arrendatária, por carta datada de 01/07/2021, comunica aquela nos termos do artigo 416 n.º 2, 424 n.º 1 e 1059º n.º 2 todos do C. Civil a sua intenção de traspassar o estabelecimento comercial, indica-lhe o nome do potencial trespassário, preço, condições do negócio, data da realização do contrato e estipula ainda o prazo de na eventualidade de preferir ao negócio comunicar tal intenção sob pena de caducidade do seu direito.
O autor, responde à carta da ré, carta datada de 07/07/22021, não referindo que não é o proprietário da fração, e efetua uma contraproposta, solicitando a listagem do imobilizado existente no estabelecimento comercial e indicando que pretende preferir na eventualidade da inexistência de trabalhadores afetos ao estabelecimento comercial, bem como, a realização do trespasse livre de ónus, encargos, dividas ou responsabilidades contratuais.
Posteriormente, por carta datada de 13/07/2021, a ré comunica ao autor que no momento já não pretende trespassar o estabelecimento comercial.
Quando existe o direito legal de preferência, o que não acontece no caso em apreço, o primeiro momento do direito legal de preferência, ocorre quando o obrigado à preferência decide realizar o negócio, pois o dever de comunicação para preferência resulta da vontade séria do obrigado à preferência a contratar (cf. artigos 416.º e 417.º, do Código Civil).
A comunicação supõe a sua resolução de vontade expressa num projeto concreto (não assentando numa possibilidade em formação e ainda em forma de hipótese), constituído de todos os elementos estruturais e que deverá ser transmitido ao preferente para que possa emitir num prazo curto a sua decisão de preferir ou não.
A comunicação não inaugura um diálogo negocial com possibilidade de troca de propostas e contrapropostas, mas contém os termos concretos e inegociáveis de um negócio relativamente ao qual o preferente apenas pode aceitar ou recusar, não sendo, assim, um convite a contratar. “o notificado não é, no bom rigor das coisas, chamado a preferir: é sim chamado a contratar, se quiser” (Antunes Varela, RLJ, n.º3777, p.363).
Ainda que o autor tivesse o direito a preferir, situação que só por mera hipótese de direito se admite, estava-lhe vedado formular uma contraproposta, como o fez alegando que “o exercício do direito de preferência fica condicionado à inexistência de trabalhadores afetos ao estabelecimento comercial em causa bem como à realização do trespasse livre de quaisquer
Termina por pedir a condenação do autor como litigante de má-fé, em multa e indemnização de valor não inferior a 1.500,00 €.
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