Acórdão nº 125/23.4BESNT de Tribunal Central Administrativo Sul, 20-04-2023

Data de Julgamento20 Abril 2023
Ano2023
Número Acordão125/23.4BESNT
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul
ACÓRDÃO

I-RELATÓRIO

O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA, (doravante DRFP) veio interpor recurso jurisdicional dirigido a este Tribunal tendo por objeto sentença proferida pela Mmª. Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, através da qual julgou procedente a intimação para prestação de informações, apresentada pelo MUNICÍPIO DE CASCAIS, nos termos do disposto nos artigos 104.º e 105.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), aplicáveis por remissão da alínea c), do artigo 2.º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), contra o MINISTÉRIO DAS FINANÇAS, nos termos dos quais o intimou a fornecer a informação relativa ao domicílio fiscal dos arguidos objeto dos pedidos de informação efetuados, no prazo máximo de dez (10) dias.


A Recorrente, apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem:


“52.º

Atento o exposto, não poderá a causa de pedir proceder não só por violar o artigo 64.º da LGT, que impõe o dever de confidencialidade aos dirigentes, funcionários e agentes da AT, a guardar sigilo sobre os dados recolhidos sobre a situação tributária dos contribuintes e os elementos de natureza pessoal que obtenham no procedimento, nomeadamente os decorrentes do sigilo profissional ou qualquer outro dever de segredo legalmente regulado, assim como inexistir norma legal que possibilite a transmissão do solicitado dado ao Município, nos termos da al. b) do n.º 2 da mesma norma.

53.º

Não existe base legal específica para aceder à informação à guarda da AT, designadamente, para acesso ao dado domicílio com a finalidade de instrução de processos de contraordenação, estabelecendo as normas habilitantes para a cessação do dever a aplicação exclusiva no âmbito patrimonial e executivo, em sede de tributos.

54.º

A al. b) do n.º 2 do artigo 64.º da LGT prevê a cessação do dever de sigilo na cooperação legal da administração tributária com outras entidades públicas, na medida dos seus poderes, significando que é imprescindível uma norma específica que ceda à entidade o acesso a informação protegida pelo dever de confidencialidade.

55.º

A norma derrogatória do dever de sigilo fiscal aplicável aos municípios não abrange procedimentos contraordenacionais.

56.º

Ao contrário do defendido na sentença ora em recurso, que recorreu a uma norma geral de auxílio entre entidades para defender a “inexistência de limites, restrições, exceções constitucionais e/ou legais justificativas de recusa da administração em prestar a informação solicitada”, é obrigatório uma norma expressa de acesso aos dados à guarda da AT, estando previstos somente no âmbito executivo.

57.º

A cedência de dados protegidos pelo dever de confidencialidade por parte de um funcionário da AT, sem que exista fundamentação legal que a permita, implica não só responsabilidade disciplinar como responsabilidade criminal para o funcionário que atue em desconformidade com a lei.

58.º

Ademais, existe uma base de dados específica criada para identificar o cidadão perante a Administração Púbica: a Base dados de identificação civil (BDIC), da qual consta o dado morada e que, nos termos do n.º 2 do artigo 27.º Lei n.º 33/99, de 18 de maio, alterada por último pela Lei 32/2017, de 01/06, é reconhecida a possibilidade de acesso por entidades aos dados constantes da BDIC, constituindo atualmente na base mais atualizada.

Nestes termos, e nos demais de direito aplicáveis, e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença ora recorrida por a mesma configurar violação do previsto no artigo 64.º da LGT conjugado com a Lei 58/2019 e 59/2019, de 8 de Agosto, e artigo 26.º, artigo 35.º, n.º 4 e artigo 266.º, todos da Constituição da República Portuguesa, absolvendo a AT do pedido, com as legais consequências.”


***




A Recorrida devidamente notificada apresentou contra-alegações, tendo concluído da seguinte forma:


“1. O Recorrente alega que a sentença está ferida de ilegalidade por configurar violação do previsto no artigo 64° da LGT, sendo a recusa legítima em virtude de não existir norma habilitante específica para fazer cessar o sigilo fiscal, havendo violação da lei substantiva relativa à proteção de dados pessoais ao optar pela sua desaplicação.

2. O Tribunal a quo decidiu acertadamente pela procedência do pedido apresentado pelo Recorrido para obtenção de informações relativas ao domicílio fiscal dos arguidos nos respetivos processos de contraordenação, em razão de existir norma especifica que legitima a derrogação do sigilo fiscal ao abrigo do dever legal de cooperação legal da AT com outras entidades públicas previsto no artigo 64.° n.° 2 al. b) da LGT. Os pedidos encontram-se fundamentados no âmbito dos seus poderes de autoridade administrativa nos termos do disposto nos artigos 41° n.° 2 e 54° n.° 3 do RGCO.

3. O enquadramento legal subjacente aos pedidos de informação resulta do poder conferidos às autarquias locais para instruir e decidir sobre matéria contraordenacional nos termos preceituados no artigo 35° n.° 2 alínea n) do RJAL e do disposto nos artigos 33°, 34°, 41° n.° 2, 47°, 50° e 54° n.° 3 do RGCO

4. Como resulta da sentença, e em nosso entender bem, do acervo legal relativo às atribuições do requerente no âmbito dos processos de contraordenação resulta a necessidade do conhecimento do dado domicílio, sendo o n.° 3 do artigo 54° do RGCO "a norma habilitante que especificamente prevê o acesso aquele citado pessoal, e que e apta a afastar o dever de confidencialidade, nos termos e para os efeitos da alínea b) do n.° 2 do artigo 64°da LGT.

5. Resulta provado que o Recorrido fundamentou os seus pedidos de informação no âmbito dos seus poderes de autoridade administrativa ao abrigo do disposto no n.° 2 do artigo 41°, no n.° 3 do artigo 54° do RGCO e artigo 64° da LGT, não se apresentando como um mero ente administrativo que necessita de informação para prosseguir as suas atribuições e que, como tal, solicita a colaboração da Autoridade Tributária,

6. Com efeito, de pouco serviria ao Recorrido a atribuição de competência específica para conduzir a fase administrativa dos processos de contraordenaçáo, se depois estivesse impedido de levara cabo as diligências necessárias para o efeito, sem dar oportunidade de defesa ao arguido no processo em cumprimento do exigido na Constituição e na Lei.

7. Ao contrário do que insiste em defender o Recorrente, no RGCO existe norma habilitante que confere ao Recorrido o acesso à informação protegida.

8. Acresce que, o seu direito não pode ser limitado nos termos pretendidos pelo Recorrente, nomeadamente, pela obtenção de informação junto de outra entidade, cujos dados também não são de livre acesso, quando, resulta provado que não existe qualquer impedimento legal ao acesso pretendido pela autoridade administrativa através da base de dados da AT.

9. Por outro lado, também não se compreende a que título o Recorrente vem agora pronunciar-se acerca da qualificação do Recorrido como autoridade tributária, uma vez que os pedidos em apreciação não foram efetuados ao abrigo desses poderes, nem no âmbito de processos executivos por si instaurados.

10. Não podendo deixar de lamentar a atuação da AT que, apesar de reconhecer que o CPPT tem norma habilitante para a satisfação dos pedidos de acesso no âmbito da instrução de processos executivos, continua a obrigar o Recorrido a intentar, no âmbito desses processos executivos, sucessivas ações de intimação para prestação de informações com fundamento nas prerrogativas que lhe assistem enquanto autoridade tributária.

11. Não obstante, voltando ao objeto dos presentes autos, encontra-se demonstrado que se encontra expressamente consagrado na lei que, no âmbito dos processos de contraordenação, a câmara municipal tem os mesmos direitos que as entidades competentes para o processo criminal e que ao abrigo do dever de auxílio no âmbito da instrução, poderá a autoridade administrativa solicitar informação sobre o domicílio atualizado dos arguidos à AT.

12. O artigo 41° n.° 1 do RGCO determina a aplicação subsidiária das normas do processo penal ao processo contraordenacional, sendo indiscutível que o processo contraordenacional está estruturado em moldes idênticos ao processo-crime e que os municípios atuam nas vestes de autoridade administrativa. Do artigo 54° n.° 3 resulta um dever de prestação de auxílio entre várias entidades e serviços públicos no âmbito destes processos.

13. Razão pela qual bem andou o Tribunal a quo ao decidir que “á luz do crivo do princípio da proporcionalidade, na ótica da ponderação dos interesses em jogo, não ficam diminuídos os direitos dos contribuintes, na proteção dos dados pessoais, em confronto com o interesse público subjacente à aplicação de contraordenações (...). ” (fls 16 e 17)

14. É inegável que o sigilo fiscal previsto no n.° 1 do artigo 64° da LGT, enquanto expressão do direito à privacidade dos contribuintes, não é absoluto e deve ser derrogado como resposta a outros bens jurídicos igualmente relevantes, na medida necessária para satisfazer o equilíbrio dos interesses em iogo. Veja-se a este propósito o sumário do Acórdão do STA de 16.11.2011, proferido no processo n.° 0838/11.

15. Também resulta evidente que, de forma a assegurar os direitos fundamentais dos arguidos e atendendo ao interesse público subjacente a estes processos, os elementos protegidos pelo segredo fiscal devem ser cedidos na medida do estritamente necessário.

16. Com efeito, no âmbito da instrução dos processos de contraordenação verifica-se que a manutenção do sigilo pela AT revela-se contrária aos interesses e direitos dos respetivos arguidos, impedindo-os de exercerem os seus direitos constitucionais conforme previsto nos artigos 268°, 32° n.°2e 16° da CRP.

17. Acresce que, conforme resulta do n.° 3 do ...

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