Acórdão nº 125/21.9NJLSB.L1-9 de Tribunal da Relação de Lisboa, 22-02-2024

Data de Julgamento22 Fevereiro 2024
Ano2024
Número Acordão125/21.9NJLSB.L1-9
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam, em conferência, na 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

RELATÓRIO
No âmbito do proc. comum coletivo nº 125/121.9NJLSB.L1, que corre termos no Juízo Central Criminal de Lisboa – Juiz 3, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, em que é arguido AA, com sinais identificadores nos autos, efetuado o julgamento, a 05.06.2023 foi proferido acórdão (refª 426399928) com o seguinte dispositivo (transcrição parcial):
«V. Decisão:
1. Pelo exposto, acordam os juízes que constituem o Tribunal Coletivo em julgar a acusação/pronúncia totalmente procedente, por provada, e, em consequência decidem:
1.1 Condenar o arguido AA, pela prática de 1 (um) crime de insubordinação por desobediência, previsto e punível pelo artigo 87.º, n.º 1, alínea g) do Código de Justiça Militar, aprovado pela Lei n.º 100/2003, de 15 de Novembro, na pena de 5 (cinco) meses de prisão.
1.2 Substituir, nos termos do disposto no artigo 17.º n.º 2 do Código de Justiça Militar e do artigo 45.º do Código Penal, a pena de 5 (cinco) meses de prisão, pela pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa, à razão diária de € 10,00 (dez euros), perfazendo um total de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros);
1.3 Condenar o arguido AA, no pagamento de custas criminais, fixando-se a taxa de justiça no valor de 3 UC (arts. 513.º, n.º 1, do CPP, e 8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais, e tabela III anexa a este).
(…)»
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Inconformado com tal acórdão, o arguido dele interpôs recurso (refª 36456717), apresentando em abono da sua posição as seguintes conclusões da motivação, depois de convite a apresentar conclusões, conforme despacho com a refª 429005272 e motivação com a refª 37456117 (transcrição):
«II– DAS CONCLUSÕES
44º
Concluindo, o tribunal recorrido, apreciou e valorou erradamente a prova produzida em sede de audiência de julgamento, interpretando, erradamente conceitos legais, porque por um lado, apesar de ter ficar claramente provado que a BB não era, em termos militares e hierárquicos superior hierárquica do arguido, entendeu, aquele tribunal, que o arguido lhe devia obediência apenas e só por aquela deter uma patente militar superior à patente militar do arguido, o que viola toda a básica relação de subordinação e relação hierárquica militar, ou seja, a relação de subordinação existente entre subordinado
e o correspondente e directo superior hierárquico, pelo que, a ordem dada pela BB, não poderá ser considerada uma ordem legitima, por não ser emanada do superior hierárquico do arguido, conforme aliás já havia sido considerado, com o arquivamento do processo disciplinar proferido pelo Director do ..., motivos pelos quais, não poderia o arguido ser condenado pela prática de um crime de insubordinação por desobediência, por não dever obediência hierárquica à Cap.BB, quer, em termos de subordinação, quer em termos materiais e funcionais.
45º
Cumulativamente, com a violação da relação hierárquica, entre subordinado e superior hierárquico, o tribunal recorrido, jamais, poderia considerar que a ordem dada ao arguido pela BB, seria uma ordem legitima, emanada de superior, por esta ultima,
cfr o alegado não ser superiror hierárquica do arguido e sobretudo por não ser a única responsável pelo encaminhamento dos resíduos que fossem considerados documentos com dados pessoais e com informações médicas dos utentes do ..., uma vez que a BB não tinha, conforme ela própria declarou em sede de audiência de julgamento competência funcional e hieraquica para dar a ordem que deu ao arguido, por os resíduos em causa, não serem resíduos hospitalares comuns, (para os quais a BB era competente) mas sim, por serem documentos com dados pessoais e clinicos dos utentes do hospital, que não se equiparam ao conceito de resíduos comuns hospitalares, cfr é cartão/papel, pelo que, ao contrário do defendido no acórdão recorrido, a entidade que tinha competência para ordenar a eliminação destes documentos com dados pessoais, era apenas e só o departamento de arquivo onde o arguido trabalhava e o seu respectivo superior hierárquico directo ou o superior hieraquico que substituía o superior directo, pelo que, o Tribunal recorrido, errou, claramente, na valoração e interpretação das concretas competências atribuídas à BB, ao entender que esta tinha competência hierárquica e funcional para dar a ordem que deu ao arguido, no exercício legitimo das suas funções, quando, na verdade, quem detinha essa competência hierárquica e funcional era, ao invés, o CC, que foi considerado o superior hierárquico do arguido, enquanto o DD não estivesse presente no ... conforme sucedeu na data dos factos, pelo que, o tribunal recorrido, não valorou correctamente as concretas funções atribuídas à BB, misturando, o conceito de resíduos comuns hospitalares, como é o papel/cartão com o conceito de documentos com dados pessoais e clínicos dos utentes do ... que em função desta diferenciação, tinham formas distintas de eliminação e entidades distintas com competência para odenar a sua eliminação.
46º
Mais, caso o arguido cumprisse a ordem ”ilegítima” (por não ter competência funcional e não exisitir relação hierárquica com o arguido) da BB, que lhe ordenou que depositasse os documentos pessoais que o arguido pretendia levar para destruir na central de resíduos do hopsital, estaria, nesse caso, efectivamente a incumprir a ordem e instrução que havia recebido do seu superior hierárquico, DD, que além de ter ordenado a retirada do papel do arquivo do hospital, deu a especifica instrução para o arguido presenciar a sua destruição, facto este, que a BB se recusou a fazer, pelo que, seria o arguido acusado, igualmente, da prática do crime de insubordinação, por desobediência, por se ter recusado a cumprir a ordem e a instrução dada pelo seu superior hierárquico, deixando, os documentos pessoais no deposito de resíduos comuns do Hospital, estando, neste caso, o arguido perante um claro conflito de interesses, que adveio de um facto que não poderá ser imputável ao arguido, por omissão regulamentar da parte do ..., que à data, não dispunha de qualquer norma regulamentar sobre a matéria em causa, o que levou a que o arguido sentisse a necessidade de pedir ao seu superior hierárquico para assinar uma manifestação de interesses sobre a necessidade de desmaterialização dos documentos pessoais e clínicos dos utentes do hospital, uma vez que a única norma regulamentar que existia no hospital era para a eliminação de resíduos comuns.
47º
Em face do exposto, não poderia o tribunal recorrido considerar que a ordem emanada pela BB, seria uma ordem legitima quanto à sua origem, por ter sido emanada por militar pertencente a outro departamento do hospital, que respondia a cadeias de comando diversas, inexistindo, qualquer relação hierárquica entre ela e o arguido, sendo, ambos, inclusivamente, de forças militares diversas uma vez que o arguido é militar da Marinha e a BB é militar do exército, motivos pelos quais, não poderia o Tribunal recorrido considerar que o arguido tinha o dever de obediência à ordem dada pela BB, violando, assim, o tribunal recorrido, de forma clara e evidente o disposto no do artigo 12º do Regulamento de Disciplina Militar que prevê que o dever de obediência do militar consiste em cumprir, completa e prontamente, as ordens e instruções emanadas de superior hierárquico, o que conforme o exposto não sucedeu “In casu”, porque além do mais, o arguido não violou, também, o dever de zelo previsto no artigo 17º nº2 al. b) do RDM, devendo, nesta matéria, o douto Tribunal da Relação revogar o acórdão recorrido, por valorar erradamente a prova produzida e laborar em erro na interpretação dos factos e na aplicação do direito, absolvendo-se, o arguido da prática do crime de que vem condenado, por não se verificarem os seus pressupostos e requisitos legais, fazendo-se, assim, JUSTIÇA, conforme é apanágio do Tribunal da Relação de Lisboa.
Termos em que,
Atento os factos e os motivos invocados,
Deverá ser admitido o presente recurso, o qual, deverá ser considerado procedente, revogando-se em conformidade o Acordão recorrido, absolvendo-se o arguido da condenação de um crime de insubordinação por desobediência, p. e p. pelo art. 87º, nº 1, al. g) do Código de Justiça Militar, aprovado pela Lei nº 100/2003, de 15 de Novembro, fazendo, assim, JUSTIÇA!».
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O recurso interposto pelo arguido (depois de completada a motivação com as conclusões) foi admitido a subir de imediato, nos próprios autos e com efeito suspensivo (cfr. despacho com a refª 430019902).
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O Ministério Público junto do tribunal onde foi proferido acórdão sob recurso, por seu turno, apresentou contra-alegações (refª 37880305), sem apresentar conclusões, sustentando o seguinte (transcrição parcial):
«(…)
O Tribunal fez a apreciação da prova de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, que tem expressão no artigo 127º do Código de Processo Penal, aplicável ex vi artigo 107,º do Código de Justiça Militar.
Tal princípio impõe, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a apreciação da prova segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador, sendo que a valoração da prova feita pelo recorrente em sentido diverso do que lhe foi atribuído pelo julgador não constitui, só por si, fundamento para se concluir pela sua errada apreciação.
A este respeito da livre apreciação da prova, afirma Maia Gonçalves "(... ) como uniformemente expendem os autores, livre apreciação de prova não se confunde de modo algum com apreciação arbitrária da prova nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova; a prova livre tem como pressupostos valorativos a obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica”1.
Nesta esteira segue Marques Ferreira quando refere que " (... ) livre apreciação ou apreciação nunca poderá confundir-se com apreciação
...

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