Acórdão nº 1245/23.0T8VRL-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 24-04-2024

Data de Julgamento24 Abril 2024
Número Acordão1245/23.0T8VRL-A.G1
Ano2024
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I - Relatório

AA, residente na Rua ..., ..., ..., ..., veio requerer contra BB, residente na mesma morada, como incidente da acção de divórcio, o arrolamento de bens comuns do casal, alegando, para o efeito que agora nos interessa, que o requerido, visando ocultar a existência da viatura automóvel de marca ..., modelo ..., de matrícula ..-TO-.., como fazendo parte do elenco dos bens comuns a partilhar após a dissolução do casamento, transferiu a sua titularidade para o nome de um seu amigo, CC, apesar de ser o requerido a deter a sua posse.
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Proferida decisão, foi julgado procedente o procedimento cautelar e, em consequência, ordenou-se o arrolamento do saldo da conta bancária e dos veículos indicados pela requerente no art.º 10.º do seu requerimento inicial.
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II- Objecto do recurso

Não se conformando com a decisão proferida, veio o requerido interpor recurso, juntando, para o efeito, as suas alegações, e apresentando, a final, as seguintes conclusões:

1ª) O recurso vem interposto da douta decisão que, julgando procedente o procedimento cautelar, ordenou o arrolamento do saldo da conta bancária e dos veículos indicados pela requerente no artigo 10º do seu requerimento inicial.
2ª) O presente recurso versa apenas sobre matéria de direito, pretendendo o recorrente a revogação da decisão recorrida na parte em que determinou o arrolamento do veículo automóvel com a matrícula ..-TO-.., pois a matéria de facto provada e a lei a aplicar impõem outra decisão.
3ª) Da factualidade provada, na parte que interessa ao recurso, resulta o seguinte:
a) Requerente e requerido contraíram casamento católico, sem convenção antenupcial, no dia 23 de Setembro de 1970.
b) No dia ../../2023 o requerido instaurou ação de divórcio contra a requerente fundada em alegada separação de cama e mesa cerca de quatro anos, bem como na existência de discussões diárias entre o casal.
f) No dia 27/04/2023 o requerido transferiu para a titularidade de CC, testemunha por si arrolada nos autos principais, a viatura automóvel marca “...”, Modelo ..., matrícula ..-TO-.., a qual se encontrava registada a seu favor desde ../../2018”.
4ª) A Mma Juiz a quo refere que aquele bem presume-se comum – cfr. fundamentação de direito, último parágrafo.
Posto isto,
5ª) A lei processual prevê duas espécies de arrolamentos: os especiais previstos no artigo 409º do CPC e os contemplados nos artigos 403º e ss do CPC.
6ª) O arrolamento de bens como preliminar da acção de divórcio apenas pode abranger os bens comuns ou os bens próprios sob a administração do outro cônjuge, não podendo abranger bens de terceiro.
7ª) O veículo ..-TO-.. tem registo a favor de CC, o que, nos termos do artigo 7º, n.º 1 do CRP, aplicável ex vi artigo 29º do DL 54/75, de 12 de Fevereiro, constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito.
8ª) Pelo que, in casu, o arrolamento não pode ser dependência de uma acção de divórcio, mas antes dependência de uma acção em que se discuta a titularidade desse bem com esse terceiro e, consequentemente, a recorrida devia ter proposto o arrolamento previsto nos artigos 403º e ss do CPC e não, como fez, o arrolamento especial previsto no artigo 409º do CPC.
9ª) Sendo este o entendimento sufragado por inúmera jurisprudência sobre esta questão, indicando-se, a título exemplificativo, o Ac. RL n.º 15981/19. 2 T8SNT-A.L1-2, de 27.05.2021, em www.dgsi.Net, que refere o seguinte:
“Uma acção de divórcio não tem por objecto a discussão da propriedade de bens que estão registados em nome de terceiro. Pelo que um arrolamento de bens registados em nome de uma sociedade não pode ser dependência de uma acção de divórcio”.
“O arrolamento desses bens terá de ser dependência de uma acção em que, sob alguma forma, se diga que esses bens devam ser considerados como bens comuns, tendo por base uma ou mais de várias causas de pedir possíveis e esse terceiro terá de ser parte nesse processo. E no arrolamento ter-se-á que demonstrar a viabilidade dessa acção (art. 405/1, parte final, do CPC)”.
“Ou seja, o arrolamento de bens registados em nome de terceiro é possível, mas como dependência de uma acção em que discuta essa propriedade, pelo que esse arrolamento é o previsto no art. 403º do CPC e não o arrolamento especial previsto no art. 409/1 do CPC.”.
“Aliás, materialmente não teria qualquer justificação que se permitisse o arrolamento de bens de terceiro, num arrolamento especial em que esse terceiro nem sequer fosse parte e onde nem sequer se exige a alegação e prova do 2º requisito dos arrolamentos normais, nem da viabilidade da acção principal (autores e obra citados, pág. 199)”.
“Aplicando ao caso dos autos, a requerente, se pretendia arrolar bens de uma sociedade que adquiriu bens que eram do casal, teria de impugnar a aquisição, deduzindo factos que tornassem provável a procedência da impugnação, numa acção principal, onde, grosso modo, pedisse que esses bens fossem tidos como bens comuns do casal, em consequência da impugnação da transmissão (da nulidade da mesma ou da sua anulabilidade, eventualmente mesmo da sua ineficácia), pedindo que teria de ser formulado contra a sociedade e cuja viabilidade a requerente teria de demonstrar (artigo 405/1 do CPC)”.
10ª) Assim sendo, como dependência de um processo de divórcio, o arrolamento daquele veículo não podia ter sido deferido.
11ª) A douta decisão recorrida violou, além de outras, as disposições legais dos artigos 409º do CPC, 350º do CC e 7º, n.º 1 do CRP, aplicável ex vi artigo 29º do DL 54/75, de 12 de Fevereiro.
12ª) Nestes termos e conforme o direito, o recurso deve ser julgado procedente e, em consequência, ser revogada a douta decisão recorrida na parte em que determinou o arrolamento do veículo automóvel com a matrícula ..-TO-.., determinando-se o levantamento do arrolamento sobre esse bem, assim se cumprindo a Lei e se fazendo Justiça.
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A parte contrária veio apresentar as suas contra-alegações pugnando pela improcedência do recurso.
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Recebido o recurso, foram colhidos os vistos legais.
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III - O Direito

Como resulta do disposto nos artos. 608º., nº. 2, ex vi do artº. 663º., nº. 2, 635º., nº. 4, 639.º, n.os 1 a 3, 641.º, n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil (C.P.C.), sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem das conclusões que definem, assim, o âmbito e objecto do recurso.
Deste modo, e tendo em consideração as conclusões acima transcritas cumpre apreciar e decidir se é de manter o arrolamento decretado quanto ao veículo registado em nome de terceiro.
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Fundamentação de facto

Factos Provados

a) Requerente e requerido contraíram casamento católico, sem convenção antenupcial, no dia 23 de Setembro de 1970.
b) No dia ../../2023 o requerido instaurou acção de divórcio contra a requerente fundada em alegada separação de cama e mesa há cerca de quatro anos, bem como na existência de discussões diárias entre o casal.
c) No dia 21-04-2023 o requerido procedeu ao levantamento em numerário, da conta titulada por ambos os cônjuges no Banco 1..., conta n.º ...05, do montante de € 25.000,00.
d) No dia 14-04-2023 o requerido procedeu ao levantamento em numerário, da conta à ordem, co-titulada por ambos os cônjuges na Banco 2.... – ..., com o n.º ...00, da quantia de € 18.900,00.
e) No dia 17-05-2023 procedeu o requerido ao levantamento em numerário, da conta à ordem de que ambos os cônjuges são titulares na Banco 2.... - ..., com o n.º ...00, da quantia de € 30.000,00.
f) No dia 27/04/2023 o requerido transferiu para a titularidade de CC, testemunha por si arrolada nos autos principais, a viatura automóvel marca “...”,...

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