Acórdão nº 124/23.6T8VRL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 2023-09-14

Ano2023
Número Acordão124/23.6T8VRL.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

As Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam no seguinte

ACÓRDÃO

I. Relatório:

AA e mulher BB instauraram o presente procedimento cautelar de ratificação de embargo extrajudicial de obra nova contra CC e DD, no qual:

1. Os requerentes:
1.1. Pediram a ratificação do embargo extrajudicial efetuado com efeitos retroativos às 9 horas e 30 minutos do dia 9 de janeiro de 2023.
1.1. Alegaram, para o efeito:
* Que são donos e legítimos proprietários de 1/5 de um prédio rústico composto de cultura, pastagem e mato, designado de “A...”, a confrontar de Norte com EE, de Sul com FF, de Nascente com GG e de Poente com caminho, inscrito na matriz respetiva da União de Freguesias ..., ... e ... sob o artigo ...92.º e ainda de um prédio urbano composto de casa de ... e andar, sito na ..., em ..., a confrontar de norte com Rua ..., de Sul e Nascente com caminho público e de Poente com HH, inscrito na matriz respetiva da União de Freguesias ..., ... e ... sob o artigo ...33.º.
* Que ambos os prédios são abastecidos de água explorada e coletada numa propriedade de uma irmã e cunhado do Requerente marido (artigo rústico ...98.º da freguesia ..., ... e ...) e depois conduzida àqueles prédios e à casa de habitação da irmã e cunhado do Requerente marido, captação subterrânea essa que legalizaram e concretizaram através do licenciamento junto à Administração da Região Hidrográfica do Norte, I.P., em 13 de Junho de 2011, da abertura de um poço e da condução da água através de tubagem soterrada no solo, obras nas quais despenderam quantia superior a 30.000,00 € (trinta mil euros).
* Que em 9 de Janeiro de 2023 pelas 9 horas e 30 minutos o Requerido marido, com recurso a uma retroescavadora, dirigiu-se com outras pessoas ao prédio rústico com o art.º ...98.º da União de Freguesias ..., ... e ... e pretendia demolir a estrutura de captação de águas existente naquele prédio e posteriormente encaminhar as águas para um prédio de sua pertença situado a Sul daquele, alegando para o efeito terem uma ordem judicial; que desde o interior do seu terreno e em direção ao terreno onde se encontra coletada a água usada pelos Requerentes em manilhas de cimento justapostas na vertical, com recurso à dita retroescavadora começaram a escavar o solo visando alcançar a estrutura de cimento onde são armazenadas as águas, situada numa cota superior em relação ao terreno onde foi iniciada a escavação.
* Que, então, o Requerente marido, acompanhado do advogado Dr. II e de duas testemunhas, se dirigiu ao Requerido marido e notificou-o verbalmente para parar imediatamente com os trabalhos em curso, o que este fez.
* Que têm receio de que os Requeridos retomem os trabalhos de demolição, o que causará prejuízos aos Requerentes que ficarão privados de continuar a utilizar e fruir a água ali nascente.

1.2. Determinada a audição dos Requeridos estes, regularmente citados, deduziram oposição, na qual:
a) Invocaram a ilegitimidade ativa dos requerentes por entenderem: que os mesmos não eram titulares do direito de propriedade ou de outro direito real sobre o prédio denominado “L...” inscrito na matriz predial rústica da União das Freguesias ..., ... e ... sob o artigo ...98.º, como entenderam ter sido confessado no requerimento inicial, por a mesma propriedade ser da irmã e do cunhado do Requerente marido, JJ e KK; que não são titulares do direito de propriedade ou qualquer outro direito real sobre as águas existentes no referido prédio.
b) Invocaram a caducidade do procedimento.
c) Defenderam a improcedência do procedimento, impugnando a matéria de facto alegada pelos Requerentes e alegando: que o licenciamento e obras para captação/condução de águas no prédio denominado “L...” foram realizadas por LL e marido KK, os quais foram, de resto, Réus na ação de processo sumário intentado pelos Requeridos, na qual aqueles foram patrocinados pelo Senhor Dr. II e no âmbito da qual o Requerente marido foi ouvido na qualidade de testemunha, tendo corrido seus termos pela Instância Local Cível ... – Juiz ... com o n.º 893/11....; que na referida ação judicial LL e o marido foram condenados, além do mais, a abster-se de praticar quaisquer atos que prejudicassem o direito dos ali Autores, aqui Requeridos, a explorar águas subterrâneas no referido prédio “L...”; que transitada em julgado a sentença, foi intentada a ação executiva da sentença com o n.º 255/17.... do Tribunal de Execução ..., Comarca ..., no âmbito da qual – novamente patrocinados pelo Senhor Dr. II e arrolando como testemunha o aqui Requerente marido, após oposição à execução e recursos, foi realizada perícia para determinação das obras necessárias a repor o direito dos ali exequentes, ora Requeridos sobre as águas em causa e a determinar o respetivo curso; que até em 22 de Outubro de 2022 os Requeridos informaram o Tribunal de que iam mandar fazer, por terceiro, as obras e trabalhos considerados necessários e adequados a repor o seu direito sobre as águas e, notificando por ordem do Tribunal o mandatário dos executados, Senhor Dr. II, da realização das obras em 9 de Janeiro de 2023, foram surpreendidos, ainda dentro do próprio prédio, pelo Requerente marido e pelo referido Senhor Advogado, e foram notificados verbalmente para parar imediatamente com os trabalhos em curso, ficando a obra embargada – o que o Requerido marido fez.
d) Terminaram pedindo a declaração de improcedência do procedimento, por não provado, e a condenação dos requerentes como litigantes de má-fé por alterarem a verdade dos factos com o propósito de deduzir uma pretensão cuja falta de fundamento não ignoravam, entendendo que deveria fixar-se multa e uma indemnização a favor dos requeridos em montante não inferior a 1.250,00 € (mil duzentos e cinquenta euros).
3. Procedeu-se à audiência.
4. Proferiu-se sentença, que julgou improcedente o pedido de ratificação de embargo de obra nova.
5. Os requerentes interpuseram recurso, no qual apresentaram as seguintes conclusões:
«A- O embargo de obra nova, como providência cautelar que é, visa apenas acautelar o efeito útil da acção que tenha por fundamento o direito, ofendido ou ameaçado do embargante.
B- No que concerne à titularidade do direito, em sede de providência cautelar não é necessário que a prova produzida fundamente um juízo de certeza, bastando que permita formular um juízo de verosimilhança ou de forte probabilidade acerca dessa titularidade.
C- O decretamento de certa providência cautelar depende, em regra, da verificação cumulativa de dois requisitos: a existência (provável) de um direito e o dano ou perigo de dano desse direito, sendo este requisito directamente correspondente a cada tipo especial de providência.
D- Ao embargo de obra nova não resulta a aplicação de um dos requisitos do procedimento cautelar comum, o periculum in mora, ou seja, a necessidade de o requerente alegar e provar indiciariamente o fundado receio de que o seu direito sofrerá lesão grave e de difícil reparação, se não for de imediato tutelado pela providência peticionada. Na verdade,
E- O prejuízo não carece de valoração autónoma, pois de alguma forma já está ínsito na ofensa do direito, e o prejuízo consiste exactamente nessa ofensa, não sendo necessário alegar a existência de perdas e danos, por o dano ser jurídico. Desde que o facto tem a feição de ilícito, porque contrário à ordem jurídica concretizada num direito de propriedade, numa posse ou fruição legal, tanto basta para que haja de considerar-se prejudicial para efeitos de embargo de obra nova - cfr. Alberto dos Reis, CPC Anotado, Vol. 2°, p. 63 e segs.; Moitinho de Almeida, Embargo ou Nunciação de Obra Nova, p. 30; Ac. RC de 8/01/91, C.J. 1°,42 e Ac. RE de 29/11/2001, CJ, 5°,253.
F- Com efeito, admitir-se a adopção da posição contrária e defender-se a exigibilidade de uma qualquer demonstração qualitativa dos prejuízos sofridos pelos apelantes, decorrentes do comportamento abusivo dos apelados, significaria, naprática, determinar o proprietário a assistir, serenamente, àinvasão da sua propriedade por um terceiro, que estaria, pelo menos até ao trânsito em julgado da decisão dos autos principais, perfeitamente legitimado a aí permanecer e edificar o que bem entendesse.
G- Tal posição redundaria, obviamente, numa manifesta violação do direito fundamental à propriedade privada, constitucionalmente garantido e consagrado (art° 62° da CRP, que o Código Civil bem define no art° 1305°, eliminando, sem mais, a possibilidade de quem quer que seja, que não o proprietário, a usar exclusivamente do bem) e bem assim do princípio da segurança jurídica (art° 2° da CRP).
H- O requisito do receio de "lesão grave e dificilmente reparável", previsto no art. 362° nº 1 do CPC para as providências cautelares não especificadas, não é aplicável às providências especificadas,designadamenteaoembargo deobranova (art° 376° n° 1 e 397° n° 1 do CPC).
I- Os procedimentos cautelares devem ser articulados de forma simples, sumária e concisa, só assim se justificando a sua natureza, que é urgente.
J- No caso “sub judice”, dada a matéria de facto considerada como assente, outra deveria ser a decisão, ou seja, deveria o tribunal a quo ter decretado a ratificação do embargo extrajudicial dirigido aos Requeridos em 9 de Janeiro de 2023, pois daqueles factos provados resulta de forma indiciária quer a titularidade do direito dos apelantes quer o prejuízo causado pela pretendida acção dos apelados tal qual preceitua a disciplina contida no nº 1 do artigo 397º do C.P.C.
K- Ao decidir-se como se decidiu, foi violada, por errada interpretação, a disciplina referente ao embargo de obra nova, nomeadamente, a prevista no artº 397° do CPC e bem assim, a disciplina dos art°s 1251º e 1305° do C.C. e 62° e 2° da C.R.P.
L- Razão pela qual deverá a decisão ser revogada e substituída por outra em que se decida pelo decretamento da ratificação...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT