Acórdão nº 124/14.7YELSB-A.L1-5 de Tribunal da Relação de Lisboa, 07-06-2022

Data de Julgamento07 Junho 2022
Ano2022
Número Acordão124/14.7YELSB-A.L1-5
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam, em conferência, na 5.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I. Relatório
1. Em 26 de maio de 2020, o Ministério Público deduziu acusação contra os arguidos ... (aqui recorrente) e ..., para julgamento perante tribunal singular, fazendo uso do disposto no n.º 3 do artigo 16.º do CP.
Nessa peça, imputou ao arguido ... «um crime de violação das regras de segurança agravado pelo resultado morte, previsto e punido pelos artigos 152.º-B, n.ºs 1 e 4, alínea a), e 14.º, n.º 3, ambos do Código Penal (praticado contra ...), e um crime de violação de regras de segurança previsto e punido pelos artigos 152.º-B, n.º 1, e 14.º, n.º 3, ambos do Código Penal (praticado contra ...), ambos os ilícitos por referência ao disposto nos artigos 66.º, 67.º, 68.º e 81.º do Decreto-Lei n.º 418251/58, de 11 de Agosto; nos artigos 5.º, n.ºs 2 a 4, 6.º, 7.º e 20.º, alíneas d) e g), do Decreto-Lei n.º 273/2003, de 29 de Outubro; nos artigos 3.º, alínea g), e 14.º, alíneas b), c), d) e h) da Lei n.º 31/2009, de 3 de Julho; no artigo 16.º, n.º 2, alíneas a) e d), e n.º 3 da Lei n.º 102/2009, de 10 de Setembro; e no artigo 36.º da Lei n.º 19/2007, de 22 de Maio».
Por seu turno, o arguido ... foi acusado da prática, como autor, de «um crime de violação de regras de segurança agravado pelo resultado morte, previsto e punido pelos artigos 152.º-B, n.ºs 1 e 4, alínea a), e 14.º, n.º 3, ambos do Código Penal (praticado contra ...), um crime de violação de regras de segurança, previsto e punido pelos artigos 152.º-B, n.º 1, e 14.º, n.º 3, ambos do Código Penal (praticado contra ...) com referência ao disposto nos artigos 66.º, 67.º, 68.º e 81.º do Decreto-Lei n.º 4182/58, de 11 de Agosto; e no artigo 20.º, alínea d), do Decreto-Lei n.º 273/2003, de 29 de outubro».
2. Remetidos os autos a juízo, procedeu-se a audiência de julgamento, no decurso da qual, em sessão de 3 de setembro de 2021, foi proferido despacho, através do qual foi comunicada «alteração substancial dos factos descritos na acusação (a bold) nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 359.º e 358.º, n.ºs 1 e 3, do Código de Processo Penal e alteração da qualificação jurídica». Consubstanciando essa comunicação, procedeu-se à enunciação de um elenco de factos, culminando com a seguinte menção:
«Em face da prova produzida o tribunal julga imputável aos arguidos o crime de infracção de regras de construção p.p. pelos artigos 10º, 277º/1 al. a) e n.º 2 e art.º 285º, todos do Código Penal»
3. Fixado prazo concedido aos sujeitos processuais para se pronunciarem «nos termos e para os efeitos do previsto pelo art.º 359.º/2 e 3 do C.P.P. e 358/1 e 3 e sem prejuízo do disposto no art.º 16º/3 do CPP», o Ministério Público apresentou requerimento, no qual deu o seu acordo à continuação do julgamento «relativamente [aos] factos ora aditados», requereu, ao abrigo do disposto n.º 3 do artigo 16.º do Código de Processo Penal (CPP), o julgamento dos arguidos com intervenção do tribunal singular, e ainda que, caso os arguidos não dessem o seu acordo à continuação do julgamento, fosse determinada «a extracção de certidão de todo o processado e a sua remessa ao DIAP de Lisboa».
Por seu turno, a defesa do arguido ... declarou não se opor à continuação do julgamento relativamente aos factos aditados.
Diferentemente, o arguido ... apresentou requerimento, nos termos do qual deduziu oposição à continuação do julgamento pelos factos comunicados, opondo-se igualmente «à extração da certidão requerida pelo Ministério Público por ofensa ao previsto no n.º 2 do artigo 359.º do CPP».
4. Em 21 de setembro de 2021, foi proferido o despacho recorrido, nos termos do qual o tribunal recorrido determinou «que se extraia certidão integral dos autos e se remeta ao DIAP de Lisboa para instauração de procedimento criminal contra o arguido ...».
5. Ato seguido, procedeu-se à leitura da sentença, nos termos da qual foram os dois arguidos absolvidos dos crimes por que foram acusados e o arguido ... absolvido da prática de um crime de infração de regras de construção p. e p. pelos artigos 277.º, n.ºs 1, alínea a) e 2, e 285.º, ambos do Código Penal (CP).
6. Inconformado, por requerimento apresentado em 21 de outubro de 2021, o arguido ... veio interpor recurso para esta relação do despacho proferido em 21 de setembro de 2021, referido supra. Extraiu da motivação as seguintes conclusões:
«- Objeto
A. O presente recurso tem por objeto a decisão contida no despacho judicial datado de 21.09.2021, de autonomização de factos novos e extração de certidão integral dos autos e remissão ao DIAP de Lisboa para instauração de procedimento criminal contra o Arguido ... por estes factos.
[...]
- Da ilegalidade do despacho recorrido
− dos factos que não são novos e daqueles que, embora sendo novos, não implicam uma alteração substancial
F. A 03.09.2021, foi comunicada pelo Tribunal a quo alteração substancial de factos.
G. Todas as alterações realizadas ao elenco de factos constante da Acusação foram configuradas pelo Tribunal a quo como factos novos que implicam uma alteração substancial.
H. Sucede, porém, que, além dos factos novos que implicam uma alteração substancial do objeto da acusação, o despacho recorrido refere alterações em que claramente há:
a. Factos que na realidade não são novos;
b. Factos que, embora sendo novos, não implicam uma alteração substancial, e que, por isso, deveriam ter sido tidos em conta no processo em curso, nos termos do disposto no artigo 358.º do CPP.
I. Como é evidente, e diga-se, desde já, a abertura de novo inquérito sobre tais factos (referidos nos pontos 15 a 18 do presente recurso) – que não são sequer novos, quanto mais autonomizáveis – constituiria uma violação do princípio ne bis in idem, plasmado no artigo 29.º, n.º 5, da CRP.
− Dos factos não constantes da acusação que impliquem alteração substancial dos factos
J. Só quanto aos factos verdadeiramente novos (citados no ponto 19 do presente recurso), que implicam a alteração substancial dos factos descritos na acusação, cabe aferir da possibilidade de autonomização, para efeitos do disposto no artigo 359.º, n.º 2, do CPP. São eles:
«Ao não dar a ordem para inclinar a vala com um talude a 45º ou mandar proceder à entivação da vala nas frentes de escavação, sabia que não estava a cumprir com as regras de construção aplicáveis ao caso e que não garantia a estabilidade do terreno e dos blocos de fundações existentes durante a fase de escavação;
Com tal conduta, o arguido ... sabia que incumpria o estabelecido no Plano de Segurança e Saúde para a fase de projecto no que concerne ao seu desenvolvimento e especificação na fase de obra; no entanto, não adoptou nenhuma das medidas de segurança que se impunham face ao risco de soterramento existente – taludes a 45.º (quarenta e cinco graus) ou entivação;
Ao infringir as regras de construção supra referidas o arguido ... não impediu o perigo para a vida ou perigo de grave ofensa para o corpo e a saúde dos trabalhadores, porquanto não se assegurou da estabilidade das pedras de fundação encontradas, tendo sujeitado os trabalhadores a tais perigos;
O arguido ... não representou como possível que, ao agir da forma descrita não ordenando a entivação da vala nas frentes de escavação, nem a sua inclinação em talude a 45º, tal poderia conduzir ao desmoronamento de terras e poderia causar a morte ou lesar gravemente a integridade física dos trabalhadores que ali exerciam funções, como ocorreu.
K. São factos que se referem, em exclusivo, ao elemento subjetivo do tipo de crime.
L. A acusação enfermava, ab initio, de insuficiências e contradições insanáveis de alegação de factos que suportassem o tipo subjetivo. Mesmo que o Ministério Público tivesse acertado no crime em causa, sempre faltariam os elementos constitutivos desse ou de qualquer outro tipo de crime, porquanto a alegação da Acusação em matéria de tipo subjetivo é um «nado morto» ostensivo que o Tribunal a quo tentou - não apenas refundar, mas ostensivamente fundar ab initio.
M. Insuficiências estas que tornaram impossível o exercício do direito de defesa quanto aos mesmos por parte do Arguido, constituindo a nulidade prevista no n.º 3 do artigo 283.º do CPP.
N. Tal como resulta da jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça:
«Ora, a consabida razão de ser do regime que decorre das normas dos artigos 1.º, alínea f), 358.º e 359.º situa-se num plano diverso, que tem como pressuposto que na acusação, ou na pronúncia, se encontravam devidamente descritos os factos que integravam, quer todos os elementos do tipo objectivo de ilícito, quer todos os elementos do tipo subjectivo de ilícito, respeitantes ao tipo de ilícito incriminador pelo qual o arguido fora sujeito a julgamento.
Por isso, a ausência ou deficiência de descrição na acusação dos factos integradores do respectivo tipo de ilícito incriminador – no caso, descrição dos factos atinentes aos elementos do tipo subjectivo de ilícito – conduz, se conhecida em audiência, à absolvição do arguido.»
O. Assim, a única consequência admissível a sua absolvição pura e simples do Arguido, e não a tentativa, levada a cabo pelo Tribunal a quo, de sugerir ao Ministério Público que o acuse novamente pelos mesmos factos.
P. Ainda que assim não fosse, o que não se concede, estes factos – só relativos ao tipo subjetivo – estão de tal forma interligados com o objeto do atual processo, que não podem ser extraídos isoladamente por forma a que se conclua pela prática de ilícito sem que se conheça dos factos fundamentais do objeto da Acusação – designadamente os correspondentes o tipo objetivo de ilícito.
Q. Além do mais, é incompreensível a invocação no despacho ora recorrido da doutrina do concurso ideal de infrações para decidir pela autonomização dos factos em causa.
R. O crime de violação de regras de segurança (p. e p. pelo artigo
...

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