Acórdão nº 1235/18.5T8VFR.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 26-09-2022

Data de Julgamento26 Setembro 2022
Ano2022
Número Acordão1235/18.5T8VFR.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo n.º 1235/18.5T8VFR.P1
Origem: Comarca do Porto – Juízo Local Cível de Santa Maria da Feira – J1.
Relator: Des. Jorge Seabra
1º Juiz Adjunto Desembargador: Pedro Damião e Cunha
2º Juiz Adjunto Desembargadora Maria de Fátima Andrade
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Sumário (elaborado pelo Relator):
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Acordam, os juízes que compõem o presente colectivo, no Tribunal da Relação do Porto:

I. RELATÓRIO:
1. AA, divorciado, residente em Rua ..., freguesia ... Maior, concelho de Santa Maria da Feira, intentou a presente acção declarativa de processo comum contra BB, casado, residente na Rua ..., ..., freguesia ..., concelho de Vila Nova de Gaia, pedindo que sejam anulados os testamentos outorgados em 30-07-2015 e em 19-04-2016, ambos no Cartório Notarial CC, sito na freguesia ..., concelho de Santa Maria da Feira, pela mãe do Autor e Réu.
Alega, para o efeito, em síntese, que a testadora sofria, desde 2011, de diversas patologias, tendo o seu quadro clínico se agravado substancialmente nos finais de 2014, inícios de 2015, agudizando-se a partir de então, de forma que ficou com dificuldades em se verbalizar, tinha falhas de memória e não conhecia o valor do dinheiro, demonstrando ter alucinações.
Neste contexto, aquando da celebração dos testamentos, a testadora, DD, não tinha capacidade de querer e entender o respectivo conteúdo e alcance dos testamentos em que outorgou e face ao quadro clínico que então apresentava.
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2. Regularmente citado, o Réu ofereceu contestação, na qual impugna os factos alegados e sustenta que à data da outorga dos testamentos a testadora DD estava consciente do que, efectivamente, estava e queria fazer, encontrando-se em perfeitas condições de entender o sentido de declaração e de exercer, de forma livre, o poder de dispor dos seus bens, como fez através dos ditos testamentos.
Conclui, assim, pela improcedência da acção, por não provada, e consequente absolvição do pedido.
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3. Por despacho constante de fls. 26 a 27v (p.p.) fixou-se o valor da causa, elaborou-se despacho saneador – onde se atestou da regularidade da instância -, determinou-se o objecto do litígio, os temas da prova e a programação dos actos a realizar na audiência final.
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4. Procedeu-se à audiência de julgamento, vindo, a final, a ser decretada a procedência da acção, declarando-se anulados os aludidos testamentos e sendo o Réu condenado a tal reconhecer.
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5. Inconformado, veio o Réu interpor recurso de apelação, oferecendo alegações e deduzindo a final as seguintes
CONCLUSÕES
1º Salvo o devido respeito, a douta sentença recorrida não apreciou devidamente a prova, quer a produzida em audiência de julgamento, quer a vasta prova documental junta aos autos, nem subsumiu correctamente a matéria de facto provada nos autos às normas jurídicas aplicáveis.
2º- No que se refere à factualidade dada como provada nos pontos 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 27, 30, 31, 33 dos factos dados como provados e cuja alteração se pretende, com especial relevância concretamente sobre o estado de saúde da testadora e a capacidade de entendimento aquando a outorga dos testamentos, o Tribunal “a quo” valorou essencialmente o conteúdo do relatório médico junto a fls. 209 v.
3º- Relatório esse apresentado pelo Autor, efectuado quase três anos após o falecimento da testadora, sem que o seu subscritor faça qualquer referência a consultas que tenha efectuado com a mesma, baseando-se em alegados registos clínicos, desconhecendo-se a que registos se refere em concreto.
4º- Tal relatório não foi sequer solicitado no âmbito do processo, sendo certo que o seu subscritor nem sequer foi ouvido ou sobre o mesmo falou e apenas teve como base registos clínicos que lhe terão sido apresentados pelo autor, desconhecendo-se quais os registos clínicos apresentados, com que documentos se serviu.
5º- O valor probatório de um parecer médico solicitado pela própria parte a um Médico não tem a mesma força probatória que a prova pericial realizada nos autos e requisitada pelo Tribunal a um “estabelecimento, laboratório ou serviço oficial apropriado”, mais especificadamente aos “serviços médico legais” ou por “peritos médicos contratados (nº 1 e 3 do art. 467º do CPC) que, de uma forma independente, isenta e imparcial, formulam o respectivo juízo técnico-científico sobre o objecto da prova pericial que lhe é apresentado.
6º- O tribunal “a quo” ao fundamentar o estado clínico e a capacidade de querer entender da testadora aquando a outorga dos testamentos e essencialmente com base nesse relatório, sem que fosse sequer aferida as circunstâncias em que o mesmo foi elaborado, a razão de ser do mesmo, valorou de forma errada o mesmo.
7º- Refere ainda a douta sentença que tal relatório médico é corroborado pelos registos clínicos oriundos do Centro Hospitalar ... a fls 28 a 81 e do Agrupamento de Saúde ... juntos a fls. 82 a 205.
8º- Ora, da análise destes relatórios não existem elementos clínicos que possam levar a que se dê como provado que a testadora, à data da outorga dos testamentos, estivesse incapaz de entender e querer outorgar o referido testamento.
9º- Dos referidos relatórios consta as debilidades físicas e problemas de saúde da testadora, nomeadamente problemas de diabetes, cardiopatias, em que são referidas situações de descompensação provocadas por descontrolo glicémico e quadros de hipoglicemia.
10º- Pese embora, o registo de algumas situações de desorientação da testadora, os mesmos surgem no âmbito desses episódios de urgência e dessas crises que a levavam ao hospital.
11º- Em nenhum desses relatórios é referido que a testadora sofra de qualquer problema psíquico ou demência que a coloque numa situação de incapacidade cognitiva de querer e entender permanente e que esse seja o estado normal da mesma.
12º- Não havendo qualquer relação com doença de foro psiquiátrico ou neurológico, mas sim doenças a nível físico e outras patologias como diabetes e outros que, em determinadas situações, nomeadamente de hipoglicemia, levaram a que a testadora apresentasse nesses momentos estados temporários de desorientação.
13º- A hipoglicemia pode levar a situações temporárias e o paciente apresentar confusão mental, mudança de comportamento, irritabilidade, fraqueza, inquietação, sonolência, convulsões, perda da consciência,
14º- O estado de confusão mental, mudança de comportamento pontual da testadora relatado nesses relatórios não são nem eram o estado normal e permanente, mas sim pontual e decorrente, não de qualquer problema mental, mas de problemas de comorbilidades orgânicas que assim que tratadas ficam debeladas.
15º- Quadro de hipoglicemia, nomeadamente relatório de urgência de 05-06-2015; 09-06-2015 (diagnostico principal – Hipoglicemia), ou seja, tudo relacionado com o problema de diabetes, em que algum momento conste nos referidos relatórios qualquer diagnóstico de doença mental.
16º- O relatório da nota de alta de 17-08-2015 junto aos autos do hospital ..., refere que quando foi levada para o Hospital apresentava níveis de glicemia muito baixos e que depois foi recuperando o nível de consciência, encontrando-se atualmente bem, acordada, sem alterações da linguagem e sem défice focais objetiváveis.
17º- O único relatório da especialidade de psiquiatria, solicitado pela médica de medicina familiar, relatório de 23/10/2015, junto aos autos, da Dra. EE, Centro Hospitalar ..., refere expressamente que “A principal problemática da doente se prende com a diabetes e com as dificuldades na mobilidade. Sem sintomatologia heteróloga”, cujo teor se transcreve “o pedido de consulta da colega de medicina geral familiar esteve relacionado com alterações da sensopercepção que, pela discrição, me parecem ter estado relacionadas com comorbilidades orgânicas. Ultimamente, desde que teve alta do internamento da Medicina, tem estado melhor e nunca mais teve queixas compatíveis com actividade alucinatória. A principal problemática da doente prende-se com a diabetes e com as dificuldades na mobilidade. Ao EEM, vigil, colaborante e orientada no tempo (embora não saiba o mês em virtude de não ter estudado). Discurso espontâneo e escasso, mas coerente e organizado. Humor neutro. Sem sintomatologia heteróloga.”
18º- Este relatório é efetuado na sequência de uma avaliação médica presencial, por especialista da área da psiquiatria, que viu e acompanhou a testadora cerca de dois meses após a outorga do primeiro testamento e que refere expressamente que a testadora não tem sintomatologia heteróloga, ou seja, sintomatologia que a coloquem em situação de incapacidade de querer e entender.
19º- Contrariando, desde logo, o relatório médico apresentado pelo Autor, de fls 209 e que o meritíssimo juiz considerou como essencial para a prova dos factos dados como provados, nomeadamente da capacidade da testadora para querer e entender.
20º- Assim, entende o recorrente não resultar dos elementos de prova carreados para os autos, nomeadamente relatórios médicos juntos, dados suficientes que comprovem que apesar dos períodos de desorientação temporários, na data da outorga de cada um dos referidos testamentos, a testadora DD estivesse incapacitada para querer e compreender o sentido e alcance dos testamentos por ela outorgados a favor do aqui Réu e outro beneficiário.
21º- Tendo o tribunal “a quo” feito uma errada apreciação da prova documental, partindo do pressuposto errado que os episódios de desorientação da testadora seriam o estado normal da testadora, para dar como provado que à data da outorga dos testamentos a mesma estava impossibilitada de entender e querer, quando a informação clinica dos médicos que assistiram a testadora, junto aos autos, refere que as situações de desorientação que levavam a testadora ao hospital era derivada das doenças que padecia, diabetes e outras que em determinados momentos, levavam a que nessas crises, temporárias, a
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