Acórdão nº 1223/22.7T8FAR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 20-02-2024

Data de Julgamento20 Fevereiro 2024
Ano2024
Número Acordão1223/22.7T8FAR.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora


Processo n.º 1223/22.7T8FAR.E1 (Apelação)
Tribunal recorrido: Tribunal Judicial da Comarca ..., ... Juízo Fam. Menores- J...
Apelante: AA
Apelado: BB
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal da Relação de Évora

I – RELATÓRIO
BB intentou ação de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, contra AA, formulando os seguintes pedidos:
a)- Que seja decretado o divórcio das partes com fundamento nas alíneas b) e d) do artigo 1781.º do Código Civil e na rutura definitiva do casamento;
b) Que lhe seja atribuído o animal de companhia, uma gata, na pendência e após divórcio;
c) Que seja determinado o destino da casa de morada de família.

Para o efeito, alegou, em suma, que são casados, um com o outro, desde ../../2011, em ..., vivendo em Portugal desde 2104.
Adquiram a casa de morada de família através da sociedade A... Limited que constituíram para o efeito, e, apesar de serem ambos sócios com iguais quotas, a aquisição foi realizada apenas com dinheiro do Autor, pelo que se trata de bem próprio do Autor.
A Ré passou a consumir álcool em excesso e passou a exercer violência física sobre o Autor e bens próprios do mesmo e do casal, tendo protagonizado vários episódios de agressões físicas e emocionais que tornaram o matrimónio insustentável, razão pela qual, em 2021, se separou definitivamente da Ré.

Frustrada a tentativa de conciliação, a Ré apresentou contestação e reconvenção, impugnando, em suma, o alegado alcoolismo e os comportamentos agressivos descritos na p.i., imputando, ao invés, ao Autor, condutas agressivas e alcoolismo.
Mais alegou que a casa de morada de família é um bem comum do casal.
Requereu a fixação de uma pensão de alimentos no valor mensal de €1.5000,00, por se encontrar em situação de insuficiência económica, bem como a atribuição da casa de morada de família.

O Autor deduziu Réplica, pugnando pela improcedência do pedido reconvencional e, além do mais, peticionou que lhe fosse reconhecido um crédito de €991,54 por cada mês em que a Ré permanecesse na habitação, a título de enriquecimento sem causa, uma vez que a mesma estaria a arrendar quartos da casa de morada sem o conhecimento e consentimento daquele.

Após realização de audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, constando da sua parte dispositiva:
«Pelo exposto, decide o Tribunal:
I. Decretar, nos termos do artigo 1781º alínea d) do Código Civil, o divórcio do Autor, BB e da Ré, AA, produzindo tal divórcio efeitos patrimoniais a contar da data da propositura de acção.
II. Atribuir a guarda da gata, animal de companhia do casal, ao Autor, cabendo a este o pagamento das despesas inerentes.
III. Não conhecer do pedido de atribuição do uso da casa de morada de família deduzido pelo Autor, atento o incidente em apenso relativo a tal questão (artigo 931º nº4 do CPC), assim como não conhecer do pedido de compensação a título de enriquecimento sem causa deduzido igualmente pelo Demandante contra a Demandada por conta das rendas auferidas por esta com o arrendamento dos quartos da casa de morada de família, atento o disposto no nº1 do artigo 1792º do CC.
IV. Absolver o Autor do pedido reconvencional de fixação de alimentos deduzido pela Ré na sua Contestação / Reconvenção.
V. Condenar a Ré em custas (artigo 527º nº1 do CPC).»

Inconformada, apelou a Ré, apresentando as seguintes CONCLUSÕES:
«1) O Tribunal recorrido é territorial e internacionalmente incompetente para constituir de arrendamento o imóvel propriedade da sociedade A... LLC com sede em ..., a qual não deu o seu consentimento nem foi notificada nos termos do artigo ...3.2, alínea b) do CPC. Os sócios não são portugueses, a sociedade é ..., onde aí tem a sua sede, pelo que de acordo com as regras do direito internacional privado, são os Tribunais americanos ou britânicos os competentes para apreciar e dirimir o litígio.
II) Para o caso de o Tribunal entender por interpretação extensiva que a sociedade e os sócios têm a mesma personalidade jurídica, deve a casa de morada de família ser entregue à recorrida com os fundamentos agora alegados.
III) A douta sentença recorrida diz não conhecer do pedido de atribuição da casa de morada de família, mas em concreto, verifica-se o contrário, com a atribuição provisória da casa a favor do recorrido, alterando o "status quo" existente sem julgamento.
IV) Atentas as dificuldades económicas da recorrente, deve ser fixada uma pensão de alimentos não inferior a €1.500,00 a favor desta conforme atrás se alegou.
V) A douta sentença violou por má interpretação o disposto no artigo 5.º n.º 2 al. a) artigo 607.º n.º 2, artigo 615.º, n.º 1, als. b), c) e d), artigo 931º n.º 4 e n.9º, e artigo 990.º todos do CPC e, artigo 1781.º, al. d), artigo 1793.º, artigo 2007.2ºex vi do artigo 200º todos do código civil

Na resposta ao recurso, o recorrido defendeu a confirmação da sentença, com base nas seguintes CONCLUSÕES.
«A. Não existe contradição alguma entre os factos provados e os fundamentos da decisão de mérito do Tribunal a quo.
B. O Tribunal a quo andou bem ao considerar o instituto jurídico da desconsideração da personalidade jurídica da sociedade A... Limited.
C. E nessa consequência a atribuir a casa de morada de família ao Recorrido, constituindo para o efeito um contrato de arrendamento.
D. O Tribunal é territorial e materialmente competente para decidir, não existindo qualquer incompetência internacional, uma que se trata de matérias abrangidas pelo Direito da Família, não existindo qualquer questão de direito societário a dirimir nos presentes autos.
E. O Recorrido foi forçado a sair da casa de morada de família e a intentar uma ação de divórcio contra a Recorrente em contexto de violência doméstica, agressões físicas, ameaças e injúrias contra si sofridos e praticados pela Recorrente.
F. O Recorrido não tem estabilidade financeira, vivendo com dificuldades e sem uma habitação permanente desde que saiu da casa de morada de família.
G. A Recorrente nunca procurou emprego desde que se separou de facto do Recorrido, sendo este a suportar todas as despesas com o imóvel.
H. Por uma questão de manifesta equidade, nos termos do n.º 3 do artigo 2016.º do Código Civil, deve o Recorrido ser absolvido do pedido reconvencional da fixação de alimentos deduzido pela Recorrente.»

II- FUNDAMENTAÇÃO
A- Objeto do Recurso
Considerando as conclusões das alegações, as quais delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (artigos 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do CPC), não estando o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do CPC), no caso, impõe-se apreciar:
- (In)competência do Tribunal
- Nulidade da sentença
- Impugnação da decisão de facto
- Atribuição da casa de morada de família
- Fixação de alimentos à Ré

B- De Facto
A 1.ª instância proferiu a seguinte decisão de facto:
Factos Provados
«1. Autor e Ré casaram, um com o outro, em ../../2011, na ... em ..., ..., ....
2. À data do casamento o Autor era viúvo e tinha ...3 anos;
3. Sendo que a sua primeira mulher do Autor havido falecido em 2009 devido a doença prolongada;
4. Sendo essa igualmente a data em que Demandante e Demandada se conheceram.
5. Em 2009 a Ré residia em ..., ..., com a sua filha, menor, numa casa arrendada e a renda mensal da aludida habitação perfazia o valor aproximado de 2.500,00 libras esterlinas;
6. Auferindo a Demandada, a qual, na altura, trabalhava na área de recursos humanos, tendo posteriormente, passado a trabalhar para uma Câmara Municipal, vencimento anual de 28.000,00 libras esterlinas.
7. Em 2014, e na sequência da sua aposentação, o Autor vendeu a sua habitação própria e permanente em ..., ..., por £ 850.000,00 (oitocentos e cinquenta mil libras esterlinas).
8. Com o objetivo de, com exclusivo recurso ao produto da referida venda, adquirir um imóvel, imóvel que seria habitação permanente do Autor e da Ré em Portugal.
9. O imóvel objeto da aquisição era e é propriedade da Sociedade A... Limited.
10. CC era o beneficiário efetivo da totalidade das ações da Sociedade A... Limited, proprietária do imóvel.
11. Em 15 de julho de 2014 CC vendeu ao Autor e à Ré a posição de beneficiário efetivo da Sociedade, pelo valor de 570.000,00 €.
12. Não obstante, a totalidade do preço pago ser proveniente da venda de um bem próprio do Autor, designadamente, da venda aludida em 7).
13. Após a mudança para Portugal a Ré começou a beber em excesso de forma reiterada, o que já acontecia desde 2011, mas se foi agravando ao longo do tempo.
14. Sistematicamente a Ré permanecia num estado de total embriaguez pelo período de dez dias sem praticamente se alimentar.
15. Tornando-se agressiva para com o Autor em alguns desses momentos.
16. Designadamente, no dia 4/7/2016, por volta das 17h30, depois de o Autor ter-se oferecido para ajudar a Ré a transportar uma mesa de vidro, perante o facto de Demandada ter querido fazê-lo sozinha e ter deixado cair a mesa, partindo-se os vidros desta, a Ré atribuiu as culpas ao Autor, dando-lhe um soco na cara e partindo-lhe os óculos, nessa sequência, atacando-a ainda com uma
...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT