Acórdão nº 1207/22.5T8FIG.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 2023-06-13

Data de Julgamento13 Junho 2023
Ano2023
Número Acordão1207/22.5T8FIG.C1
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (JUÍZO DE FAMÍLIA E MENORES DA FIGUEIRA DA FOZ)

Apelações em processo comum e especial (2013) *

Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]

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1 – RELATÓRIO

AA, solteiro, maior, ..., residente na Rua ..., ..., ..., C, Direito, ... ..., veio propor a presente ação de impugnação de perfilhação contra:

BB, solteira, maior, residente na Rua ..., ... - ...; e contra

CC, solteiro, maior, estudante, filho da primeira ré e com esta residente na mesma morada da mãe, constando do assento de nascimento do jovem que é também filho do autor.

Alegou o autor, em síntese, que tal paternidade foi estabelecida por perfilhação, por auto de declarações prestadas no dia 10-11-2003, no processo de averiguação oficiosa de maternidade que com o número 379/03.... correu termos no Tribunal Judicial ... e à medida que o tempo passa, o autor cada vez tem mais dúvidas sobre a sua paternidade biológica quanto ao réu CC, pois durante o período de concepção a primeira ré manteve, alegadamente, relações de cópula completa com outros jovens e não só o autor, dizendo este que aquela ré lhe teria confidenciado estar grávida de outro rapaz, mais dizendo o autor que desde o mês de Setembro de 2002 ele e a ré nunca mais estiveram juntos.

Mais alega que o segundo réu nunca foi parecido com o autor, nem com a mãe, que sempre obstaculizou os convívios do filho com o pai, não obstante este lhe pague a prestação de alimentos acordada em R.P.P., havendo vozes que da rua chegam e lhe dizem constantemente que ele não é pai deste jovem, que ainda incrementam mais a sua dor e sofrimento, perpetrado por um engano de juventude, pelo que não aceita neste momento os testes de ADN feitos oportunamente, estando a ciência e a tecnologia mais evoluídas, pois passaram 20 anos sobre a realização dos testes em causa, requerendo, a final, a realização dos exames serológicos e hematológicos ao ADN do autor e dos réus, que contribuiriam para a certeza da não paternidade do Autor em relação ao aqui 2.º réu, além de realização de exames serológicos e hematológicos do menor DD, filho biológico do autor, para comparação, tendo concluído que deve ser declarada impugnada a perfilhação estabelecida ao réu CC, por não corresponder à paternidade biológica, bem como retificado o respectivo assento de nascimento, de forma a dele deixar de constar a paternidade fixada e também o apelido do autor, bem como a avoenga paterna.

O autor arrolou testemunhas e juntou documentos.

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A mãe e o jovem apresentaram contestação, onde disseram que o autor omite terem as análises sido requisitadas pelo Juiz no âmbito do Processo n.º 379/03.... e que o relatório pericial formulado com base no estudo por PCR dos marcadores genéticos, concluiu que “A análise estatística conduziu a um índice de paternidade IP=3491923145 e a uma probabilidade de paternidade W=99,99999997%, que corresponde a “paternidade praticamente provada” segundo a escala de Hummel”, sendo resultado suficiente para ter-se por constituída a paternidade biológica, sem necessidade de demonstração da exclusividade das relações sexuais, conforme jurisprudência que citaram.

Mais alegaram que o autor omite que só perfilhou o réu quando soube do relatório pericial e não em momento anterior, ou seja, quando conheceu da verdade biológica.

Alegam ainda os réus que a petição inicial não tem causa de pedir e os elementos probatórios requeridos, ou já existem ou são inúteis, o que permite concluir pela improcedência da acção, cuja petição deveria ser indeferida.

Invocaram, também, que a primeira ré é parte ilegítima nos presentes autos, nos termos dos arts. 576.º, n.ºs 1 e 2 e 577.º, al. e), ambos do CPC, devendo ser absolvida da instância, com as legais consequências, pois só o segundo réu teria interesse directo em contradizer nesta acção.

Continuaram impugnando a maior parte da matéria alegada pelo autor, designadamente que este pague a prestação de alimentos ao filho, com o qual só conviveu pouco tempo, havendo vários incidentes de incumprimento em que é demandado o pai.

Terminaram pedindo que a acção seja julgada não provada e improcedente, e, em consequência, serem os réus absolvidos do pedido, com as legais consequências.

Requereram que os Peritos do Instituto de Medicina Legal, respondessem às seguintes questões:

1. O relatório pericial apresentado no processo de averiguação oficiosa de paternidade n.º 379/03...., que correu termos no Tribunal Judicial ..., constitui ainda hoje um relatório válido para os efeitos de determinação da paternidade?

2. Atendendo a que existe o relatório pericial referido na questão anterior, é necessário o exame serológico e hematológico ao ADN do réu e do DD (filho do A.)?

Mãe e filho arrolaram testemunhas, juntaram alguns documentos e protestaram juntar outros.

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Em articulado subsequentemente apresentado ao abrigo do disposto no art. 3º, nº 4 do n.C.P.Civil, isto é, sob a capa de direito ao contraditório, o Autor explanou diversas considerações e mais invocou a litigância de má fé dos réus, designadamente ao alegarem e tentarem provar que o réu CC nasceu de 34 semanas, contra a verdade espelhada nos documentos que provam que pelo menos terá nascido de 38 semanas, pois o réu nasceu em Maio de 2003 não em Abril de 2003, concluindo que os réus devem ser condenados como litigantes de má-fé em indemnização a favor do autor, contabilizada de acordo com o estipulado no artigo 543.º, n.º 1 alínea a) e b), do mesmo n.C.P.Civil.

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Os réus vieram responder ao pedido da sua condenação como litigantes de má fé, concedendo que na sua contestação consta erradamente calculada a data da concepção do réu CC, que terá ocorrido em finais de Agosto de 2003, tendo ocorrido erro de cálculo do mandatário, pelo qual este se penitencia.

Seguidamente produziram alegações, além do mais para contradizer a questão da litigância de má fé, concluindo que a condenação dos réus como litigantes de má-fé deve ser julgada não provada e improcedente, sendo estes absolvidos, com as legais consequências.

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Na sequência oportuna, foi proferido despacho onde se solicitou ao I.N.M.L.C.F., Delegação de Coimbra, que emitisse parecer onde esclarecesse, face ao “estado da arte”, nos termos do estatuído no art. 590º, nº 2, al.c), do n.C.P.Civil:

1. Se o relatório pericial de 10/10/2003, apresentado no processo de averiguação oficiosa de paternidade n.º 379/03...., que correu termos no Tribunal Judicial ..., constitui ainda hoje um relatório válido e manifestamente conclusivo para os efeitos de determinação da paternidade do réu CC, nascido em .../.../2003, filho da ré BB, constando como pai no registo civil o autor AA.

2. Na hipótese de a resposta à primeira questão ser negativa, se será necessário o exame serológico e hematológico ao ADN de DD, nascido em .../.../2015, filho de EE, constando como pai no registo civil o autor AA (podendo o DD ser irmão consanguíneo do réu CC), devendo nessa hipótese indicar as demais pessoas que deverão sujeitar-se a exame para efeitos de determinação da paternidade do réu CC.

De referir que, com tal pedido de parecer se remeteu ao I.N.M.L.C.F. cópia do relatório de perícia de 10/10/2003 (junto em 30/9/2022 à contestação) e dos assentos de nascimento dos jovens CC e DD (juntos com a P.I.).

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O I.N.M.L.C.F. de Coimbra respondeu ao solicitado, através do seu membro Dr. FF, Especialista Superior de Medicina Legal, o qual referiu, no que essencialmente ora releva, que o relatório pericial de 10/10/2003, apresentado no processo de averiguação oficiosa de paternidade n.º 379/03...., que correu termos no Tribunal Judicial ..., constitui ainda hoje um relatório válido e manifestamente conclusivo para os efeitos de determinação da paternidade do réu CC, nascido em .../.../2003, filho da ré BB, constando como pai no registo civil o autor AA, não obstante também dizer que as perícias atuais recorrem a um conjunto mais vasto de SRts..

Apesar da conclusão do dito Especialista Superior, logo o autor aproveitou para insistir na realização de colheitas para novos testes serológicos e hematológicos, ao que os réus se opuseram, dizendo que o esclarecimento apresentado pelo I.N.M.L.C. é inequívoco quanto à validade e atualidade dos exames realizados ao autor e ao réu para determinar a sua paternidade, que são os mesmos que então eram realizados, com exceção de atualmente se recorrer a “um conjunto mais vasto de STRs.”, além de que aquele esclarecimento do I.N.M.L.C.F. conclui de forma inequívoca que o relatório efetuado é “manifestamente conclusivo para os efeitos de determinação da paternidade do réu CC”, pelo que a presente ação será manifestamente improcedente.

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Entendendo o Exmo. Juiz de 1ª instância que podia conhecer do fundo da causa no despacho saneador, não havendo utilidade do eventual prosseguimento dos autos para julgamento com produção de outras provas [cf. «(…), pois o resultado do dito relatório pericial é inequívoco, não tendo perdido a sua validade, nem deixado de ser conclusivo relativamente à paternidade do autor quanto ao segundo réu, como disse o Especialista Superior do I.N.M.L.C.F.»], pelo que, invocando o disposto no art. 595º, nº1, al.b), do n.C.P.Civil, assim procedeu, vindo a concluir, para além de que a 1ª Ré era parte legítima, que «Este processo não serve para satisfazer caprichos do pai, baseado em vozes da rua, falta de parecenças fisionómicas, ou outros argumentos não científicos, para obter provas redundantes da sua paternidade, como sucederia se fosse aceite o seu pedido de realização de novos exames de ADN, os quais se indeferem, por desnecessários. A paternidade de CC por parte de AA está manifestamente provada nos autos», rematando com o seguinte dispositivo:

«Termos em que julgo não provada e improcedente a presente acção, absolvendo os réus dos pedidos do autor.

Sendo irrelevante o número de meses de gestação do segundo réu, perante o resultado pericial, não há matéria...

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