Acórdão nº 1196/21.3T8ALM-A.L1-7 de Tribunal da Relação de Lisboa, 06-12-2022

Data de Julgamento06 Dezembro 2022
Ano2022
Número Acordão1196/21.3T8ALM-A.L1-7
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. Relatório
A intentou o presente procedimento cautelar especificado de restituição provisória da posse contra B e C, pedindo que:
a) seja decretada a restituição provisória da posse do imóvel designado pela letra “F”, que corresponde ao segundo andar esquerdo, com estacionamento na cave com o número dois e arrecadação número sete do sótão, que faz parte do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Avª. …, n.º …, e Praceta …, n.º …, Farinheiras, freguesia de Paio Pires, concelho do Seixal, descrito na Conservatória do Registo Predial do Seixal sob o n.º …., e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo …., bem como de todos os bens móveis que lá se encontravam e foram removidos;
b) sejam condenados os Requeridos em indemnização de montante não inferior a €750,00, pelos danos morais e materiais sofridos pela Requerente.
Produzida a prova indicada pela Requerente, foi proferida decisão de procedência parcial do procedimento cautelar, tendo sido decretada a restituição provisória da posse do imóvel. [1]
Após execução da providência cautelar decretada, procedeu-se à citação dos Requeridos, os quais vieram deduzir oposição, invocando a exceção dilatória de ilegitimidade ativa e pugnando pela revogação da providência cautelar, bem como pela condenação da requerente por litigância de má fé, em multa e indemnização a seu favor, de montante não inferior a €3.000,00.
Inquiridas as testemunhas arroladas pela requerida, veio a ser proferida decisão com o seguinte dispositivo:
“Em face do exposto, o Tribunal decide:
1. Julgar improcedente a exceção dilatória da ilegitimidade ativa invocada pelos Requeridos;
2. Manter a providência cautelar decretada;
3. Julgar improcedente o pedido dos Requeridos de condenação da Requerente por litigância de má fé.”
Inconformados com esta decisão, os requeridos interpuseram o presente recurso de apelação, apresentando alegações de recurso, cuja motivação sintetizaram nas seguintes conclusões:
1. Os Apelantes não se conformam com o despacho que decretou a procedência do procedimento cautelar de restituição provisória da posse intentado pela Apelada;
2. A douta decisão ora impugnada enferma de errore in judicando por violação de lei substantiva mercê de uma interpretação e enquadramento jurídico incorrectos que acabaram por afectar o conteúdo da decisão;
3. O decretamento da providência cautelar de restituição provisória de posse supõe a demonstração por parte da Requerente, aqui Apelada, dos seguintes requisitos: (i) posse; (ii) esbulho; (iii) esbulho cometido como violência;
4. A posse, enquanto exercício do poder de facto sobre a coisa (retenção e fruição material das suas utilidades) – «corpus» -, com intenção de exercer o direito real correspondente – «animus» -, supõe a demonstração de actos exteriores relevadores desse exercício e, portanto, de actos concretos que sejam dotados de certa consistência e reiteração, não se bastando com a demonstração da prática de actos meramente pontuais ou esporádicos sobre a coisa;
5. Não tendo logrado provar a Apelada que (i) faz uso do imóvel titulado pelo Contrato Promessa de Compra e Venda e é aí que ainda tem a sua vida organizada (ii) e que o imóvel é a sua casa de morada de família (Pontos 7 e 10 dos Factos não Provados), teria o Tribunal a quo que decidir no sentido determinado pelo supra referido preceito legal;
6. Não é a mera entrega da coisa que confere, ao respectivo promitente, a posse, mostrando-se, assim, imperioso que o promitente-transmissário com traditio pratique, em relação à coisa, actos materiais, em nome próprio, correspondentes ao exercício do direito em causa.
7. Nos termos do art.º 1267.º, alínea a), o possuidor perde a posse pelo abandono, uma vez que assentando no “corpus” (num efectivo e existente controlo material de uma coisa nos termos de um direito) a posse extingue-se quando o possuidor, por sua vontade deixa de ter esse controlo material;
8. Tanto mais que o procedimento cautelar de restituição provisória da posse tem como finalidade garantir direitos fundamentais, como a habitação;
9. Na fundamentação de direito o Tribunal a quo considerou, para sustentar a verificação do elemento “posse”, que a Apelada não procedeu à devolução das chaves do imóvel aos Apelantes, o que se revela um argumento absolutamente inócuo atentos os factos provados e ante a estatuição da alínea a), do art.º 1267.º do Código Civil;
10. Não fazendo a Recorrida e respectiva família uso do imóvel nem aí tendo a sua vida organizada, a simples mudança de fechadura não integra, só por si, o conceito de esbulho, elemento essencial para se lançar mão do procedimento cautelar de restituição provisória da posse, pelo que, o Tribunal a quo deveria ter convolado o procedimento em procedimento cautelar comum e determinado a citação e audição dos Apelantes;
11. E, bem assim, soçobra o elemento da violência, indispensável à qualificação do procedimento especificado de restituição provisória da posse;
12. Nos termos do art.º 1261.º do Código Civil o esbulho deve ser violento, considerando-se posse violenta aquela que, para obtê-la, o possuidor usou de coação física (sobre pessoas ou bens) ou de coação moral nos termos do artigo 255.º do supra referido preceito legal;
13. No caso de coação física sobre pessoas, (i) deve ser levado a cabo através de uma acção que, constrangendo o esbulhado, o coloque numa situação de incapacidade de reagir perante o acto de desapossamento; No caso de recair sobre a coisa, o esbulho será violento se coagir o possuidor a permitir o que a Recorrida se arroga – até porque a Apelada nesta data já (i) não fazia, pois só assim estará em causa a liberdade de determinação humana, o que não foi o caso!
14. A coação moral na hipótese do esbulho ocorre quando o possuidor da coisa é forçado à sua privação pelo receio de um mal de que foi ilicitamente ameaçado. O que, também, não foi o caso!
15. Ademais não se encontra demonstrado nos autos e no despacho que decretou o procedimento que a mudança de fechadura por parte dos Apelantes tenha lesado de forma grave e dificilmente reparável o direito a uso do imóvel titulado pelo Contrato Promessa de Compra e Venda, (ii) não sendo aí que ainda tinha a sua vida organizada, (iii) nem sendo o imóvel a sua casa de morada de família (Pontos 7 e 10 dos Factos não Provados, a contrario sensu”;
16. O decretamento do procedimento cautelar sem a prévia audição dos Apelantes, representou para estes uma significativa desvantagem, porquanto se viram impedidos de contrapor a sua versão factual à alegada pela Requerente/Apelada e de participar na instrução do procedimento, quer indicando os meios probatórios pertinentes, quer intervindo na produção de prova indicada pelos requerentes;
17. Não tendo a Apelada logrado fazer prova dos requisitos cumulativos necessários ao decretamento da providência cautelar de restituição provisória de posse deveria ter improcedido o presente procedimento cautelar;
18. O Ponto 40 está em manifesta contradição com o Ponto 10, uma vez que o Tribunal a quo, deu como indiciariamente provado que “Nada foi retirado do imóvel, tendo sido tudo acondicionado a um canto, após uma limpeza (51º oposição).”
19. A afirmação constante do referido Ponto 10 “(…) proibindo a Requerente de usar e fruir da habitação que prometeu comprar, assim como dos seus bens (…) sic, é incompatível e até, contraditória com a “Motivação” da douta decisão, onde se refere que “O estado da casa à data em que a Requerida lá entrou não é, pois, de todo compatível com a sua habitação por qualquer pessoa. Uma casa onde não há eletricidade e não existe um único móvel, nem bens de uso pessoal ou de primeira necessidade, não está, manifestamente, a ser ocupada”;
20. Não existe uma única evidência de uma trama, de um entendimento secreto ou enganador, enfim, de uma conspiração dos Apelantes, realizado com o propósito de prejudicar a Apelada e, sobretudo, por não ter sido feita qualquer prova – testemunhal ou documental - de um alegado “conluio”, pelo que tal adjectivo deverá ser retirado do Ponto 10 dos factos indiciariamente provados;
21. O Ponto 10 dos factos indiciariamente provados deveria ter a seguinte redacção:
“A Requerente B, procedeu à mudança da fechadura do imóvel, não tendo retirado do interior do mesmo, os bens que lá se encontravam e eram propriedade destes.”;
22. A Apelada é parte ilegítima na presente demanda, de acordo com o estipulado no art.º 30.º do Código de Processo Civil, a contrário sensu;
23. O litisconsórcio voluntário constitui a regra em processo civil, nos termos do n.º 1, do art.º 32.º do Código de Processo Civil;
24. Por sua vez o n.º 2 do art.º 33.º do referido diploma legal exige a presença de todos os interessados na acção, quando pela própria natureza da relação jurídica, ela seja necessária para que a decisão produza o seu efeito útil normal;
25. É o denominado litisconsórcio natural, por contraposição ao litisconsórcio legal e negocial a que alude o n.º 1 do art.º 33.º do referido diploma legal.
26. Não estando presente neste procedimento um dos Promitentes Compradores, no caso GM, não é possível apreciar a globalidade da relação jurídica em causa, não podendo a Decisão produzir o seu efeito útil normal, regulando definitivamente a situação concreta, por impossibilidade de vincular este contraente, assim se impondo o litisconsórcio necessário de ambos;
27. A preterição do litisconsórcio necessário conduz à ilegitimidade activa da Apelada A;
28. Nos termos dos art.º 576.º, n.º 2, 577.º, alínea e) e 578.º, todos do Código de Processo Civil, a ilegitimidade activa é uma excepção dilatória de conhecimento oficioso, que obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa, dando lugar à absolvição da instância;
29. O abuso de direito constitui uma excepção peremptória
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