Acórdão nº 11886/22.8T8LSB.L1-1 de Tribunal da Relação de Lisboa, 04-07-2023

Data de Julgamento04 Julho 2023
Ano2023
Número Acordão11886/22.8T8LSB.L1-1
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam os Juízes na Secção do Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – RELATÓRIO
D…, Unipessoal, Lda., …, veio requerer a abertura de processo especial de revitalização, ao abrigo do disposto no art.º 17º-A do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
Em 28.6.2022 foi nomeado administrador judicial provisório, nos termos do disposto no art.º 17º-C, nº 3, al. a) do mesmo código.
No dia 27.7.2022 o Sr. Administrador Judicial Provisório juntou lista provisória de créditos, a qual foi objecto de uma impugnação, apreciada por decisão proferida em 10.10.2022.
Por acordo entre a devedora e o Sr. Administrador Judicial Provisório foi prorrogado o prazo das negociações.
Em 04.11.2022 a devedora apresentou o plano de revitalização, o qual foi publicitado e depositado.
Em 25.11.2022 foi publicitada a não apresentação de nova versão do plano.
Em 9.11.2022, e novamente por requerimento de 28.11.2022, foi requerida a não homologação do plano de revitalização pelo Ministério Público, em representação do Estado Português (Administração Tributária), alegando este que o plano em causa prevê duas moratórias ilegais no pagamento, ao prever o mesmo “em 150 prestações”, sendo certo que, atento o valor do crédito da AT (€34.254,72) e o disposto no artigo 196º do CPPT, o pagamento teria de ser efectuado até 36 prestações. Invocou ainda que o plano é omisso quanto ao pagamento de juros vincendos, não prevê a manutenção das garantias, nos termos do nº 13 do artigo 199º do CPPT e não refere que, para os efeitos previstos do nº 1 do artigo 17º-E do CIRE, parte final, a extinção dos processos fiscais só se dará nos termos do CPPT.
Em alternativa à não homologação, foi pedido que o plano fosse considerado ineficaz em relação à Fazenda Nacional.
Em 28.12.2022 foi apresentado o apuramento do resultado da votação, do qual resulta que o plano foi votado por credores que representam créditos no valor de €278.734,83 (do total de créditos com direito de voto no valor de €328.984,83), tendo votado favoravelmente o plano credores que representam €185.705,36 e contra credores que representam créditos no valor de €93.029,47, resultando a aprovação do plano. O apelante Instituto da Segurança Social votou contra a aprovação do plano.
Por requerimento de 17.1.2023 o Sr. Administrador Judicial Provisório pronunciou-se no sentido da viabilidade do plano apresentado.
Em 29/01/2023 foi proferida sentença que, “nos termos do disposto no n.º 7 do artigo 17º-F do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa”, homologou o plano de recuperação da devedora e declarou o mesmo ineficaz em relação aos créditos de que é titular o Estado Português - Autoridade Tributária.
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Inconformado apelou o credor Instituto da Segurança Social, IP, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
1º- O presente recurso vem interposto da Sentença que homologou o plano de recuperação com vista à revitalização da devedora "D…, UNIPESSOAL, LDA.", sendo que a homologação deveria ter sido oficiosamente recusada, dado que o plano aprovou o deferimento dum crédito público sem anuência do Instituto da Segurança Social, I.P., ora recorrente.
2º- A Segurança Social, na qualidade de credor reclamante, votou desfavoravelmente o plano de revitalização proposto pela entidade devedora.
3º - A Segurança Social está subordinada à observância das normas legais imperativas, aplicáveis à regularização dos créditos tributários, nomeadamente, as previstas nos artigos 30º, nº 2 e 36º, nº 3, ambos da Lei Geral Tributária, artigos 85º, nº 3, 196º e 199º, todos do Código de Procedimento e Processo Tributário e artigo 125º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro.
- Os mencionados preceitos legais consagram os princípios da indisponibilidade dos créditos tributários.
5º - Por força dos referidos normativos aplica-se em absoluto e de forma inquestionável, a regra de que, o princípio da indisponibilidade dos créditos tributários se sobrepõe a qualquer outra legislação especial, nomeadamente, a constante do CIRE
6º- - No que concerne aos créditos relativos ao Estado e outras Entidades Públicas, como é o caso do recorrente, vigora o princípio da indisponibilidade, ou seja, não é possível que, à luz da Lei, o Estado e essas Entidades, possam aderir a medidas que impliquem uma redução dos seus créditos, apenas lhes sendo possível aceitar moratórias no pagamento nos termos da lei, de acordo com esta e dentro dos seus limites.
7º- A alteração introduzida pela Lei 55-A/2010, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2011), que aditou um nº 3 ao artigo 30.º da Lei Geral Tributária (LGT), aprovada pelo Dec. Lei n.º 398/98, de 17 de dezembro, nos termos do qual "o disposto no n.o anterior [n.º 2 do artigo 30.º da LGT " O crédito tributário é indisponível, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária." - prevalece sobre qualquer legislação especial", sendo certa a aplicabilidade da norma, designadamente, aos processos especiais de revitalização.
8º- O referido Plano estabeleceu um deferimento de créditos públicos da Segurança Social sem expressa autorização desta, em violação do princípio da igualdade e da legalidade.
9º- O Meritíssimo Juiz do Tribunal "a quo", ao homologar o referido plano de revitalização, não teve em consideração, que o mesmo não estava de acordo com as normas que regem as dividas à Segurança Social, nomeadamente, a Lei Geral Tributária.
10º- A homologação de plano de revitalização que inclua o pagamento em prestações de créditos por tributos, sem o acordo da Segurança Social, constitui uma violação não negligenciável das normas legais aplicáveis e, em consequência, deve o juiz recusar oficiosamente a homologação do plano na parte em que viola regras legais imperativas, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 215.0 do CIRE.
11º- Encontram-se consignadas no Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, as condições em que pode ocorrer a extinção (total ou parcial) da obrigação contributiva ou mesmo as alterações às condições de pagamento.
12º- No caso dos presentes autos, qualquer autorização da regularização da divida à Segurança Social, deveria ser feita de acordo com as referidas normas e implicaria sempre o acordo da Segurança Social, nomeadamente, que a entidade devedora estivesse a cumprir o pagamento das contribuições vencidas no decurso do processo de recuperação, o que não se verificou, o que determina a sua inviabilidade, nos termos e para os efeitos do disposto no 190.0 n.o 3 do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, mais constituindo violação do disposto no artigo 42.0 do mesmo Diploma Legal.
13º- A autorregulação consagrada no CIRE, não derroga estas e outras normas em vigor no ordenamento jurídico, as quais, impõem limites e exigências materiais e formais que não foram tidas em consideração na homologação do plano de revitalização em apreço nos presentes autos.
14º - A não aplicação do disposto no Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social e na Lei Geral Tributária, conduz a que, o plano de revitalização seja considerado ineficaz, não produzindo quaisquer efeitos em relação à Segurança Social.
15.º - A propósito do ora sufragado no presente recurso, cita-se os seguintes acórdãos: Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.11.2014, proferido no âmbito do Processo n.º 217/11.2TBBGC-R.P1.51 – 6ª Secção, em que foi relatar o Exmo. Senhor Conselheiro Fonseca Ramos,
16º - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.01.2023, proferido no âmbito do Processo n.º 1311/21.7T8VFX.L1.S1 – 6ª Secção, em que foi relatar o Exmo. Senhor Conselheiro Luís Espírito Santo e,
17º - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Abril de 2018 (relator Pinto de Almeida), proferido no processo n.º 578/16.7T8VIS-D.C1.S1; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Fevereiro de 2014 (relator Fonseca Ramos), proferido no processo nº 1786/12.5TBTNV.C2.S1; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1 de Abril de 2014 (relator Fernandes do Vale), proferido no processo n.º 185/13.6TBCHV-A.P1.S1; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Março de 2015 (relatora Ana Paula Boularot), proferido no processo n.º 664/10.7TYVNG.P1.S1.
18.º - Como decorre do exposto, o plano de revitalização, de cuja homologação ora se recorre, deve ser declarado in totum, ineficaz em relação ao credor Instituto da Segurança Social, I.P., uma vez que, o ora recorrente não deu o seu consentimento expresso à sua aprovação, não sendo oponível ao credor que não anuíram a redução ou à modificação lato sensu dos créditos por si reclamados.
19º - Assim, salvo o devido respeito e melhor opinião, na perspectiva do ora recorrente, encontram-se inobservados na douta sentença recorrida proferida pelo Tribunal "a quo" por errada interpretação e aplicação da lei os seguintes preceitos legais: artigos 30.º n.ºs 2 e 3 e 36.º n.º 3, ambos da Lei Geral Tributária, artigo 125.º da Lei n.º 55A/2010, de 31 de Dezembro, artigos 42.º e 190º n.º 3 do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, artigos 85.º n.º 3, 196.º e 199.0, todos do Código de Procedimento e Processo Tributário e artigo 215.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
Terminou peticionando que seja dado provimento ao recurso e em consequência, o plano de revitalização declarado totalmente ineficaz em relação ao credor Instituto da Segurança Social, I.P., uma vez que, não deu o seu consentimento expresso à sua aprovação, não lhe sendo, pois, o mesmo oponível.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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O recurso foi admitido por despacho de 11/05/2023 (ref.ª 425584619).
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Foram colhidos os vistos.
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II– OBJECTO DO RECURSO
É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso
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