Acórdão nº 118/22.9T8MFR.L1-6 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2024-04-18

Data de Julgamento18 Abril 2024
Ano2024
Número Acordão118/22.9T8MFR.L1-6
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam os juízes que compõem este colectivo da 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório
O Ministério Público intentou acção especial para acompanhamento de maior de L…, nos autos m.id., peticionando a final que seja decretado “o Acompanhamento (…), relativamente à gestão da sua pessoa e bens mediante representação geral por razões de saúde, nos termos do artigo 145º nº 2 al. b) 1º parte do Código Civil uma vez que não tem capacidade para exercer qualquer actividade que lhe diz respeito quer no âmbito da gestão da sua pessoa quer no âmbito da gestão de bens;
- que a data de início de incapacidade seja aferida pelo perito médico competente aquando da avaliação médica nos presentes autos; e-
- dispensa de conselho de família. o seu acompanhamento e as medidas de representação geral previstas no artigo 145.º, n.º 2, alínea b) do Código Civil”.
Alegou:
“2º A beneficiária nasceu no dia 29-9-1933 (Doc 1).
3º Padece de total orientação para realização de todas as actividades da sua vida diária, higiene, alimentação e cuidados de saúde e bem assim de orientação de terceiros para a tomada de decisões a nível pessoal e patrimonial (docs 2).
4º Reside com o filho.
5º Não consegue sair sozinha, nem comprar bens alimentares, vestuário e quaisquer outros.
6º Desloca-se com a ajuda do filho.
7º Por vezes não sabe ano em que nasceu, não conhece a sucessão dos dias meses e anos e não sabe a estação do ano em que se encontra.
8º Nem sempre sabe dizer o seu nome, ler e escrever.
9º Não consegue efectuar cálculos aritméticos simples e não tem discernimento para usar o dinheiro.
10º Não tem capacidade para movimentar contas bancárias (pagamentos, levantamentos e depósitos).
11º Não consegue efectuar quaisquer tarefas.
12º Não tem capacidade de memorizar factos novos.
13º Encontra-se desorientada no tempo e no espaço.
14º Todos que a conhecem sentem manifestamente as suas incapacidades por carecer de discernimento para tomar decisões que a afectem a nível pessoal e patrimonial.
15º Encontra-se incapaz para governar a sua pessoa e bens sem o apoio permanente de outra pessoa.
16º Não há conhecimento de que a beneficiário tenha outorgado testamento vital ou procuração para cuidados de saúde.
17º Necessita, assim, de quem a represente e supra a sua incapacidade para reger a sua pessoa e bens.
18º O familiar mais próximo e com conhecimento da situação vivencial é o filho com quem reside e lhe presta o apoio necessário com a ajuda do Centro de Dia da Santa Casa da Misericórdia”.
*
A beneficiária foi citada na pessoa de defensor que lhe foi nomeado, em virtude de constar da certidão da tentativa de citação pessoal, o seguinte: “(…) em virtude de não ter sido possível encontrar a citanda na morada indicada, nem ter conseguido, obter qualquer informação sobre quem reside neste local e qual o motivo da ausência, ficando na dúvida se a mesma ali reside, (…)”.
Determinou-se a realização da perícia a que alude o artigo 899.º, n.º 1 do Cód. Proc. Civil, cujo relatório foi junto aos autos. O tribunal procedeu à audição da beneficiária, e na mesma ocasião e na sua presença, à audição do neto T…, e num momento subsequente à audição da filha da beneficiária, mãe do neto, e do filho mais velho da beneficiária.
Foi fixado o valor da causa em €30.000,01.
Foi proferida sentença de cuja parte dispositiva consta:
Pelo exposto, improcede a presente com a consequente absolvição da beneficiária do pedido, não declarando a necessidade de aplicação de qualquer medida nos termos e para os efeitos dos artigos 138.º e seguintes do Cód. Civil”.
*
Inconformado, o Ministério Público interpôs o presente recurso, formulando, a final, as seguintes conclusões:
“1. Por decisão proferida a 23.01.2024, a Mm.ª Juiz do tribunal a quo declarou improcedente a presente ação especial para acompanhamento de maior de L…, com a consequente absolvição da mesma do pedido, não declarando a necessidade de aplicação de qualquer medida nos termos e para os efeitos dos artigos 138.º e seguintes do Cód. Civil.
2. Ora, salvo melhor opinião, não podemos concordar e compreender tal decisão.
3. A 10.02.2022 o Ministério Público instaurou a presente ação de acompanhamento de maior requerendo o acompanhamento de L…, tendo, para o efeito, alegado que esta, em síntese, necessitava de total orientação para todas as atividades da sua vida diária, higiene, alimentação e cuidados de saúde, bem como para a tomada de decisões pessoais e patrimonial e concluiu pela necessidade de aplicação de uma medida de acompanhamento.
3. De acordo com os elementos trazidos aos autos, em especial o exame pericial a que a beneficiária foi sujeita, assim como os documentos juntos, a audição da beneficiária e as declarações prestadas pelos seus familiares, cremos que efetivamente a beneficiária, devido à doença que padece necessita do regime de acompanhamento, por se encontrar demonstrada a impossibilidade de exercer, de forma plena, pessoal e consciente, os seus direitos e de cumprir os seus deveres.
4. Não podendo concordar-se com o entendimento de que não se apuraram que as capacidades intelectuais e volitivas da beneficiária estejam afetadas a ponto de prejudicar o exercício dos seus direitos e cumprimento dos respetivos deveres, não existindo, por isso, qualquer vantagem para a beneficiária na decretação de qualquer medida de acompanhamento.
5. Aliás, o exame médico a que foi sujeita a tal acompanhamento aconselha. Do relatório pericial junto resulta o parecer de que a beneficiária apresenta “alguns défices cognitivos que serão, porventura, compatíveis como o diagnóstico de Défice Cognitivo Ligeiro (CID-l02: F 06.7, OMS3, 1992)”, sendo que “devido às várias patologias de que padece a Examinanda encontra-se muito limitada do ponto de vista motor e na sua autonomia, a que acresce o facto de se ter afastado da família e viver com pouco contacto social (…)”.
7. Mais se refere que “estão descritos períodos de desorientação já no ano 2020 que se devem à instabilidade da situação de saúde, que será permanente, irreversível e progressiva, admitindo-se que a tendência seja para o agravamento, pelo que importa acautelar o futuro, até porque a Examinanda apresenta já uma idade avançada (i.e., 89 anos)”.
8. Diz-se ainda que L… “do ponto de vista patrimonial, face à extensão da situação de saúde e à fraca reserva cognitiva, bem como pelo facto de não ser responsável pela gestão dos seus bens há vários anos (…) não apresenta condições para administrar autonomamente a totalidade do seu património, ou sequer para levar a cabo negócio da vida corrente, tendo revelado dificuldade na identificação do valor facial e monetário do dinheiro (sobretudo moedas) e que já não tem noção do valor de bens de uso corrente.”
9. Também no que ao direito de aceitar ou recusar tratamentos medicamente propostos considera-se que “por poderem existir oscilações do seu estado e tendência ao agravamento a breve-prazo, a responsabilidade em aceitar ou recusar tratamentos médico-cirúrgicos, e em agendar consultas ou gerir medicação prescrita não lhe deverá estar totalmente confiada, beneficiando que as decisões de saúde sejam assistidas pelo Acompanhante”.
10. Assim, “é possível afirmar, relativamente ao seu comportamento, pensamento e afectividade, existirem limitações motoras e alguma deterioração cognitiva, que na prática e na actualidade, dificultam o exercício dos seus direitos e cumprimento dos seus deveres irreversivelmente (…) concluindo-se que “a Examinanda beneficia da nomeação de um Acompanhante, no caso e face à importante incapacitação com poderes de representação especial, administração total do património e eventual limitação de direitos pessoais. conforme acima elencado, abrangendo vários actos da vida em sociedade, que dela possa cuidar e com quem mantenha afectividade, ou seja, que possa garantir o exercício de direitos, cumprimento de deveres, assegurar o seu bem-estar e - dentro de certos limites -, a sua eventual recuperação.”
11. Analisando a sentença em crise vemos que são aí discriminados os factos que foram considerados provados. Todavia, não se encontra especificado, relativamente a cada facto dado como provado, em que meio de prova a Mm.ª Juiz a quo baseou a sua convicção, fazendo-o de forma genérica, com mera alusão, aos “elementos recolhidos nos autos, documentos juntos, relatório pericial de fls. 18 e seguintes, complementado a fls.62 e seguintes, bem assim ante a audição do beneficiário”.
12. Segundo preconizado no acórdão do STJ de 26-02-2019, proferido no processo n.º 1316/14.4TBVNG-A.P1.S2 (in www.dgsi.pt): «I. A fundamentação da matéria de facto provada e não provada, com a indicação dos meios de prova que levaram à decisão, assim como a fundamentação da convicção do julgador, devem ser feitas com clareza, objectividade e discriminadamente, de modo a que as partes, destinatárias imediatas da decisão, saibam o que o Tribunal considerou provado e não provado e qual a fundamentação dessa decisão reportada à prova fornecida pelas partes e adquirida pelo Tribunal.”
13. O juiz, na fundamentação da sentença, além de declarar quais os factos que julgados provados/não provados, tem o dever de fundamentar/motivar a decisão sobre a matéria de facto provada/não provada, devendo analisar criticamente as provas, “indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência” (art.º 607.º, n.ºs 4 do CPC)
14. O que a Mm.ª Juiz do tribunal a quo, como se viu, não fez.
15. Os factos 3, 6, 7, 8 e 12 foram errada ou
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