Acórdão nº 1172/22.9T8CHV.G1-A de Tribunal da Relação de Guimarães, 2023-05-25

Ano2023
Número Acordão1172/22.9T8CHV.G1-A
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

As Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam no seguinte
ACÓRDÃO

I. Relatório:

Na execução movida pelo Banco 1..., SA., contra AA e BB:
1. A Agente de Execução a 4.10.2022 declarou “(…) requerer que profira despacho autorizando o prosseguimento destes autos, com vista à venda do imóvel, que se trata de imóvel habitação própria e permanente, citando-se para o efeito a Fazenda Nacional e outros credores, para em sede deste processo executivo, reclamarem o seu crédito, que será graduado e pago com o produto da venda do imóvel.»
2. A 28.10.2022 foi proferida a seguinte decisão:
«Cumpre apreciar:
Dos autos resulta que o processo e execução fiscal onde foi efetuada, primeiramente, a penhora do bem que também foi objeto de penhora nestes autos, não vai prosseguir, devido ao facto de o imóvel ser de habitação própria dos executados.
A este propósito e depois de, entretanto, ponderarmos melhor todos os interesses em conflito, entendemos que é de sufragar a posição, no que a esta matéria concerne, defendida no Acórdão da Relação de Coimbra de 24-10-2017, proferido no âmbito do Processo nº 249/13.6TBSPS-A.C1 e acessível in www.dgsi.pt.
Como bem se menciona no referido Acórdão de 24-10-2017, a «impossibilidade de venda do imóvel penhorado que seja habitação própria e permanente do executado não foi estendida aos demais credores, pelo que à partida não se afigura razoável que se impeça um credor comum com uma penhora sobre aquele bem que foi reclamar o seu crédito numa execução fiscal de promover a sua venda para ver satisfeito o seu crédito. No caso em apreço a execução movida pelo Exequente foi sustada para este ir reclamar o seu crédito ao processo de execução fiscal em virtude de penhora anterior à sua sobre o mesmo bem. A aparente desarmonia do regime em causa criada pelo n.º 2 do art.º 244º do CPPT resulta da interpretação deste preceito que, forçosamente não pode ser literal, sendo manifesto que nada nos indica que o legislador tenha querido criar um entrave ao prosseguimento das ações executivas cíveis. Mantendo-se a penhora anterior efetuada na execução fiscal não dúvida que é que o agora Exequente terá que reclamar o seu crédito e direito a vê-lo pago pelo produto da venda do bem penhorado. A solução para a questão há-de encontrar-se na interpretação que se faça do citado art.º 244º, n.º 2 que tem de ser no sentido de que a Administração Fiscal não pode promover, nessa situação penhora de imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do executado ou do seu agregado familiar –, a venda desse bem, mas não impede que um credor que nesse processo tenha reclamado o seu crédito promova essa venda dado que se encontra em situação similar à prevista no art.º 850º, n.º 2, do C. P. Civil, normativo que deve ser aplicado com as adaptações necessárias. Tal interpretação reduz, pois, o âmbito de aplicação daquele preceito 244º, n.º 2, do CPPT aos casos em que a Administração Fiscal seja o único credor interveniente no processo. A interpretação que entendemos ser a adequada é a única que respeita o estatuto do exequente que se apresenta como reclamante na execução prioritária por ter sido forçado, em razão de pendência de uma execução com penhora anterior sobre o mesmo bem, a exercer os seus direitos nessa outra execução (Neste sentido, defendendo também a inoponibilidade do preceito em análise no caso de concurso de credores na execução fiscal, o artigo de J H Delgado Carvalho, com a colaboração de Miguel Teixeira de Sousa, As alterações introduzidas pela Lei n.º 13/2016, de 23/5, no Código de Procedimento e de Processo Tributário e na Lei Geral Tributária e as suas repercussões no concurso de credores publicado no Blog do IPPC em 11.7.2016.). Quanto a estes credores escreveu Anselmo de Castro posição que adoptamos como a correcta (A Acção Executiva Singular, Comum e Especial, ed. 1977, pág. 173, Coimbra Editora): E nela necessariamente hão-de dispor dos direitos que lhes caberia na sua própria execução, designadamente o de promover o andamento dos termos do processo, quando necessário, o de serem pagos pelo seu crédito na extinção da execução por pagamento voluntário e o de prosseguir com a execução em caso de desistência do exequente, estejam ou não graduados os créditos, etc., até porque, de contrário, a razão de economia processual impeditiva do exercício dos seus direitos na própria execução se frustraria (No mesmo sentido Rui Pinto in Manual da Execução e Despejo, ed., pág. 869-870, Coimbra Editora). A execução cível nunca poderá prosseguir enquanto a penhora anterior se mantiver registada atenta a sua prevalência sobre as posteriores art.º 822º do C. Civil e o disposto no art.º 794º n.º 1, do C. P. C. que não permite que o credor com penhora anterior reclame o seu crédito no processo onde foi efectuada a penhora posterior (Em sentido contrário o acórdão deste tribunal de 26.9.2017 relatado porFonte Ramos e acessível em www.dgsi.pt.). Assim, entendemos, na interpretação que fazemos do art.º 244º, n.º 2, do CPPT, que o Exequente não se encontra impedido de exercer o direito a ver satisfeito o seu crédito através da penhora do bem imóvel que se encontra penhorado na execução fiscal, podendo promover a venda do mesmo, pelo que concluímos que a decisão recorrida ao não admitir o prosseguimento desta execução não viola qualquer preceito constitucional.».
Ora, em face do que se deixou exposto, parece-nos que nada impede os credores reclamantes que tiverem reclamado créditos na execução fiscal de aí promoverem essa execução com o pedido de venda do imóvel aí penhorado com preferência em relação à penhora efetuada nestes autos, motivo pelo qual se indefere o requerido na comunicação em apreço quanto ao prosseguimento da presente execução com a venda do bem, cuja penhora se encontra sustada.
Notifique e comunique.».
3. A exequente interpôs recurso da decisão de I-1 supra, apresentando as seguintes conclusões:
«A. Vem o presente Recurso interposto do despacho que julgou improcedente o prosseguimento dos presentes autos baseando a sua decisão no facto de “os credores reclamantes que tiverem reclamado créditos na execução fiscal de ai promoverem essaexecução com o pedido de venda do imóvel ai penhorado com preferência em relação à penhora efetuada nestes autos, motivo pelo qual se indefere o requerido na comunicação em apreço quanto ao prosseguimento da presente execução com a venda do bem, cuja penhora se encontra sustada.”
B. O Recorrente não se conforma com o despacho do Tribunal a quo.
C. O Tribunal a quo, decidiu erroneamente à suspensão da instância.
D. A penhora do Serviço de Finanças é anterior à da Exequente.
E. O Serviço de Finanças ... entendeu que não poderá vender o imóvel objecto de penhora, porque é a casa de morada de família dos Executados.
F. A Exequente, face ao entendimento do Serviço de Finanças ..., entende que os presentes autos devem prosseguir com a venda do imóvel, uma vez que,
G. Os Executados para além de não poderem beneficiar desta dupla suspensão,
H. A Exequente está a ser lesada, atento o crédito e hipoteca que detém sobre o imóvel.
I. Atento o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 22de Outubro de 2019, Proc. Nº 8590/18.5T8PRT-B.P1: “I - Quando em execução cível for penhorado imóvel que constitua a casa de morada de família do executado e sobre ele incida penhoracom registo anteriorrealizadaem execução fiscal, nãopodendo o imóvel ser vendido na execução fiscal em virtude do estabelecido na Lei 13/2016, não lugar à suspensão da execução cível nos termos do artigo 794º, nº1 do Código de Processo Civil. II Nessa situação, a AT deverá ser admitida, após a citação prevista no artigo 786º, nº1, alín. B) do Código de Processo Civil, a reclamar o seu crédito na execução comum para ser graduado no lugar que lhe competir para ser pago pelo produto da venda do imóvel nesta execução.”.
J. Face ao exposto, decidiu erroneamente, o Tribunal a quo, quando entendeu que ““ nada impede os credores reclamantes que tiverem reclamado créditos na execução fiscal de ai promoverem essa execução com o pedido de venda do imóvel ai penhorado…”.
K. Desta forma, deverá V. Exa., julgar procedente o presente recurso e determinar o prosseguimento da execução com a respectiva venda do imóvel objecto de penhora nos presentes autos.

TERMOS EM QUE, NOS MELHORES DE DIREITO E COM O SEMPRE MUI DOUTO SUPRIMENTO DE VOSSAS EXCELÊNCIAS, DEVE O PRESENTE RECURSO SER CONSIDERADO PROCEDENTE, ALTERANDO-SE O DESPACHO RECORRIDO COM AS LEGAIS CONSEQUÊNCIAS, COM O QUE SE FARÁ JUSTIÇA!».

4. Depois de admitido o recurso na 1ª instância, foi recebido nesta Relação a subir imediatamente, em separado e com efeito devolutivo.

II. Questões a decidir:

As conclusões das alegações do recurso delimitam o seu objeto, sem prejuízo da apreciação das questões de conhecimento oficioso não decididas por decisão transitada em julgado e da livre qualificação jurídica dos factos pelo Tribunal, conforme decorre das disposições conjugadas dos artigos 608º/ 2, ex vi do art. 663º/2, 635º/4, 639º/1 e 2, 641º/2- b) e 5º/ 3 do C. P. Civil.

Define-se como questões a decidir:
1. Oficiosamente: se existem elementos de facto provados que permitam apreciar a o objeto do recurso referido em 2 infra.
2. Suscitado neste recurso: se o despacho recorrido padece de erro de direito, por, no caso em que o processo de execução fiscal onde se realizou a primeira penhora não poder prosseguir para a venda do bem penhorado nos termos do art.244º/2 do CPPT (por o imóvel ser a casa de morada de família dos executados), não dever ser sustada a ação executiva comum onde ocorreu a segunda penhora sobre o mesmo bem e dever a mesma prosseguir para a venda do bem penhorado.

III. Fundamentação:
A questão jurídica suscitada no recurso está configurada como sendo originada pela dupla...

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