Acórdão nº 1152/10.7TAOER.1-A.L1-3 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2022-05-04

Ano2022
Número Acordão1152/10.7TAOER.1-A.L1-3
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam na Secção criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:


I–Relatório


1.–Nestes autos de Embargo de Executado com o nº supra identificado foi proferida saneador – sentença, dispensada a audiência preliminar, no Juízo Local Criminal de Oeiras - Juiz 2 do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste que decidiu julgar os embargos de executado improcedentes e determinou o prosseguimento da execução.

2.–Não se conformando com tal decisão, veio o Embargante, AMFA interpor recurso terminado a sua motivação com as seguintes

Conclusões:

A)–Atento o AUJ nº 5/2018, efectivamente não merece qualquer reparo a fundamentação da sentença ao considerar que “A insolvência do lesante não determina a inutilidade superveniente da lide do pedido de indemnização civil deduzido em processo penal.”.
B)–Porém, já não se concorda com o facto do Tribunal recorrido considerar que o embargado/exequente não teria de ter reclamado o seu crédito no processo de insolvência identificado no ponto 2 dos factos assentes e que, ao invés, deveria exercer o seu direito através da execução apensa.
C)–O AUJ nº 5/2018 é muito claro a lembrar da necessidade do lesado reclamar o seu crédito no processo de insolvência, sem prejuízo da insolvência do lesante não determinar a inutilidade superveniente da lide do pedido de indemnização civil deduzido em processo penal.
D)–Diametralmente do espelhado na sentença de que se recorre (que refere o crédito do embargado só nasceu com o trânsito em julgado do processo criminal), determina precisamente o AUJ nº 5/2018:
“(...)

4.–De tudo o exposto concluímos que:

Por força do princípio de adesão, o titular do direito a indemnização, fundada na prática de crime, apenas no processo penal pode ver reconhecido o seu direito a ser indemnizado e determinado o quantitativo da indemnização pelos prejuízos causados (nos termos do disposto nos arts. 71.º a 84.º, do CPP). Só após o reconhecimento do direito e a determinação do quantitativo indemnizatório é que se torna claro qual o crédito de que emerge a obrigação de indemnizar. E somente quando não ocorra o cumprimento desta obrigação e após o vencimento da dívida[33] assiste ao credor o direito intervir no processo de insolvência para obter o pagamento da dívida pelo produto da liquidação dos bens do devedor. Deverá, então, ser reclamado o crédito no processo de insolvência no prazo fixado ou posteriormente até ao encerramento do processo de insolvência (cf. arts. 1.º, 3.º, 47.º, 90.º, 128.º, 146.º, n.º 1, e 230.º, do CIRE).
(…)
[33] Isto é, tratando-se de obrigação resultante de ato ilícito, como tal não sujeita a interpelação, o vencimento do obrigação só se dá quando o crédito se torna líquido, o que pressupõe que o pedido de indemnização seja julgado procedente pela sentença condenatória, pelo que o vencimento da obrigação ocorre, neste caso, a partir da citação, data a partir da qual o devedor se constitui em mora (artigo 805.º, n.º 3, do Código Civil) (cfr. Inocêncio Galvão Teles, Direito das Obrigações, 7.ª ed., 2010, Coimbra: Coimbra Editora, p. 256-7).”
E)–Assim, como se vê, lembra o Acórdão Uniformizador que o vencimento/nascimento da dívida ocorre com a “citação, data a partir da qual o devedor se constitui em mora (artigo 805.º, n.º 3, do Código Civil) (cfr. Inocêncio Galvão Teles, Direito das Obrigações, 7.ª ed., 2010, Coimbra: Coimbra Editora, p. 256-7)” - in casu, com a notificação do lesante para contestar o pedido de indemnização civil - e nunca com o trânsito em julgado da decisão (como definiu erradamente o Tribunal criticado).
F)–De resto, a sentença proferida nos autos principais de que a execução e os presentes são apensos, apenas reconheceu judicialmente o crédito indemnizatório do aqui embargado/exequente, cujo vencimento ocorreu com a citação, ainda que o mesmo careça do trânsito em julgado da decisão para adquirir certeza.
G)–Aliás, a própria sentença dada à execução e que transitou em julgado em 26 de Fevereiro de 2014 condena o embargante a pagar juros de mora desde a prolacção da sentença em 20 de Junho de 2013, conforme peticionado pelo lesado ao abrigo do princípio do dispositivo e não a contar do seu trânsito em julgado.
H)–Pelo que, por uma questão de lógica, seria um completo absurdo o crédito se ter vencido com o trânsito em julgado em 2014, mas o embargante estar condenado a pagar juros de mora desde 2013, ou seja, desde um momento em que alegadamente inexistia sequer qualquer crédito que pudesse vencer juros.
I)–Assim, parece mais do que pacífico que, se existe vencimento de juros a partir de determinada data é porque existe a obrigação de pagamento ocorre a partir desse momento.
J)–Ora, resulta manifesto dos autos principais que participação criminal ocorreu em Maio de 2010 por referência aos factos ocorridos em 2009 e o pedido de Indemnização Civil formulado de fls 125/134 no processo principal de que a execução é apensa, foi apresentado no ano de 2011, tendo o embargante sido notificado para contestar tal pedido em 20 dias por notificação datada de 1 de Fevereiro de 2012 e declarado insolvente por sentença proferida a 19 de março de 2012, transitada a 9 de abril de 2012.
L)–Aquando da declaração de insolvência do embargante estava, pois, o embargado/exequente em condições de reclamar o seu alegado crédito no processo de insolvência, ainda que a título condicional, aguardando depois o rateio no processo de insolvência pelo desfecho do processo criminal.

M)– MRE_____, in “Manual de Direito da Insolvência”, 7ª edição Almedina 2019, apresenta o seu ponto de vista:
1.º-todos os créditos sobre a insolvência (incluindo os créditos indemnizatórios, vencem-se com a declaração de insolvência – art. 91º, n.º 1 do CIRE);
2º.-se o lesado aguardar pela decisão final para reclamar o seu crédito no processo de insolvência, corre o risco de nada remanescer para pagar o seu crédito (que ainda não foi reclamado);
3.º-a falta de liquidez do crédito não é impedimento da sua reclamação (art. 96º);
4.º-a pendência da ação cível não obsta a que se reclame, já no processo de insolvência, o crédito indemnizatório, como as quantias ficam “cativas” para aquele credor – art. 181.º do CIRE”.

N)–Impunha-se, então, ao embargado reclamar o seu crédito no processo de insolvência, ainda que de forma condicional (e aguardando o trânsito em julgado da decisão a proferir no processo penal), uma vez que aquando da declaração de insolvência já tinha sido definitivamente formulado o pedido de indemização civil e já tinha ocorrido a citação/notificação para contestar (para os efeitos previstos no artigo 805.º, nº 3 do Código Civil).

O)–Leia-se a propósito, o sumário do Acórdão do TRG proferido por unanimidade a 6/02/2014 cujo excertos mais significativos se entram supra transcritos nas alegações de recurso:
I-Vigora na insolvência o princípio da reclamação universal, devendo nela ser reclamados todos os créditos.
II-O crédito proveniente de acidente de trabalho sempre tem de ser feito valer no respetivo processo, não sendo causa da inutilidade deste a declaração de insolvência da entidade patronal responsável.
III-Tal não impede o credor de reclamar, sob condição, o seu crédito na insolvência.

P)–Lembre-se que aqui não está em jogo apenas o direito do embargado a receber o seu crédito, mas o direito de todos os credores a receberem os seus créditos em igualdade de circunstâncias de acordo com as regras do CIRE, não podendo haver credores que o recebem de forma mais favorável do que os demais.
Q)–Razão pela qual, não só podia, mas devia ter sido reclamado tal crédito a título condicional no processo de insolvência, ficando a aguardar-se o trânsito em julgado, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos, 50.º, 181.º e 245.º do CIRE.
R)–Aliás, mesmo antes do AUJ nº 5/2018, também o TRE já tinha decidido que a insolvência do arguido não implicava a inutilidade superveniente do pedido de indemnização civil, mas lembrando da necessidade de ser reclamado o crédito no processo de insolvência, conforme se pode ler no seu Acórdão de 30/09/2014 disponível em www.dgsi.pt e cujos excertos mais relevantes supra se transcreveram nas alegações de recurso
S)–Requerendo-se, atento todo o exposto, que o Venerando Tribunal da Relação modifique em conformidade a decisão proferida pelo Tribunal sindicado, julgado totalmente procedentes os embargos deduzidos.

II–Da impugnação da matéria de facto

T)–O Tribunal de primeira instância considerou com revelância para a decisão de mérito apenas 4 (quatro) factos que considerou assentes, mas entende o recorrente que deveria ter sido igualmente considerado assente, pelo menos os três seguintes factos, com extrema relevância para as várias soluções plausíveis de direito:
5.-A participação criminal ocorreu em Maio de 2010 por referência aos factos ocorridos em 2009 com a não devolução de equipamentos avaliados no valor global de € 16.248,24 (dezasseis mil duzentos e quarenta e oito euros e vinte e quatro cêntimos).
6.-O pedido de Indemnização Civil formulado de fls 125/134 no processo principal de que a execução é apensa, foi apresentado no ano de 2011.
7.-A embargada/exequente não reclamou o seu crédito no processo de insolvência identificado no ponto 2.”

U)–Os factos que se sugere sejam aditados como pontos 5 e 6 resultam dos próprios autos principais e o facto que se sugere seja aditado como ponto 7 resulta não só dos documentos nºs 3 e 4 juntos com a petição de embargos, como do próprio reconhecimento da embargada na sua contestação (artigo 6.º).
V)–Mas ainda mais importante, de acordo com a própria decisão que foi proferida, devia ter sido considerado assente como ponto 8 que, por notificação datada de 1 de Fevereiro de 2012 foi o embargante notificado no processo nº 1152/10.7TAOER do pedido de indemnização civil formulado e para no prazo de VINTE DIAS, apresentar, querendo, a contestação, nos
...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT