Acórdão nº 1151/17.8T8AVR.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 15-06-2023

Data de Julgamento15 Junho 2023
Ano2023
Número Acordão1151/17.8T8AVR.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo nº 1151/17.8T8AVR.P1
(Comarca de Aveiro – Juízo Central Cível de Aveiro – Juiz 1)


Relatora: Isabel Rebelo Ferreira
1ª Adjunta: Deolinda Varão
2ª Adjunta: Isoleta Costa

*

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I AA e esposa, BB, intentaram, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, acção administrativa comum, sob a forma ordinária, contra “A..., S.A.”, actualmente com a denominação “A...”, pedindo a condenação desta a:
A) I – “reconhecer que os AA. são proprietários, donos e legítimos possuidores dos prédios identificados nas als. a), b), c), d) e e) do artº. 1º” da petição inicial;
II – e, “considerando-se provada a sua responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito”:
a) retirar os postes e fios de alta tensão que estão implantados e passam sobre os prédios dos AA., repondo tudo no seu estado anterior;
b) “indemnizar os AA. por todos os danos (prejuízos) patrimoniais e não patrimoniais já liquidados nos artºs. 167º a 189º e 227º” da petição inicial, que ascendem a €104.500,00.
B) Subsidiariamente pedem a condenação da R. a:
I – “reconhecer que os AA. são proprietários, donos e legítimos possuidores dos prédios identificados nas als. a), b), c), d) e e) do artº. 1º” da petição inicial;
II – e, “considerando-se que o acto da Ré não deva ser qualificado como ilícito”, “a título de responsabilidade por acto lícito, à reparação “in natura”, ou seja, à reposição da situação hipotética actual, à reparação de todos os danos emergentes e de todos os lucros cessantes que se venham a provar que têm um nexo de causalidade com o acto lícito danoso, a liquidar em execução de sentença”.
Alegaram para tal que são proprietários dos cinco prédios identificados no art. 1º da petição inicial, que se encontram em zona que permite a afectação à construção de pavilhões ou naves para fins industriais, designadamente armazéns, que diligenciaram pela obtenção de projectos com vista a submeter os referidos terrenos junto dos organismos próprios à apreciação de viabilidade de construção de naves industriais, tendo obtido parecer favorável, e que a R., no âmbito da sua actividade de distribuição de energia eléctrica em regime de concessão de serviço público, avançou com a construção de infraestruturas destinadas a dar suporte a uma linha de alta tensão de 60 kW entre Mourisca do Vouga e Ílhavo, tendo implantado o apoio nº 7 de suporte a essa linha no prédio dos AA. identificado na al. d) do art. 1º da petição inicial, para o que entrou nos prédios dos AA. com pessoal e maquinaria que contratou para o efeito, sem autorização, procedeu ao desbaste e corte de eucaliptos de grande porte ali existentes, destruiu outras árvores em crescimento, desconfigurou o solo dos terrenos e ocupou uma faixa de terreno para colocação daquele apoio, ficando os AA. impossibilitados de continuar a explorar aqueles terrenos para fins de criação e produção de madeira e de implantar naqueles locais unidades industriais, inviabilizando qualquer tipo de utilização futura para toda a área daqueles prédios, inclusive a área não abrangida pelo corte e devassa.
A R. contestou, impugnando os factos alegados pelos AA. para fundamentar a sua pretensão e alegando que possuía licença de estabelecimento e licença de exploração para a linha em causa, encontrando-se o apoio implantado no prédio dos AA. devidamente licenciado pelo órgão do Governo com competência para tal efeito, que efectuou os trabalhos respectivos a coberto e por força da Intimação Administrativa emanada da D.R.E. do Centro, a que teve de recorrer, assim como à Posse Administrativa, para estabelecer uma linha eléctrica de utilidade pública, devido à intransigência do A. marido, e que a madeira cortada ficou nos respectivos terrenos.
Pediu ainda a condenação dos AA. como litigantes de má fé, em multa e indemnização.
Os AA. responderam, mantendo a posição assumida na petição inicial e defendendo não existir litigância de má fé da sua parte, requerendo, por sua vez, a condenação da R. como litigante de má fé, em multa e indemnização.
Foi realizada audiência prévia e foi elaborado despacho saneador, no qual o Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro se declarou incompetente para conhecer do pedido subsidiário, decisão que foi confirmada, em recurso, por Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 15/07/2016 (fls. 765/782).
Foi remetida, a pedido dos AA., certidão do processo para o Juízo Central Cível de Aveiro, nos termos do art. 99º, nº 2, do C.P.C., para conhecimento do pedido subsidiário formulado, originando a presente acção.
Por despacho de 10/05/2017 foi declarada suspensa a instância até à decisão final do pedido principal no processo do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, por o conhecimento do pedido subsidiário depender da improcedência daquele.
O pedido principal foi julgado improcedente, bem como os pedidos de condenação em litigância de má fé, por sentença de 29/07/2019, transitada em julgado, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro.
Prosseguiram então os presentes autos, com dispensa da audiência prévia. Foi proferido despacho saneador, foi fixado o objecto do litígio e foram elencados os temas da prova.
Procedeu-se seguidamente a julgamento.
Após, foi proferida sentença, em 02/12/2022, na qual se decidiu julgar a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenar a R. a pagar aos AA. a quantia de €30.791,10, acrescida de juros de mora, à taxa legal, a partir de 28/03/2017 (data em que os autos deram entrada no Tribunal da Comarca de Aveiro) e até integral pagamento.
De tal sentença veio a R. interpor recurso, tendo, na sequência da respectiva motivação, apresentado as seguintes conclusões (!), que se transcrevem:
«A. Foi a Recorrente A... S.A. condenada a pagar aos Recorridos AA e BB a quantia global de €30.791,10, acrescida de juros de mora à taxa legal, a título de indemnização emergente de responsabilidade civil por factos lícitos, decorrente do estabelecimento da linha de distribuição de energia elétrica a 60 kV Mourisca-Ílhavo.
B. O presente recurso de apelação limita-se à parte da sentença que contende com a condenação da Recorrente no pagamento aos Recorridos do montante parcial de €30.000,00, referente à perda edificativa de 600 m2 nos terrenos propriedades daqueles, com fundamento no estabelecimento da linha.
C. Esta parte da sentença enferma de erro na apreciação da matéria de facto e de Direito, resultando da prova produzida que a perda da capacidade construtiva não é definitiva, uma vez que os terrenos dos Recorridos podem a todo o tempo recuperar a sua capacidade construtiva plena, não havendo qualquer definitividade na situação atualmente existente.
D. Tal matéria contende diretamente com os pontos 10, 15 e 16 dos factos provados, cuja alteração se impõe, em face da prova produzida em audiência de julgamento.
E. Inexistindo uma perda definitiva da capacidade construtiva, então não haverá qualquer prejuízo atendível a este título, resultando precludido enquadramento de Direito expendido na sentença proferida pelo tribunal a quo.
F. A verdade é que a indemnização fixada pelo tribunal a quo a título de perda de capacidade construtiva tem como consequência única e direta o enriquecimento indevido dos Recorridos, uma vez que lhes é permitido receber esta compensação monetária, sem que lhes seja retirada a possibilidade real e efetiva de restituir a plenitude das capacidades aos terrenos em causa, através de um pedido de modificação de linha, tal como previsto nos artigos 43.º e 44.º do Decreto-Lei n.º 43335 de 19 de novembro de 1960.
G. O ponto 10 dos factos provados deve ser retirado da matéria dada como provada, pois a resposta dada pelos senhores peritos a esta matéria em concreto deve ser apreciada e inserida no teor do relatório globalmente elaborado e, bem assim, nos esclarecimentos prestados em audiência de julgamento.
H. Desde logo, resulta claramente da resposta aos quesitos 1.º e 2.º que os Recorridos apenas apresentaram junto da Câmara Municipal ... dois pedidos de informação prévia, ambos deferidos pelo Município e válidos por ano, inexistindo nos autos qualquer pedido de licenciamento para construção ou qualquer despacho camarário de indeferimento de um pedido dessa natureza.
I. E assim é uma vez que os Recorridos jamais apresentaram efetivamente qualquer pedido de licenciamento para efeitos de construção naquele local, tendo as suas démarches se limitado à apresentação dos PIP’s e nada mais.
J. Resulta da aplicação conjugada da alínea h), n.º 2 do artigo 4.º, do artigo 14.º e do n.º 3 do artigo 17.º do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação que o pedido de informação prévia não se confunde com o pedido de licenciamento, tanto mais que tem uma validade de um ano, sendo certo que a apresentação de pedido de licenciamento é obrigatória no caso de obras de construção de imóveis em áreas sujeitas a servidão administrativa, como é o caso dos terrenos versados nestes autos.
K. Sucede que os Recorridos jamais apresentaram junto da Câmara Municipal ... qualquer pedido de licenciamento nos termos e no prazo previstos nos citados normativos do RJUE, motivo pelo qual não poderia o tribunal recorrido ter dado como provado que caso não fosse o apoio n.º 7, seria concedida aos Recorridos licença de construção naquele local, pois nada existe no processo que confirme esta afirmação.
L. Aliás, seria até no âmbito deste pedido de licenciamento de construção que a Recorrente seria consultada pelo Município para se pronunciar quanto a uma eventual incompatibilidade técnica entre a construção projetada e o traçado da linha elétrica, o que nunca aconteceu.
M. Não tendo jamais sido apresentado um pedido de licenciamento, devidamente instruído com plantas, alçados e outros documentos técnicos, nem sequer se chegou a saber em que medida a linha e o apoio efetivamente contenderiam com uma eventual construção.
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