Acórdão nº 1150/22.8T8CTB-A.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 07-11-2023

Data de Julgamento07 Novembro 2023
Ano2023
Número Acordão1150/22.8T8CTB-A.C1
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE CASTELO BRANCO)
Apelações em processo comum e especial (2013)

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Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]

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1 – RELATÓRIO

AA e BB intentaram ação declarativa de condenação, com processo comum, contra “MUNICÍPIO ...”, alegando, em síntese, que são as proprietárias do prédio que se encontra descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...2 e que, antes da desanexação de dois talhões de terreno, era composto por uma parte rústica com a área de € 72.036 m2 e dois edifícios com as áreas de 46 m2 e 17 m2.

Sucede que, em meados do ano de 1999, “sem qualquer autorização ou sequer conhecimento prévio dos respetivos proprietários”, o Município Réu providenciou pela ocupação de uma parte do prédio a que se aludiu, nela construindo uma via rodoviária entre as povoações de ... e ....

Apesar disso, e embora tenham sido estabelecidos vários contactos entre as partes e solicitadas várias avaliações da parcela de terreno em causa, o Réu “nem adquiriu tal parcela ocupada, nem acordou qualquer pagamento a título de compensação/indemnização pela ocupação”.

Assim, pretendem as Autoras ser ressarcidas dos danos que consideram ter sido causados pelo Município Réu, uma vez que se encontram impedidas de instaurar a competente ação de reivindicação em virtude de a parcela de terreno ocupada ter passado a integrar o domínio público do MUNICÍPIO ....

As Autoras terminaram o seu articulado inicial sustentando que a presente ação deve ser julgada procedente e, em consequência:

«a) Que as Autoras são em comum e sem determinação de parte ou direito legítimas donas do prédio misto melhor descrito nos artigos 1º e 2º da petição e o Réu condenado a reconhecer isto mesmo;

b) Ser declarado que, para todos os efeitos, o Réu, através dos seus representantes/executores e demais pessoal, e ou por meio de construtores e empreiteiros, executando ordens e instruções de emanadas, sem qualquer autorização de qualquer das ora Autoras, ou sequer simples conhecimento prévio delas, invadiu, em data que não se tem presente mas que se calcula ter sido no ano de 2000, com máquinas, maquinismos, ferramentas e o mais, aquele seu prédio melhor identificado nos artigos 1º e 2º da petição, e o Réu condenado a reconhecer isso mesmo;

c) Ser declarado, para todos os efeitos, que o Réu, ocupou assim, sem autorização ou sequer conhecimento prévio das Autoras, através dos meios e procedimentos aludidos na alínea anterior, uma parcela de terreno com a área de 6.681,00 m2, a que deu lugar a uma via pública de acesso entre .../..., destinando 2.837,00 m2 à faixa de rodagem e 3.844,00 m2 a taludes, e o Réu condenado a reconhecer isso mesmo;

d) Ser declarado que, na sequência de tal ocupação da parcela de terreno e sua substituição por uma via estradal, o terreno sobrante foi afetado, com alteração da orografia de terreno, tornando mais difíceis os acessos, desvalorizando tal parte sobrante, e o Réu condenado a reconhecer isso mesmo;

e) Ser declarado que face ao princípio de intangibilidade da obra pública, a parte ocupada pelo Réu passou a integrar o domínio público e a estar fora do comércio jurídico, e o Réu condenado a reconhecer isso mesmo;

f) Em face do princípio enumerado na alínea anterior, e dada a impossibilidade das AA. retomarem o que lhes foi retirado abusivamente, deve o Réu ser condenado a pagar às AA. uma justa indemnização decorrente de tal ocupação ilegítima, com base na perda da parcela tendo por base, quer os critérios apontados pelo Código das Expropriações, quer pelo princípio de tratamentos igualitário dos cidadãos perante a Administração, quer nos princípios da responsabilidade civil por factos ilícitos, nos seguintes termos:

1. No montante de 351.771,48 €, valor do terreno ocupado de acordo com os critérios fixados pelo Código das Avaliações para caso similares;

2. No montante de 9.788,63 €, valores dos prejuízos decorrentes para a parte sobrante em consequência das alterações ocorridas na orografia e acesso.

3. No montante de 10.000,00 €, valor modesto que as AA. peticionam a título de danos não patrimoniais, a fixar pelo Tribunal de acordo com o critério do artigo 496º do Cód. Civil, danos esses sofridos ao longo destes anos decorrentes da conduta do ora Réu.

g) Sobre a soma dos valores peticionados na alínea anterior, deve o Réu ser condenado a pagar às AA. juros à taxa legal supletiva a calcular desde a data da citação e até integral pagamento.

h) Em custas e legais acréscimos.»

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Citado o Réu, apresentou o mesmo a sua contestação onde, e para o que ora releva, começa por invocar a exceção perentória de prescrição do direito de indemnização invocado pelas AA., alegando, no que a tal concerne, muito em síntese, que tendo em conta que, nos termos previstos no artigo 498º, n.º 1, do Código Civil, o direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, e “tendo as Autoras tomado conhecimento da alegada ocupação do seu prédio pelo Réu em data anterior a 15/06/1999”, o direito de indemnização pelas mesmas invocado prescreveu no dia 15 de junho de 2002.

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Notificadas do teor do articulado de contestação apresentado pelo Município Réu, as AA. juntaram aos autos o requerimento a que corresponde a referência n.º 3003311, nos termos do qual vieram sustentar que, para além dos pedidos de indemnização mencionados pelo Réu, formularam também o pedido de reconhecimento de que são as proprietárias do prédio ocupado, o que, em conformidade com o disposto no artigo 498º, n.º 4, do Código Civil, “afastaria tal prescrição, já que, mesmo que se verificasse a prescrição, a mesma não importa a ação de reivindicação, ou seja, o pedido principal formulado na ação”.

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Ao convocar a audiência prévia, a Exma. Juíza de 1ª instância logo adiantou que se perspetivava o conhecimento imediato da exceção perentória de prescrição invocada pelo que iria ser concedido às partes a possibilidade de discutirem, de facto e de direito, a matéria relativa à mencionada exceção perentória (cfr. artigo 591º, nº 1, alínea b), do n.C.P.Civil).

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No dia em que se realizou a dita audiência, após ter facultado às partes pronunciarem-se quanto a tal questão, em linha com o que já havia sido adiantado, passou a Exma. Juíza de 1ª instância a apreciar e decidir a dita exceção de prescrição, no contexto do que considerou que, para o que ora diretamente releva, «(…) improcede a exceção perentória de prescrição invocada pelo Município Réu na parte relativa ao direito de indemnização fixado pelas Autoras no montante de € 351.771,48, correspondente ao “valor do terreno ocupado de acordo com os critérios fixados pelo Código das Avaliações para casos similares”», termos em que, após apreciação do demais suscitado a este propósito, finalizou no seguinte sentido:

«Em face do exposto, nos termos e com os fundamentos indicados, julgo parcialmente procedente a exceção perentória de prescrição invocada pelo Réu MUNICÍPIO ... e, em consequência, absolvo o Réu dos pedidos de pagamento da quantia de € 9.788,63 (nove mil, setecentos e oitenta e oito euros e sessenta e três cêntimos), a título de indemnização pelos “prejuízos decorrentes para a parte sobrante em consequência das alterações ocorridas na orografia e acesso”, e da quantia de € 10.000,00 (dez mil euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais, prosseguindo a presente ação declarativa apenas para conhecimento dos restantes pedidos formulados pelas Autoras.

Custas, nesta parte correspondente à proporção de 5,33%, a cargo das Autoras (cfr. artigo 527º, n.º 1 e 2, do CPC).

Registe (como “decisão de mérito – sem julgamento”) e notifique. »

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Inconformado com um tal despacho, apresentou o Réu Município recurso de apelação contra o mesmo, cujas alegações finalizou com as seguintes conclusões:

«1ª – Do acervo factual considerado provado no despacho recorrido, com relevo para a questão em apreço resulta o seguinte:

- Em meados do ano de 1999, o MUNICÍPIO ... providenciou pela realização das obras de construção da estrada municipal que liga as localidades de ... e ..., obras essas que ocuparam uma parcela dum prédio das Autoras, identificado no ponto 1) dos factos considerados provados.

- Mediante requerimento datado de 19 de abril de 2001, que deu entrada na Câmara Municipal ... a 24 de abril de 2001, a Autora AA solicitou o licenciamento de uma operação de loteamento para o prédio identificado no ponto 1), constando da memória descritiva por esta apresentada, para além do mais, o seguinte: “Embora localizada numa zona de fraca infraestruturação, é no entanto atravessado pela nova via camarária de ligação entre o ... e a ..., via em avançado estado de concretização e finalização. Será a partir deste arruamento que se desenvolverá as acessibilidades à urbanização dotando os arruamentos projetados de todas as infraestruturas necessárias”.

2ª - Refere-se na decisão recorrida que no caso em apreço, em face dos factos alegados pelas Autoras na petição inicial, é inequívoco que as mesmas fundamentam a sua pretensão indemnizatória com base na responsabilidade civil extracontratual do Réu pela produção dos danos que lhes foram causados em consequência da ocupação indevida de uma parte do prédio de que são proprietárias, salientando-se que, em conformidade com o disposto no nº 1 do artigo 498º do CC, “o direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respetivo prazo a contar do facto danoso”.

3ª - Conclui-se em tal despacho que não restam quaisquer dívidas de que, tendo sido proferida decisão de absolvição da instância do Réu Município no âmbito da ação administrativa contra o mesmo instaurada, o novo prazo de três anos de prescrição começou a correr logo após o ato...

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