Acórdão nº 1141/23.1T8FNC.L1-6 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2023-09-28

Ano2023
Número Acordão1141/23.1T8FNC.L1-6
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam os Juízes na 6ª Secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa


1.–Relatório.

1.– A [ LONNY …], maior, solteira, e
2.–B [JENNY …], maior, solteira, AMBAS residentes no Funchal, intentaram [em 25/2/2023] acção com processo ESPECIAL DE TUTELA DA PERSONALIDADE [nos termos dos artºs 878º e segs. do CPC], contra,

3.–CPL – CENTRO DE PADEL E LAZER, LDA., sociedade comercial por quotas com sede à Rua …, Funchal, PEDINDO que uma vez julgada a ação provada e procedente, seja em consequência:
O Réu condenado a garantir a completa insonorização do estabelecimento do local CPL-Centro Padel e Lazer.
O Réu condenado a proceder a todas as alterações necessárias a por termo ao ruído que constitui fonte de grave perturbação do direito ao repouso, sossego, saúde das Autoras se a medida acima peticionada não se vier a revelar suficiente para o efeito, sendo a concretização de esta medida relegada para momento posterior por não se saber qual será ou, sequer, se se revelará necessária em face dos resultados das medidas peticionadas;
Reconhecida a especial urgência no decretamento da providência sem audição da parte contrária e provisoriamente decretada a suspensão de qualquer atividade no estabelecimento CPL-Centro Padel e Lazer, Lda. do Requerido, a partir das 20:00H até as 08:00H do dia seguinte, nos dias úteis e sábados e encerramento aos domingos e feriados.
O Requerido condenado no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória à razão de trezentos euros (EUR 300,00 diários), desde a data fixada da decisão provisória em caso de incumprimento.

1.1.–Para tanto, alegaram ambas as requerentes, em síntese que:
Desde o ano de 2011 que residem no prédio sito à Rua ....., Nº..., prédio no qual mantém a requerida, desde o ano de 2016, um estabelecimento comercial, aberto ao público, dedicado à prática de atividades desportivas, recreativas, de lazer e de restauração, conhecido como o Centro de Padel”;
Ocorre que, se anteriormente no local do actual Centro de Padel funcionava, desde 1995, uma oficina de reparação automóvel e venda de peças, agora com a prática desportiva a ser realizada, sem insonorização adequada, todos os dias, entre as 8:00am até às 24h00, é produzido um ruído que impede o regular descanso das REQUERENTES;
Em razão do referido, estão as AA impossibilitadas de repousar durante o dia, dormir ou, sequer, de descansar antes de dormir, e ninguém pode suportar o ruído constante e diário quando está deitado e se pretende repousar ;
Importa, assim, determinar o encerramento do Centro de Padel aos domingos e feriados, restringindo o horário aos Sábados e dias úteis, entre as 8h00 até as 20h00, pois que o ruído referido tem causado às requerentes dores de cabeça, provocando-lhes profundo desassossego que as deixam num estado de nervos verdadeiramente deplorável, tendo já recorrido aos serviços de uma médica com vista a poder controlar o seu sistema nervoso.
1.2.–Citada a Requerida CPL – CENTRO DE PADEL E LAZER, LDA., e designada data para a realização da audiência, no decurso da mesma deduziu a Requerida CONTESTAÇÃO, no âmbito da qual apresentou defesa por excepção [invocando a exceção de caso julgado, já que foram intentadas nos julgados de paz do Funchal duas ações, uma providência cautelar e uma ação principal, em que as Autoras são as mesmas, a Ré é a mesma, a causa de pedir é a mesma, e o pedido é o mesmo] e por Impugnação motivada [ alegando estar munida de licença camarária para a prática desportiva no local, a que acresce que em face de um relatório de incomodidade” junto, certo é que o barulho que resulta da sua atividade não é superior ao do Trânsito automóvel” ou do ladrar de cães”, logo, não existe qualquer ameaça implícita e imediata da personalidade de alguém, e a actividade exercida pela Ré não é ilícita], pugnando no final pela improcedência da ação.
1.3.–Concluída a audiência de JULGAMENTO [no âmbito da qual as AA responderam à excepção, e foi produzida prova] e, conclusos os autos para o efeito, veio a ser proferida [em 27/6/2023] SENTENÇA que pôs termo à acção, sendo o respectivo excerto decisório do seguinte teor;

“(…)
Pelo exposto julgo a presente ação totalmente procedente por provada e em consequência decido determinar ao Requerido o seguinte comportamento:
1.–Proceder à total e completa insonorização do estabelecimento CPL – CENTRO DE PADEL E LAZER, LDA., com sede à Rua …, Funchal, designadamente dos seus campos de padel, balneários e bar de apoio à atividade, a fim de fazer cessar o ruído demonstrado nestes autos.
2.–Observar, cumprir e fazer cumprir, até que se mostre comprovado, nestes autos, a insonorização referida em 1., o horário de funcionamento dos campos de padel e bar de apoio a esta actividade, da seguinte forma:
2.1.- Abertura às 8h00 da manhã e Encerramento às 20h00 da noite, aos dias úteis e sábados;
2.2.- Encerramento total no domingo.
3.–Mais determino a sanção compulsória no montante de € 300,00 (trezentos euros) por cada infração do Requerido ao horário de funcionamento fixado em 2 .
Valor da causa: € 30.000,01 (trinta mil euros com um cêntimos) – cf. art. 303.º,n.º 1 do Cód.Proc.Civil.
Custas conforme decidido (artigo 607.º, n.º 6, do CPC).
Registe e Notifique.”

1.4.–Notificada da decisão identificada em 1.3., e da mesma discordando, veio então a demandada CPL–CENTRO DE PADEL E LAZER, LDA, interpor recurso de apelação, que admitido foi – e bem - com efeito meramente devolutivo], formulando na respectiva peça recursória as seguintes conclusões:
A)-A douta sentença proferida nos autos, é incorrecta, tanto na forma como no conteúdo, não revelando uma correcta apreciação da matéria de facto com interesse para a decisão e uma adequada aplicação do direito ao caso vertente, pelo que deve ser alterada;
B)-Com base na prova produzida em audiência de julgamento, e dos documentos constantes dos presentes autos, o Tribunal a quo deu como não provado, um facto que deveria ter sido dado como provado.
C)-Não foi alegado por nenhuma parte, ou testemunha, que o Relatório de Medições dos Níveis de Sonoros - Critério de incomodidade não tivesse sido instruído no processo camarário, pelo que o Meritíssimo Juiz ao tecer este facto como não provado, extravasou por completo a realidade e a prova produzida.
D)-A livre apreciação da prova não deverá permitir, salvo melhor opinião, que o julgador possa urdir um facto dado como não provado, que a realidade, os documentos, e as partes nunca puseram em causa, e que aliás confessaram em audiência de julgamento.
E)-Por outro lado, com base na prova produzida em audiência de julgamento, e dos documentos constantes dos presentes autos, o Tribunal a quo deu como provados factos, que deveriam ter sido dados como não provados.
F)-A Ré fez obras de insonorização no complexo desportivo.
G)-O Relatório de Medições dos Níveis de Sonoros - Critério de incomodidade, visa realizar a avaliação da pressão sonora da atividade da Ré, em conformidade com a Norma NP 1996:2021 e o Regulamento Geral do Ruído (Decreto-Lei n.º. 9/2007), para verificação do cumprimento do critério de incomodidade.
H)-A conjunção das obras de insonorização realizadas, com a realização posterior do Relatório de Incomodidade datado de Setembro de 2022, vêm demonstrar que o ruído produzido no estabelecimento da Ré não impossibilita o repouso das Requerentes/Autoras.
I)-Da análise objetiva dos resultados obtidos no Relatório de Medições dos Níveis de Sonoros - Critério de incomodidade, para os níveis de ruído observados e tendo em conta a metodologia e pressupostos descritos no relatório, verificou-se que os limites aplicáveis e estipulados no D.L. 9/2007 relativamente à avaliação do critério de incomodidade, não é excedido.
J)-As Autoras nunca aceitarão qualquer relatório, seja ele qual for, ou feito por quem quer que seja, visto estarem numa disputa pessoal e revanchista com a Ré.
F)- Num local onde habitam milhares de cidadãos do município do Funchal, numa artéria central da cidade, com imenso tráfego rodoviário, com variados locais de comércio e serviços, bares e snack-bares, com escolas e infantários nas proximidades (infantário por baixo da fracção das Autoras), apenas estas Senhoras, aqui Autoras se queixam da actividade desenvolvida pela Ré.
H)-As Autoras tentaram de todas formas possíveis não permitir a realização do Relatório de Incomodidade, nem tão pouco aceder às tentativas da Ré em melhorar, minorar, as queixas destas;
I)-As Autoras juntam uma serie de documentos relativos a idas a uma urgência médica, com relatórios médicos, mas nada que prove ser consequência directa da actividade da Ré.
J)-A prova testemunhal apresentada pela Ré denota uma clara parcialidade, e falta-lhe credibilidade, devendo ser aferida em consonância pelo Tribunal ad quem;
K)-O Meritissímo Juiz a quo desconsidera e declara como não credível a prova testemunhal da Ré, pela simples razão de as testemunhas serem jogadores ocasionais de padel.
L)-o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo tenta no dispositivo da sentença descredebilizar o Relatório de Medições dos Níveis de Sonoros - Critério de incomodidade, por não ter feito medições no período nocturno, mesmo sabendo que, ao abrigo da sentença homologada dos Julgados de Paz, o horário de funcionamento do estabelecimento em causa estava reduzido até às 21 horas;
M)-o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo comete uma contradição insanável, que prejudica gravemente a Ré Recorrente;
N)-Tendo sempre presente que o nosso sistema de prova se revela enformado pelo princípio da livre apreciação da prova e, consequentemente, o Tribunal a quo, beneficiando de imediação, respondeu de acordo com a convicção que formou, certo é que, no entender da Recorrente, as respostas às mencionadas questões, assentaram numa incorrecta valoração dos depoimentos prestados pelas testemunhas inquiridas em julgamento, como se demonstrou com as devidas
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