Acórdão nº 11356/20.9T8LSB.L1-7 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2022-05-24

Ano2022
Número Acordão11356/20.9T8LSB.L1-7
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

RELATÓRIO
A, B, C, D, E e F intentaram ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra “HH”, pedindo a condenação da ré a “a pagar a cada um dos demandantes a quantia de 1.250,00 € (...) juros de mora a partir da citação”.
Para tanto alegam, em síntese, que celebraram seguro de viagem com a ré, tendo por objeto viagem aos Estados Unidos, com determinado itinerário. Devido a um furacão, não foram ao Havai, como planeado, assistindo-lhes o direito ao capital coberto pelo cancelamento de viagem.
A ré contestou, defendendo que a referida cobertura respeita a cancelamentos antes da viagem ter iniciado, considerando-se como viagem aquela que surge identificada no certificado, ou seja, apenas se os autores não tivessem chegado a partir para os EUA poderiam ter direito a serem indemnizados das despesas/prejuízos que com isso sofressem, não tendo um direito a serem automaticamente indemnizados pelo valor máximo da cobertura.
Os autores foram convidados a responder, o que fizeram, alegando que o contrato de seguro contém cláusulas contratuais gerais que não lhes foram comunicadas nem informadas, devendo considerar-se excluída a referida definição da cobertura em causa.
Após julgamento, foi proferida sentença que julgou a ação improcedente por não provada, absolvendo a ré dos pedidos.
*
Não se conformando com a decisão, dela apelaram os requerentes, formulando, no final das suas alegações, as seguintes CONCLUSÕES:

Relativamente à decisão qui em crise impõe-se começar por referir que, erradamente, a Meritíssima Juíza a quo deu como matéria de facto ASSENTE matéria de facto que estava absolutamente controvertida, atenta a posição assumida pelas partes nos autos.
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Quanto à alínea A), quando muito aquilo que poderia ter sido julgado assente seria apenas e tão só o facto de entre demandantes e demandada ter sido celebrado um contrato de seguro titulado pela apólice ali identificada, sendo que quanto aos riscos, coberturas e condições gerais dessa mesma apólice, como decorre da produção de prova, jamais essas condições gerais foram comunicadas, exibidas, informadas ou explicadas aos aderentes/recorrentes.
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Quanto à alínea J) apenas se poderia ter considerado assente que, não obstante a definição daquela cobertura de “cancelamento de viagem” não ter sido comunicada, informada ou explicada aos recorrentes, era essa a definição que constava das condições gerais da apólice. NADA MAIS.
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Finalmente, e quanto à alínea K) dos mesmos factos assentes, jamais esta matéria de facto poderia constar dos factos assentes, uma vez que, como se demonstrou e infra se remeterá para as declarações das várias testemunhas e das declarações de parte da recorrente D, NUNCA essas condições gerais foram comunicadas fosse por que modo fosse.
E disso deram conta os recorrentes nos autos.
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Por isso, e no que tange aos factos assentes perguntam os recorrentes o seguinte: - quem consentiu nessa aceitação? Como seria possível levar-se, como o fez a Meritíssima Juíza a quo, tal matéria de facto aos factos assentes?
Não foi, certamente, pela posição processual assumida pelos recorrentes em toda esta demanda!
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Por outro lado, como pôde a Meritíssima Juíza a quo permitir a existência de uma contradição e de um absoluto contrassenso na confrontação entre a definição de “viagem” e de “cancelamento de viagem”?
Não causou impressão à Meritíssima Juíza a quo que por viagem se entendesse qualquer deslocação realizada fora do domicílio do segurado, a partir do momento da sua saída do mesmo, até ao seu regresso a ele, ao concluir a deslocação e por cancelamento de viagem como a decisão do segurado de deixar sem efeito, antes da data da saída acordada. os serviços solicitados ou contratados?
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Então, se viagem é todo o período de tempo compreendido entre o momento da saída do domicílio por parte do segurado até ao seu regresso àquele seu domicílio, no fim da deslocação, como poderia entender-se que o cancelamento de viagem se reportava apenas e tão só ao momento anterior ao seu início, ou seja, até momento anterior ao início da viagem, à saída do domicílio?!!!
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Mas mais: - como pode a recorrida vir dizer aos autos, como dos mesmos decorre, que depois de ter sido iniciada a viagem esta cobertura (cancelamento de viagem) estava extinta, deixava de produzir efeitos?
Simplesmente porque se agarra a uma definição — não comunicada, não informada e não esclarecida — de que a viagem já se tinha iniciado...!
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Ocorre, mais uma vez, perguntar se os recorrentes, à semelhança de um qualquer de nós colocado naqueles concretas circunstâncias negociais, depois de devidamente informados e esclarecidos quanto aos contornos dessa cobertura, nomeadamente ao facto de a mesma se extinguir logo que abandonassem o domicílio em direção ao aeroporto, se ainda assim contrariam aquela cobertura
Á resposta parece-nos, com o devido respeito por opinião diversa, absolutamente cristalina: - um redondo NÃO.
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Mas o pior da decisão aqui em crise estava para vir, considerando os factos tidos por não provados pela Meritíssima Juíza a quo.
Mais parecia que, com o devido respeito, a decisão de que foram notificados os recorrentes não dizia respeito àquela que levaram à apreciação do Tribunal a quo, atenta a abundante e não contrariada prova que os recorrentes produziram nos presentes autos.
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Desde logo, e no que tange a esta matéria, para a Meritíssima Juíza a quo as declarações de parte da recorrente D não mereceram qualquer credibilidade simplesmente por ser parte interesse no desfecho da lide.
Apesar de ser uma verdade do sr. La Palisse que a recorrente D tinha interesse na demanda, não é menos verdade que a mesma, juntamente com o sr. ES (representante da recorrida), foram os ÚNICOS intervenientes nessa negociação do contrato de seguro.
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Por isso, melhor teria andado a Meritíssima Juíza a quo se tivesse percebido que a tomada de declarações de parte que passou a vigorar no nosso Cód. Proc. Civil a partir das alterações de 2013 se prende, maioritariamente» com este tipo de situações.
Daí que, ou muito enganados estão os recorrentes, ou os dois únicos “personagens” que poderiam depor sobre tudo quanto se passou na negociação daquele concreto contrato de seguro — quanto às coberturas e tudo o mais — seriam, como já se adiantou, a recorrente D e o sr. ES, do qual, diga-se, não existe o mais ténue sinal nos autos, nomeadamente a sua indicação como testemunha e a consequente, natural e até óbvia inquirição em sede de audiência de discussão e julgamento, atento o que estava em discussão na presente lide!.
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E diga-se desde já, em jeito de parêntesis, que esse ónus pertencia em exclusivo à recorrida, que não esboçou o mínimo esforço em demonstrar que tinha cumprido aquilo que a Lei lhe exige neste tipo de contratação.
E que poderia, e deveria até, ter procedido à sua inquirição em sede de audiência de discussão e julgamento o invés de requerer a inquirição de uma outra testemunha que prestou apenas um testemunho indireto, tanto mais que não participou na contratação daquele seguro.
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Como decorre dos depoimentos prestados pelas testemunhas arroladas pelos recorrentes em sede de audiência de discussão e julgamento, do documento que acompanhou a réplica apresentada nos presentes autos e, bem assim, das declarações de parte prestadas pela recorrente D — que estão integralmente transcritos no corpo destas alegações e para os quais se remete por uma questão de economia processual — não se demonstrou O VOO que OS recorrentes iriam realizar de S. Francisco para Honolulu, no Havai, no dia 25.08.2018? Não se demonstrou, do mesmo modo, que esse voo foi cancelado devido à existência do furacão Lane que assolou, nessa altura, aquele território?
Não se demonstrou que os recorrentes adquiriram um pacote de viagens?
A resposta a estas questões, e muitas outras que poderão ser colocadas perante a decisão aqui em crise, está de forma abundante em todos os meios de prova produzidos nos autos pelos recorrentes.
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E o que mais se estranha é o facto de a Meritíssima Juíza a quo os ter desconsiderado sem que lhes tivesse apontado um qualquer vício ou defeito, limitando-se a afirmar que os recorrentes poderiam ter feito isto ou aquilo.
Não cuidou, contudo, de perceber por que motivo os recorrentes indicaram aqueles meios de prova, que tanto quanto os recorrentes ainda sabem, são válidos à luz da lei e dos mais elementares princípios que norteiam a administração da Justiça.
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Não teria sido minimamente compreensível que os recorrentes não dispunham de outra forma de demonstrar aquilo que alegaram?
Estavam os mesmos impedidos de demonstrar esses factos que alegaram por outros meios de prova, nomeadamente por prova testemunhal e por declarações de parte? Conheceu-se, sequer, se os recorrentes, em face da existência daquele furacão Lane no destino para onde se dirigiam, se deslocaram ao aeroporto para iniciarem essa viagem? Com o devido respeito, mal andou a Meritíssima Juíza a quo quando laborou em juízos de valor, em pré-conceitos que a impediram de valorar, como podia e devia, a prova que perante ela foi produzida.
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Veja-se que quanto à negociação do contrato de seguro aqui em crise não foram suficientes para a Meritíssima Juíza a quo as declarações prestadas pela recorrente D, como já se referiu.
Mas por que outro meio de prova poderiam os recorrentes demonstrar o que se passou nessas negociações?
Não estão a ver, confessam aqui os recorrentes de forma humilde, a que outro meio de prova poderiam lançar mão para demonstrar ao Tribunal a quo tudo quanto se passou entre aquelas duas pessoas naquela fase de negociação, na fase pré-contratual...!
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E este, como já referimos, o objetivo e o interesse de um novo meio de prova que passou a ser admitido na alteração a que foi sujeito o Cód. Proc. Civil, a
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