Acórdão nº 112/23.2T8VRL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 2023-10-19

Ano2023
Número Acordão112/23.2T8VRL.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

AA e BB, residentes na Rua ..., ..., ..., intentaram a presente ação declarativa de processo comum contra CC e DD, residentes na Rua ..., ..., formulando os seguintes pedidos:
“condenação dos RR. no reconhecimento dos AA. enquanto donos e legítimos proprietários dos supraditos prédios rústicos, bem como a reconhecer que a parcela de terreno de que ilegitimamente se apoderaram integra o referido prédio; requer-se, ainda, a condenação dos RR. A entregar a mesma aos AA., repondo o estado em que esta se encontrava antes da agressão por aqueles perpetrada ao direito de propriedade dos AA., retirando as plantações indevidamente cultivadas, abstendo-se de, no futuro, praticar atos que perturbem a posse e o direito de propriedade dos AA., apenas assim se salvaguardando os seus legítimos interesses.”
Alegaram para tanto e em síntese que são donos e legítimos proprietários de dois prédios rústicos, registados na Conservatória do Registo Predial ..., respetivamente, sob o artigo n.º ...80 e ...55.
Que desde o pretérito dia 19/10/2021, os Réus, por si e através de terceiros, sob a sua ordem e direção, têm vindo a cortar, arrancar e destruir árvores de fruto, nomeadamente 2 (dois) pessegueiros, 1 (uma) ameixoeira, 2 (duas) oliveiras, 2 (dois) marmeleiros, 1 (um) cipreste, 1 (uma) figueira e 16 (dezasseis) videiras, todas localizadas nos aludidos prédios rústicos.
Mais alegam que entre os dias 26 e 28 de fevereiro de 2022, os Réus, por si e através de terceiros, sob a sua ordem e direção, invadiram novamente os aludidos prédios rústicos e destruíram 6 (seis) manilhas de 40 cm, propriedade dos AA., usando, para tanto, uma máquina/trator com a matrícula ..-XP-.., em março de 2022, invadiram novamente os aludidos prédios rústicos, principalmente o prédio identificado no artigo n.º ...0 e parte do prédio identificado no artigo n.º ...5, e iniciaram a remoção/deslocação de terras, recorrendo ao uso de maquinaria pesada, procederam à plantação de algumas oliveiras, atuando como se os aludidos prédios fossem sua propriedade e, com a ajuda de maquinaria pesada, deslocaram e alteraram marcos divisórios, através da destruição e posterior reconstrução de muros e marcos divisórios das propriedades, usurpando dos participantes vários m2 de propriedade, mormente a área aproximada de 300 m2.

Os Réus vieram contestar invocando a exceção da ineptidão da petição inicial e deduziram reconvenção pedindo:

“Julgar-se procedente por provada a reconvenção e por via dela:
Reconhecer-se serem os Réus proprietários do prédio urbano identificado nos artigos 34º e 85º desta contestação /reconvenção, com a configuração ali melhor alegada que aqui se dá por reproduzido por razões de economia processual;
3- Serem os Autores condenados a reconhecer a extinção por desnecessidade da passagem e circulação pelo prédio rústico dos Réus conforme alegado nos artigos 85º a 101º desta peça processual, numa área de cerca de 300 metros;
4- Serem os Autores / Reconvindos condenados a retirar e encaminhar as águas pluviais que caem diretamente no prédio dos Réus conforme alegado nos artigos 102º a 106º desta peça processual.
5- Condenarem-se os Autores com litigantes de má fé nos termos dos artigos 542º e seguintes do Código do Processo Civil em quantia a fixar por esse Tribunal”.
Os Autores responderam pronunciando-se no sentido da improcedência da exceção de ineptidão da petição inicial e da inadmissibilidade dos pedidos reconvencionais.
Pelo Tribunal a quo foi proferido despacho rejeitando o pedido reconvencional formulado pelos Réus por ser legalmente inadmissível e julgando nulo todo o processo, por ineptidão da petição inicial.

Inconformados com o despacho proferido, na parte em que julgou nulo todo o processo por ineptidão, vieram os Autores recorrer, concluindo as suas alegações da seguinte forma:
“I. Compulsado o teor da douta decisão proferida pelo Tribunal a quo, constata-se que o caminho que antecedeu a prolação da mesma padece de nulidades processuais, as quais influem na boa decisão da causa;
II. Isto porque, o Meritíssimo Juiz de Direito, dispensou a realização da audiência prévia, sem, contudo, aduzir qualquer justificação e, bem assim, fundamentar tal decisão, limitando-se a remeter para a norma jurídica que confere a possibilidade de dispensar a audiência prévia, o que não se concebe;
III. Acresce que, salvo o devido respeito, que é muito, a dispensa da audiência prévia, sem mais, é suscetível de configurar uma omissão de formalidade legal, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 195.º n.º 1 do CPC, tendo, em consequência, o douto Tribunal a quo, com a sua atuação, violado o princípio basilar do Direito Processual, como é o direito ao contraditório e, bem assim, o princípio da cooperação, consagrados nos art.º 3.º n.º 3 e art.º 7.º n.º 2 do CPC, respetivamente;
IV. Pelo que laborou em erro o Meritíssimo Juiz de Direito ao não convocar a audiência prévia, como se impunha, antes acompanhando os RR. na invocação da alegada exceção dilatória de ineptidão, decidindo, sem mais, pela procedência da mesma;
V. Tal exceção dilatória tem natureza de ultima ratio, sendo apenas de aplicar nos casos em que se verifica uma marcada ausência de nexo entre a causa de pedir e o pedido formulado pelo autor;
VI. Ora, no caso em concreto, nunca se poderia dizer que a PI apresentada pelos AA. enfermava de um tal vício, na medida em que da mesma resulta claramente esclarecida a causa de pedir e o respetivo pedido, na medida em que os AA. demonstraram ser proprietários dos terrenos com os artigos ...5.º e ...0.º, que o seu direito de propriedade foi violado pela ocupação perpetrada pelos RR., terminando os AA. pelo reconhecimento enquanto proprietários daqueles prédios rústicos, que a parcela de terreno de que os RR. se ilegitimamente apoderaram integra os referidos prédios, solicitando a sua a restituição, no estado em que se encontrava em momento anterior à agressão perpetrada;
VII. Contudo, decidiu o douto Tribunal a quo, erradamente, salvo o devido respeito, pela procedência da aludida exceção dilatória, o que não se concebe;
VIII. Mais, o douto Tribunal formou a sua convicção ancorado, essencialmente, em jurisprudência que se reporta a figura processual distinta daquela a que se socorreram os aqui Recorrentes para fazer valer o seu direito, o que doutamente não se concebe;
IX. Ademais, incorre o douto Tribunal a quo em erro de julgamento, na medida em que refere que os AA. aqui Recorrentes não peticionam a condenação dos RR. no reconhecimento que são donos e legítimos proprietários do imóvel descrito no artigo 1.º da PI, quando resulta do pedido a referência expressa aos supraditos prédios;
X. Mais, de lado algum da PI se poderá retirar que os RR. ocuparam apenas um dos imóveis;
XI. Pelo que andou mal o douto Tribunal a quo ao decidir como decidiu, pela procedência da exceção dilatória de ineptidão da petição inicial, quando a mesma não se verifica;
XII. A padecer de alguma desconformidade, sempre poderia enfermar a PI de alguma imprecisão, circunstância essa absolutamente oposta a uma ineptidão e, bem assim, suscetível de sanação;
XIII. Pelo que deveria o douto Tribunal a quo ter procedido ao aproveitamento do articulado dos AA., e, bem assim, proferido um despacho pré-saneador, convidando os AA. a aperfeiçoar o articulado apresentado, o que, contudo, não sucedeu, incorrendo na prática, por omissão, de formalidade legal;
XIV. Tão pouco procedeu o douto Tribunal à convocação da audiência prévia para os devidos efeitos; XV. Pelo que em face da omissão de tal formalidade legal, viram os AA. ser-lhe cerceada a possibilidade de discutirem de facto e de direito a pretensão oferecida nos articulados e, bem assim, de escalpelizar qualquer imprecisão que pudesse resultar dos mesmos;
XVI. Ademais, entendeu o douto Tribunal a quo não ser de proceder a novo convite ao aperfeiçoamento, declarando nulo, sem mais, todo o processado, o que não se concebe;
XVII. Isto porque, cumpre salientar, na Réplica apresentada responderam os AA. à aludida exceção dilatória invocada e, bem assim, à Reconvenção deduzida pelos RR., tendo-o feito em exercício do direito de resposta que a Réplica confere e não a título de aperfeiçoamento, dado que o douto Tribunal a quo nunca endereçou aos AA. um tal convite;
XVIII. Mais, não subjaz à Réplica qualquer função de aperfeiçoamento dos articulados, servindo apenas a mesma para oferecer a defesa do autor quanto à Reconvenção deduzida pelo réu na Contestação e, no máximo, responder às exceções deduzidas pelos réus na Contestação, como tal empreenderam os AA;
XIX. Não obstante a lei prever a não realização da audiência prévia no caso de, havendo o processo de findar no despacho saneador pela procedência de exceção dilatória, esta se mostrar já debatida nos articulados, o certo é que tal não obsta a que sobre o julgador impenda um dever de comunicar tal pretensão às partes, com vista a auscultar o seu entendimento quanto à não realização da audiência prévia;
XX. Contudo, no presente caso, olvidou o Meritíssimo Juiz de Direito tal formalidade legal, tendo decidido, sem mais, dispensar a realização da audiência prévia;
XXI. Pelo que, não o tendo feito, coartou o douto Tribunal a quo o exercício do contraditório por parte dos AA., tendo, em consequência, violado, de forma grave, tal princípio basilar do Direito Processual, sendo os AA. alvo de uma decisão surpresa;
XXII. Pelo que se impõe ao douto Tribunal a quo observar o cumprimento das formalidades legais preteridas, pela convocação da audiência prévia, com vista a sanar qualquer imprecisão que possa resultar dos articulados dos AA. e, bem assim, que os mesmos possam discutir de facto e de direito a sua pretensão;
XXIII. Por outro lado, acresce que, mesmo que a PI apresentada pelos AA. aqui Recorrentes...

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