Acórdão nº 1119/21.0BELRA de Tribunal Central Administrativo Sul, 20-01-2022

Data de Julgamento20 Janeiro 2022
Ano2022
Número Acordão1119/21.0BELRA
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul
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Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul
I. RELATÓRIO
A..., S.A., intentou ação de contencioso pré-contratual contra o Ministério do Ambiente e da Ação Climática, visando a declaração de ilegalidade das disposições previstas nas alíneas a) e b) do n.º 6 e alíneas a), b) e c) do n.º 14, todos do Anexo III ao Programa do Procedimento, a anulação do ato que aprovou as peças do procedimento, bem como a condenação da Entidade Demandada à aprovação de novas peças do procedimento sem reincidir nas ilegalidades detetadas e a praticar todos os atos e diligências subsequentes previstos na tramitação legal do procedimento de concurso limitado por prévia qualificação, num prazo a determinar.
Indicou como contrainteressadas A..., S.A., e I..., S.A. – Sucursal em Portugal.
Por sentença datada de 18/10/2021, o TAF de Leiria julgou julgo procedente a exceção dilatória de falta de interesse em agir da autora e, em consequência, absolveu a entidade demandada e contrainteressadas da instância.
Inconformada, a autora interpôs recurso, terminando as alegações com a formulação das conclusões que de seguida se transcrevem:
“A. A sentença do Tribunal a quo comporta um erro de julgamento ao julgar procedente a exceção de falta de interesse em agir da Autora, aqui Recorrente.
B. Entendeu o Tribunal a quo, em primeiro lugar, que o facto de a Autora – aqui Recorrente – visar apenas a declaração da ilegalidade das peças procedimentais, não tendo impugnado os respetivos atos de aplicação -, demonstra a sua falta de interesse em agir na presente ação; contudo, esqueceu-se que o pedido da Autora não se limita à pretensão de obtenção da declaração da ilegalidade das peças procedimentais
C. Na verdade, e de acordo com o artigo 4.º do CPTA, mormente com a alínea b) do n.º 2, é possível cumular na mesma ação não só pedidos de declaração de ilegalidade de normas com pedidos de anulação de atos administrativos. Foi precisamente o que a Autora, aqui Recorrente, fez junto da primeira instância; não só impugnou a ilegalidade de certas disposições contidas nas peças procedimentais, como pediu a anulação do ato administrativo de aprovação das peças do procedimento praticado pela Entidade Demandada.
D. Consequentemente, no caso sub judice, a procedência da presente ação, implicaria não só o reconhecimento das ilegalidades apontadas às peças procedimentais pela Recorrente como a revogação do ato de aprovação das peças e a promoção de um novo procedimento sem incidir nas ilegalidades mencionadas na P.I., no qual a Autora teria a possibilidade de concorrer e tornar-se adjudicatária.
E. A cumulação do pedido de ilegalidade de normas com o pedido de anulação do ato de aprovação das peças do procedimento, não só é um meio idóneo a eliminar as ilegalidades contidas nas disposições das peças procedimentais, como permite, simultaneamente, “manter em aberto a possibilidade de vir a ser proferido um ato que satisfaça a pretensão” da Autora, mais concretamente a concorrer num novo procedimento – que também a Entidade Demandada seria condenada a repetir.
F. A ação, conforme foi configurada pela Autora, justifica a necessidade de se prosseguir com a mesma – pois, só através da impugnação das peças procedimentais e do ato administrativo que as aprovou, pode a Recorrente conseguir voltar a concorrer num concurso que finalmente respeitará os princípios gerais da contratação pública.
G. Acresce que o pressuposto processual do “interesse em agir” só pode ser julgado procedente com o intuito principal de obviar a proposição de “ações inúteis”. In casu, tal não se verifica, pois não só é necessária a intervenção do Tribunal para o reconhecimento das ilegalidades contidas nas peças procedimentais, como ainda para a declaração de anulação do ato que as aprovou. E, obviamente, que os dois pedidos estão interligados entre si: o reconhecimento das ilegalidades das peças, torna o ato administrativo que as aprovou também passível de anulação, por vicio de violação de lei.
H. Em concreto, a questão já foi decidida pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”), no conhecido e recentíssimo Acórdão de 5 de setembro de 2019, proc. n.º C-333/18, disponível em https://eur-lex.europa.eu/, onde constam as seguintes conclusões, de extrema relevância para os presentes autos:
i. A “Diretiva Recursos” visa reforçar os mecanismos contenciosos em matéria de contratos públicos, pelo que o acesso às vias jurisdicionais “deve ser garantido a qualquer pessoa que tenha ou tenha tido interesse em obter um determinado contrato e que tenha sido, ou possa vir a ser, lesada por uma eventual violação”, sobretudo numa fase em que em que as violações podem ainda ser corrigidas (Acórdão de 5 de abril de 2017, Marina del Mediterráneo e o., C391/15, EU:C:2017:268, n.° 30) – pontos 21 e segs. do Acórdão Lombardi SRL.
ii. Deste modo, “em caso […] de abertura de um novo procedimento de contratação pública, cada um dos proponentes poderia participar neste e, assim, serlhe indiretamente adjudicado o contrato”. (v., neste sentido, Acórdão de 5 de abril de 2016, PFE, C689/13, EU:C:2016:199, n.° 27) – ponto 23 do Acórdão em análise.
iii. O TJUE considerou ainda que a “admissibilidade de impugnação não poderia ficar dependente […] da “condição de o referido proponente fazer prova de que a entidade adjudicante será levada a repetir o procedimento de contratação pública”, devendo considerar-se que “a existência de tal possibilidade é suficiente a este respeito” – pontos 26 e segs. do Acórdão.
I. Em suma, e com interesse para a presente ação, o TJUE assume a posição de que o contencioso pré-contratual (i) deve ser garantido com a maior amplitude possível, para garantir uma tutela jurisdicional efetiva a quem tenha interesse em obter determinado contrato e seja lesado, ou possa vir a ser lesado por uma eventual violação; (ii) a existência da possibilidade de abertura de um novo procedimento de contratação pública é causa justificativa de interesse em agir, pois os proponentes poderiam participar nesse novo concurso, existindo assim a hipótese de lhes ser adjudicado um contrato; e (iii) para o reconhecimento desse interesse em agir, basta existir a possibilidade de a entidade adjudicante repetir o procedimento de contratação pública, não sendo sequer necessário fazer prova dessa efetiva possibilidade.
J. Esta posição do TJUE deve ser considerada, respeitada e seguida pelos tribunais portugueses na aplicação do regime nacional do contencioso urgente pré-contratual. O que resulta, naturalmente, da aplicação de determinados princípios – como o do primado do Direito da União Europeia – mas também do facto de o TJUE ser uma instância jurisdicional vinculativa para o Estado Português
K. Em caso de procedência da presente ação, a Entidade Demandada seria obrigada a revogar o ato de aprovação das peças aqui impugnado e a promover um novo procedimento sem incidir nas ilegalidades mencionadas na P.I., no qual a Autora teria a possibilidade de concorrer e tornar-se adjudicatária.
L. Ou seja, no fundo e por comparação com a factualidade constante do Acórdão do TJUE, se nesse caso, o interesse da Autora resultava da exclusão de todas as propostas e na consequente deserção do procedimento, no caso sub judice, o interesse resulta da declaração de ilegalidade de normas das peças do procedimento e na consequente revogação do ato de aprovação das peças – que produzirá o mesmo efeito útil: a anulação do procedimento ferido de ilegalidades e a possibilidade de repetição do procedimento, sem reincidir nessas ilegalidades detetadas, onde as interessadas poderiam vir a assumir o papel de adjudicatárias.
M. Nas duas situações, há assim esta similitude: as propostas das Autoras foram excluídas e em ambas o interesse resultava do facto de estas poderem vir a ser adjudicatárias num novo procedimento.
N. Consequentemente, e por tudo quanto foi supra exposto, deve este Douto Tribunal revogar o entendimento proferido pelo Tribunal a quo e considerar improcedente a exceção de falta de interesse em agir da Autora.
O. Nesse sentido, deve ainda, posteriormente pronunciar-se pelas ilegalidades constantes das peças procedimentais, mais concretamente das disposições previstas nas alíneas a) e b) do n.º 6, e alíneas a), b) e c), do n.º 14, todas do Anexo III ao Programa de Procedimento, reconhecendo a sua ilegalidade bem como a invalidade consequente que afeta o ato administrativo de aprovação das peças do procedimento.
P. Salvo o devido respeito, o modelo de avaliação deste procedimento mostra-se claramente ilegal. O nível de clareza, de detalhe e de coerência da descrição da metodologia, dos documentos entregáveis e do calendário, não são, em si mesmos, atributos da proposta, já que não consubstanciam qualquer aspeto da execução do contrato passível de ser submetido à concorrência. Tal como o nível de detalhe da descrição do plano de formação, do calendário dos planos de formação e dos materiais de formação. O mesmo acontece com a clareza e o detalhe da descrição da nova arquitetura técnica da aplicação, dos mecanismos de integração contemplados no sistema de informação e das características de integração com outras entidades, e ainda das metodologias, do seu calendário e...

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