Acórdão nº 1119/21.0T8LLE-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 2022-06-30

Ano2022
Número Acordão1119/21.0T8LLE-A.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora
Processo n.º 1119/21.0T8LLE-A.E1

Acordam os Juízes da 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora


Recorrente: (…)

Recorridos: (…) e esposa, (…)e (…)
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No Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Juízo Local Cível de Loulé – Juiz 2, no âmbito do inventário por óbito de … (que também usava o nome de …), foi proferido o seguinte despacho:
(…) e esposa, (…)e (…) intentaram o presente processo de inventário por óbito de sua mãe … (que também usava o nome de …), falecida em 11.10.2020, no estado de casada com (…), com vista à partilha da herança por si deixada.
Indicaram para o cargo de cabeça de casal o cônjuge sobrevivo, (…) que, citado nos termos do disposto no artigo 1100.º, n.º 2, alínea b), do CPC, veio impugnar a legitimidade dos Requerentes.
Para tanto, alega, em suma, que a ora inventariada, em 30.11.2011, outorgou testamento no qual o instituiu herdeiro de todos os bens existentes à data da sua morte e que tal testamento foi feito à luz da sua lei pessoal, que o permite.
A inventariada tinha nacionalidade de Grenada e quando faleceu tinha a residência em Portugal.
Assim, tendo tal disposição testamentária sido feita antes de 17.08.2015, à luz da sua lei pessoal, Lei de Grenada, invoca o disposto no artigo 83.º, n.º 4, do Regulamento (UE) n.º 650/2012, do Parlamento Europeu e do Conselho de 04/07/2012, e sustenta que a mesma escolheu a lei da nacionalidade para regular a sucessão.
Como tal, conclui que, tendo sido instituído único e universal herdeiro da inventariada, inexiste comunhão hereditária e os Requerentes carecem de legitimidade para intentar o inventário.
Juntou a Lei sucessória de Grenada, acompanhada da respetiva tradução.
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Os Requerentes apresentaram Resposta, sustentando, em suma, que o testamento em causa é inválido, com fundamento em várias ordens de razões que apresentam, e, ainda que não o fosse, de acordo com a lei da nacionalidade da inventariada foi revogado pelo casamento posterior da testadora.
Juntaram parecer jurídico.
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Por em causa apenas estar a apreciação de questões de direito, foi o Requerido, aqui impugnante, notificado para, querendo, exercer o contraditório relativamente à matéria de exceção invocada na Resposta (cfr. despacho de fls. 174), tendo-se remetido ao silêncio.
Cumpre apreciar.
Com relevo para a decisão há que considerar os seguintes factos que se encontram assentes por acordo e resultam dos documentos juntos aos autos (e não impugnados):
1) Por testamento lavrado no dia 30 de Novembro de 2011, no Cartório Notarial sito na Rua Cidade de Bolama, lote F, rés-do-chão esquerdo, em Faro, perante o notário (…), (…), divorciada, nacional de Grenada, declarou “Que revoga todos os seus testamentos feitos no estrangeiro e que esta disposição lhe é permitida pela lei pessoal:
- Que deixa a (…), divorciado, de nacionalidade britânica, residente com ela testadora, todos os seus bens móveis, mesmo que de natureza pessoal, e imóveis, que tenha em Portugal à data da sua morte, e todo o dinheiro que tenha em Portugal à data da sua morte, não depositado ou existente em qualquer conta aberta em nome da testadora em qualquer instituição bancária”.
2) (…) e (…) contraíram casamento entre si em 12 de dezembro de 2011.
3) (…) faleceu em 10 de novembro de 2020, no estado de casada com (…), com última residência habitual em Monte das (…), Sítio do (…), Almancil, concelho de Loulé.
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O Regulamento (UE) n.º 650/2012, do Parlamento Europeu e do Conselho de 4/07/2014, publicado no Jornal Oficial da União Europeia de 27/07/2012, relativo à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento e execução das decisões, e à aceitação e execução dos atos autênticos em matéria de sucessões e à criação de um Certificado Sucessório Europeu, entrou em vigor em 16.08.2012, é direta e imediatamente aplicável em todos os Estados-Membros da União Europeia, com exceção do Reino Unido, da Irlanda e da Dinamarca, beneficia de prioridade em relação às regras de fonte interna e rege as sucessões abertas a partir de 17 de Agosto de 2015, com salvaguarda transitória da escolha de lei feita pelo de cujus ou da validade formal e material de disposições por morte feitas antes dessa data.
Considerando que a diversidade de regras materiais e processuais dos seus Estados-Membros dificultava a vida dos herdeiros nos casos em que a sucessão tinha fatores de conexão com vários países bem como daqueles que queriam planear antecipadamente a sua sucessão, se composta por bens em mais do que um Estado ou tencionassem reformar-se e mudar de residência para outro país para aí viverem os últimos anos das suas vidas, sujeitando-os a insegurança jurídica, a União Europeia resolveu criar um quadro jurídico conflitual e adjetivo para estas matérias.
E, nos termos do artigo 4.º daquele Regulamento, são competentes para decidir do conjunto da sucessão os órgãos jurisdicionais do Estado-Membro em que o falecido tinha a sua residência habitual no momento do óbito.
Pelo que, nos presentes autos, não existem dúvidas quanto à competência dos tribunais portugueses, questão diferente, e que cumpre decidir, é o direito aplicável, uma vez que a autora da sucessão, em 30 de Novembro de 2011, outorgou testamento instituindo o ora impugnante como herdeiro de “todos os seus bens móveis, mesmo que de natureza pessoal, e imóveis, que tenha em Portugal à data da sua morte, e todo o dinheiro que tenha em Portugal à data da sua morte, não depositado ou existente em qualquer conta aberta em nome da testadora em qualquer instituição bancária”.
Refere o artigo 83.º do diploma em apreço “(…) 3. Sempre que o falecido tenha feito uma disposição por morte antes de 17 de agosto de 2015, essa disposição é admissível e válida quanto ao mérito e quanto à forma, se respeitar as condições previstas no Capítulo III ou se for admissível e válida quanto ao mérito e à forma em aplicação das regras do direito internacional privado em vigor no momento em que a escolha foi feita, no Estado em que o falecido tinha a sua residência habitual ou em qualquer dos Estados de que era nacional ou no Estado-Membro da autoridade que trata da sucessão.
4. Sempre que o falecido tenha feito uma disposição por morte antes de 17 de agosto de 2015 nos termos da lei que o falecido tivesse podido escolher por força do presente regulamento, considera-se que essa lei foi escolhida como lei aplicável à sucessão”.
Sendo que, de acordo com o Regulamento “Uma pessoa pode escolher como lei para regular toda a sua sucessão a lei do Estado de que é nacional no momento em que faz a escolha ou no momento do óbito” (artigo 22.º, n.º 1).
No caso dos autos, o testamento foi outorgado em data anterior à aplicação do citado Regulamento, tendo ficado consignado que era feito ao abrigo da lei pessoal.
A lei pessoal de qualquer indivíduo é a lei da sua nacionalidade, pelo que, sendo a autora da sucessão nacional de Grenada é esta a sua lei pessoal.
O impugnante juntou aos autos o conteúdo das normas do direito de Grenada que regem a matéria das sucessões em causa nos autos – cfr. fls. 110 a 154 – , que solicitou e lhe foi remetido pelo Ministério dos Assuntos Jurídicos daquele país, e que não foi colocado em causa pelos Requerentes.
Assim, considerando as questões suscitadas, importará, antes de mais, apreciar da existência do testamento à data em que foi aberta a sucessão, tendo em consideração a lei pessoal da autora à luz do qual o mesmo foi celebrado e, só depois, sendo o caso, apreciar a sua validade.
Conforme se mostra assente, a autora da sucessão outorgou testamento a favor do Requerido em 30.11.2011, à data ambos divorciados. E, em 12.12.2011, os mesmos contraíram casamento entre si.
Nos termos do artigo 13.º do Capítulo 340 da Lei de Testamentos de Grenada, todos os testamentos são revogados, por força da lei, pelo casamento posterior do testador.
Pelo que, o testamento em apreço dos autos foi revogado com aquele casamento, em 12.12.2011.
E, uma vez que o testamento foi revogado, fica prejudicada e mostra-se desnecessária a apreciação das questões suscitadas quanto à sua validade.
Conclui-se, assim, ante o exposto, que a autora da sucessão faleceu sem deixar disposições por morte e, tendo a sua residência habitual no nosso país, nos termos do artigo 21.º do citado Regulamento, a lei aplicável ao conjunto da sucessão é a lei portuguesa.
Como tal, os Requerentes, filhos da autora da sucessão, têm legitimidade para requerer a que se proceda a inventário (artigo 2133.º, n.º 1, alínea a), do Código Civil e 1085.º, n.º 1, alínea a), do CPC), pelo que, julgo improcedente a impugnação apresentada e determino o prosseguimento dos presentes autos, devendo o Cabeça de Casal dar cumprimento ao disposto no artigo 1102.º do Código de Processo Civil.
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Custas a cargo do impugnante (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC).
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Loulé, 7 de abril de 2022.

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Não se conformando com a decisão, (…) apelou, formulando as seguintes conclusões que delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, artigos 608.º/2, 609.º, 635.º/4, 639.º e 663.º/2, do CPC:

1 - O artigo 24.º do Regulamento prevê que a validade material do ato jurídico em questão são regidas pela lei que “seria aplicável à sucessão do autor da disposição e se este tivesse falecido no dia em que fez da disposição”;

2 - E resulta da fundamentação da douta decisão do Tribunal a quo sobre a validade do testamento que se aplica a lei pessoal escolhida pela inventariada, ou seja, a Lei de Grenada.

3 - Por sua vez, dispõe a Lei de Grenada no seu 13.º do Capítulo 340 da Lei de Testamentos, que todos os testamentos são revogados, por força da lei, pelo casamento posterior do testador.

4 - Apoiado na Lei de Grenada, a lei pessoal da inventariada, decidiu o Tribunal a quo que o casamento de 12 de dezembro de 2011 revogou o testamento de 30 de novembro de 2011;

5 - Revogado ope legis o testamento, decidiu o Tribunal a quo que...

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