Acórdão nº 1117/14.0TMLSB-F.L2-7 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2023-05-16

Ano2023
Número Acordão1117/14.0TMLSB-F.L2-7
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

RELATÓRIO
Em 16.12.2019, AB intentou contra CD incidente de incumprimento das responsabilidades parentais, relativamente ao filho menor de ambos, EF, pedindo que a Ré seja condenada pelo incumprimento e que se determine que o menor não frequente qualquer educação religiosa, cristã ou outra.
Foi realizada conferência de pais, na qual os progenitores não chegaram a acordo.
As partes foram notificadas nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 39.º, n.º 4, aplicável ex vi do artigo 41.º, n.º 7, do RGPTC, tendo apresentado alegações e requerimentos probatórios.
O progenitor Requerente alegou, em síntese e com relevo, que:
- O menor nascido em ... foi batizado contra a vontade do aqui Requerente em 28.5.2011.
- Em data que não sabe precisar, mas que crê em finais do ano de 2015 a Requerida inscreveu o menor na catequese, a frequentar todas as quintas-feiras e realizada na Igreja de (...).
- Durante vários anos, a Requerida escondeu esse facto do Requerente bem sabendo que este se oporia a tal frequência de doutrinação religiosa.
- O menor tem receio que o pai descubra que está a frequentar a educação religiosa cristã, por a Requerida sem qualquer pejo instruir o menor a mentir ao pai sobre essa situação, e outras.
- Apesar de a Requerida manipular o menor para mentir ao pai sobre essa questão, o Requerente confirmou que o menor foi novamente inscrito e frequenta a catequese no corrente ano letivo.
- O Requerente é ateu, mas de descendência judaica e tal facto é do conhecimento da Requerida, assim como a oposição deste a que o filho seja formado na fé cristã.
A progenitora Requerida alegou, em síntese e com relevo, que:
- O menor foi batizado na religião Cristã, com a aceitação e participação do Requerente e sua família.
- O Menor veio a ser batizado na Igreja de (...), aos 28 de maio de 2011.
- Nunca, em momento algum, mencionou a sua oposição, tampouco desconforto, na cerimónia do Batismo, tendo estado presente, participado e, até como o mesmo refere, contribuído para o almoço de comemoração no seio familiar.
- O Requerente, durante a relação com a Requerida, nunca mencionou a sua “ascendência judaica” ou o seu “ateísmo”.
- Enquanto mantiveram uma relação, o Requerente e a Requerida comemoraram sempre o Natal (Católico).
- A Catequese é uma das várias formas do Menor entender a sua religião (religião na qual foi batizado), tal como a oração, a participação em celebrações religiosas, a comemoração do Natal e Páscoa, reitere-se, eventos que o Requerente e a Requerida celebravam enquanto casal e na presença do menor.
- O filho menor de ambos está inscrito na catequese há quase 4 (quatro) anos, com o conhecimento do Requerente.
- O menor não é obrigado a frequentar a catequese, antes apreciando as atividades desenvolvidas pela paróquia.
- Terminou pedindo que o presente incidente seja julgado improcedente.
Após julgamento, foi proferida sentença que julgou improcedente o incidente de incumprimento de responsabilidades parentais, absolvendo a requerida dos pedidos.
*
Não se conformando com a decisão, dela apelou o requerente, formulando, no final das suas alegações, as seguintes
«Conclusões:
1. A presente decisão foi proferida ao abrigo do art. 41.°, RGPTC, devendo as mesmas serem sempre fundamentadas de facto e de direito.
2. Na decisão de fixar o superior interesse do menor em continuar a frequência da catequese, foi carreada para os autos a oposição do requerente na educação religiosa do menor, tendo essa frequência sido completamente omitida deste, pelo menos até 2018, e não ponderando os alegados normativos de a educação religiosa ser questão de particular importância e de autodeterminação religiosa dos menores, consequentemente, não foi efetuada uma apreciação fundamentada de facto e direito.
3. A decisão final relativamente, à frequência do menor na catequese e resultante destes autos carece de fundamentação, ficando assim ferida de nulidade nos termos do artigo 615.° n.º 1 alínea b) do CPC e por violação do disposto no 607.° n.º 4 ambos do CPC aplicável pelo disposto no artigo 986.° n.º 1 do CPC.
4. Caso assim não se entenda, à cautela, arguiu-se a fundamentação deficiente com vista à devolução do processo à 1ª Instância para devida fundamentação de facto e absolutamente de Direito sobre o superior interesse de frequentar a catequese, porque,
5. A falta de fundamentação da decisão da matéria de facto, bem como a sua deficiência ou insuficiência, em violação do disposto no n.º 4 do art.° 607.° do CPC não gera nulidade, mas tem como sanção a devolução dos autos à 1.ª instância, a fim de que a matéria de facto aí seja devidamente fundamentada (art.° 662.°, n.º 2, al. c) do CPC).
6. Devem nesse caso, os autos ser devolvidos à primeira instância, com vista à fundamentação de facto e de Direito .
7. Pois ao determinar que o menor deverá continuar na educação religiosa imposta pela mãe, a douta sentença violou os normativos invocados de liberdade religiosa do menor, sobre questão de vital sensibilidade na educação do menor, inicialmente sem ouvir o menor e ouvido o menor, e baseando-se num juízo sobre a conveniência que extrapolou a prova produzida; e
8. A falta de fundamentação do meio próprio, de que o Recorrente se devia ter socorrido, i.e., questão de particular importância, contra incidente de incumprimento, recria uma situação em que o Recorrente teria de se socorrer de incidente para resolução de questão de particular importância, para tentar converter uma decisão já tomada pela progenitora, sem o seu conhecimento ou consentimento, um incumprimento.
9. Existe também falta de fundamentação do interesse do menor em continuar a frequentar a catequese porquanto se baseia num prejuízo emocional inexistente e viola as disposições nacional e internacionais invocadas designadamente o direito que o menor tem de escolher o seu credo aos 16 anos e necessidade de consentimento de ambos os pais para QPI.
10. Ora, a falta de fundamentação da decisão da matéria de facto, bem como a sua deficiência ou insuficiência, em violação do disposto no n.º 4 do art.° 607.° do CPC não gera nulidade, mas tem como sanção a devolução dos autos à 1a instância, a fim de que a matéria de facto aí seja devidamente fundamentada (art.° 662.°, n.º 2, al. c) do CPC).
11. Quanto aos factos incorretamente julgados e que o ora recorrente considera que deveriam ter sido dados como provados, conforme mencionado e identificado supra, já que o Tribunal a quo os ignorou em absoluto; requerendo a anulação da decisão da matéria de facto.
10. Com efeito, o tribunal ignorou a prova que foi junta aos autos, de enorme relevância para o objeto da presente decisão, que ora se recorre, e que foi discriminadamente identificada nas presentes alegações;
11. Ignorou também o depoimento da requerida nas partes transcritas acima de minutos 1.50, 6.15, 10.00 e de CC com início de transcrição ao minuto 1:53, em que confirma-se o alegado pelo requerente, de que demonstrou a sua oposição ao batizado.
12. Devendo assim dar como provado os factos não provados de a) e b) da douta sentença em reparo.
13. Como ignorou o Tribunal, no mesmo depoimento da requerida de minutos 23.50, 31.14, 32.30 acima transcritos, onde confirma ter inscrito o menor sabendo de antemão a oposição do requerente na catequese, e sem o informar;
14. Tal qual o depoimento do Requerente e de Patrícia Gonçalves (gravações transcritas respetivamente a 1.33 e minutos 3.43 supra transcritos);
15. Deverá a sentença proferida ser substituída no facto não provado c), por uma que determine que a decisão da educação religiosa do menor foi tomada “às escondidas” do pai e dele culposamente omitida pela requerida do requerente até 2018 pelo menos, 2019 certamente;
16. Por as mesmas declarações da requerida verbalizar que tinha conhecimento da ascendência judaica do requerente por meio de uma avó (cf. transcrição depoimento desta de minuto 27.54) deve o facto e) ser dado como provado.
17. E assim condenando-se a requerida pelo incumprimento alegado e provado.
.18. Na reapreciação da matéria de facto o tribunal da Relação fazendo uso dos seus poderes de livre apreciação dos meios de prova, deve alterar o decidido pelo tribunal a quo quando verifique erro de julgamento.
19. Impõem-se a verificação dos factos a), b) na parte em que tal oposição do requerente foi presenciada pelo menos pela requerida e pelo pároco por, além do alegado pelo requerente na sua P.I., das suas declarações, das declarações da aqui recorrida e de CC, todas transcritas, que o batizado na verdade realizou-se contra a vontade deste.
20. Também o facto c) deve ser dado como provado face à prova documental junta e ao depoimento do requerente, da requerida e de Patrícia Gonçalves, de que o menor foi inscrito sem conhecimento/consentimento do Requerente.
21. Sobre o facto do conhecimento de pelo menos antes do batizado, por parte da requerida, que o requerente é de ascendência judaica, deve também ser dado como provado o facto e) porquanto ficou gravado que a requerida tinha esse conhecimento na transcrição do seu depoimento supra a 127.º do presente impulso.
22. Conforme mencionado e identificado supra, os factos incorretamente julgados são os que o ora recorrente considera que deveriam ter sido dados como provados, já que o tribunal a quo os ignora em absoluto;
23. Com efeito, o tribunal ignorou a abundante prova que foi junta aos autos, de enorme relevância para o objeto da presente decisão, que ora se recorre, e que foi discriminadamente identificada nas presentes alegações;
24. É dessa prova que resultam os pontos de facto que deveriam ter sido dados como provados e que foram discriminados supra e que se dão, neste segmento conclusivo, como integralmente reproduzidos.
25. Toda esta prova que foi admitida por acordo, porquanto a ora recorrida não
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