Acórdão nº 1110/22.9T8CTB.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 2023-05-12

Ano2023
Número Acordão1110/22.9T8CTB.C1
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (JUÍZO DO TRABALHO DE CASTELO BRANCO DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO)
Apelação n.º 1110/22.9T8CTB.C1

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Acordam[1] na Secção Social (6ª secção) do Tribunal da Relação de Coimbra:

I - Relatório

AA, residente em ...,

intentou a presente ação de processo comum contra

Santa Casa da Misericórdia ..., com sede em ...

alegando, em síntese, que:

Foi admitida pela Ré em janeiro de 2005 como diretora técnica nível II, com as funções de dirigir o estabelecimento, assumindo a responsabilidade pela programação de atividades e a coordenação e supervisão de todo o pessoal, no lar de idosos da Ré; despediu-se em maio de 2022 invocando justa causa, o assédio de que era alvo, os gritos e as pressões para obter determinados resultados, situação que se agravou por não ter aceitado o banco de horas e adaptabilidade propostas pela Ré; a Ré pretendeu retirar-lhe a isenção de horário de trabalho e colocá-la a trabalhar mais horas sem que lhe fossem pagas; a Ré pretendia que a A. convencesse as demais trabalhadoras a aceitarem o dito acordo, o que não fez, e face à recusa a A. passou a ser perseguida e acusada de todos os males que se passavam na instituição; justificou o seu despedimento alegando o que consta da carta junta a fls. 10 v.º a 12; a Ré nunca lhe pagou as diuturnidades a que tem direito nem lhe deu formação e por força dos comportamento da Ré desenvolveu uma depressão grave desde fevereiro de 2022, sofreu com o despedimento e apreensão e angústia pelas dificuldades futuras no mercado de trabalho e face aos encargos familiares.

Termina, dizendo que:

“Nestes termos e nos melhores de direito aplicável, requer a V.Exª. se digne considerar procedente e provada a presente acção, e em consequência:

Declarar-se que a A. se despediu validamente com justa causa, sendo lícitos os argumentos invocados na notificação que remeteu à R.;

Condenar o R. a pagar a A. a quantia de 42921,83€, correspondente aos créditos laborais e indemnização antiguidade;

Condenar a R. a pagar à A. a quantia de 7500€ a título de danos morais;

Condenar a R. no pagamento dos juros, à taxa legal, vencidos sobre as respectivas quantias desde a citação até efectivo pagamento;

condenar a R. em custas e demais encargos com o processo.”

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A contestou alegando, em sinopse, que:

Nunca solicitou à A. o exercício de qualquer atividade que extravasasse o âmbito das funções a que estava adstrita e das obrigações inerentes às mesmas; a Ré viu-se obrigada a reduzir o número de utentes e foi confrontada com uma situação financeira altamente deficitária, sendo imperioso reduzir custos, factos de que a A. teve conhecimento; a instituição contava com 24 trabalhadores, quadro que não seria comportável com a redução de utentes a que a Ré estava vinculada, questões de que a diretora técnica sempre teve conhecimento, tendo sido chamada pela direção a fazer parte da solução; é falso que a A. tenha sido vítima de qualquer conduta persecutória por parte da Ré; a A. não lidou bem com a necessidade de alterar comportamentos e procedimentos, demonstrando relutância em proceder à sua implementação que passou a ser notória a partir do momento em que a Ré teve de iniciar o processo de reorganização de tempos de trabalho e isenções de horário, tendo-se negado a empreender tal tarefa, mantendo-se situação e sem apresentar qualquer justificação; a Ré não pretendia proceder ao despedimento de quaisquer trabalhadores e, no início de 2022, através da sua direção, tentou implementar o regime de adaptabilidade e banco de horas, não tendo imposto o que quer que seja à A., tendo-lhe solicitado que acompanhasse o processo recolhendo os acordos entregues aos trabalhadores, não exigindo à A. qualquer resultado, o que faz parte das suas funções; a Ré não perdeu a confiança na A., pretendia sim que a mesma cumprisse as funções a que estava adstrita e para as quais foi contratada.

Termina, dizendo que:

“Nestes termos e nos mais de direito deve a presente acção improceder, sendo a Ré absolvida do pedido, sendo a Autora condenada no pagamento das custas e demais encargos com o processo.”

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Foi proferido o despacho saneador de fls. 43, não tendo sido enunciados os temas da prova.

*

Procedeu-se a julgamento conforme consta das respetivas atas.

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De seguida foi proferida a sentença de fls. 57 e segs. com o seguinte dispositivo:

Nestes termos, e em face do exposto, decido julgar a ação parcialmente procedente, e, em consequência:

- Declaro que a autora se despediu validamente com justa causa, sendo lícitos os argumentos invocados na notificação que remeteu à R.;

- Condeno a Ré a pagar à autora a quantia de 37.620,05€, correspondente a créditos laborais e indemnização por antiguidade;

- Condeno a R. a pagar à autora os juros, à taxa legal, vencidos sobre as respetivas quantias desde a citação até efetivo pagamento;

- Absolvo a ré do demais peticionado.”

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A , notificada desta sentença, veio interpor o presente recurso que concluiu da forma seguinte:

“(…)

Assim, requer-se a Vªs Exºas que revogue a decisão recorrida, no entanto Vª Exª melhor decidirá, fazendo a habitual Justiça!”

*

A Autora apresentou resposta concluindo que:

“(…).

Nestes termos requer a V.Exªs se dignem considerar improcedente e não provado ao recurso. Confirmando a douta sentença recorrida na íntegra.”

*

O Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que a apelação deverá ser julgada improcedente.

*

Colhidos os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.

*

II – Questões a decidir:

Como é sabido, a apreciação e a decisão dos recursos são delimitadas pelas conclusões da alegação do recorrente (artigo 639.º, n.º 1, do C.P.C. na redação da Lei n.º 41/2013 de 26/06), com exceção das questões de conhecimento oficioso.

Assim sendo, são as seguintes as questões que cumpre apreciar:

1ª – Nulidades da sentença.

2ª – Reapreciação da matéria de facto.

3ª – Se inexiste assédio/justa causa de resolução do contrato por parte da Autora.

4ª – Se a Autora não tem direito às diuturnidades peticionadas.

5ª – Se no cálculo da indemnização fixada não devia ter sido considerado como retribuição o valor recebido pela Autora a título de isenção de horário de trabalho.

6ª – Se a indemnização por resolução com justa causa devia ter sido fixada no limite mínimo de 15 dias.

*

*

III – Fundamentação

a) Factos provados e não provados constantes da sentença recorrida:

1) A R. trata-se de uma IPSS que possui e explora um lar de idosos, com residência permanente e com apoio domiciliário, entre outras.

2) A A. foi admitida ao serviço da R., em 06 de janeiro de 2005, para trabalhar sob a sua direção, autoridade e fiscalização, sem ter sido reduzido a escrito o respetivo contrato.

3) A A. ocupava a categoria profissional de diretora técnica niv. II, com as funções de dirigir o estabelecimento, assumindo a responsabilidade pela programação de atividades e a coordenação e supervisão de todo o pessoal, atendendo à necessidade de estabelecer o modelo de gestão técnica adequada ao bom funcionamento, entre outras com estas conexas.

4) A A. prestava o seu serviço no lar de idosos da R., sito em Lg. BB, ....

5) Auferindo o salário mensal, pago com carácter de permanência e de forma regular, discriminado da seguinte forma:

Vencimento 1250,32€;

Isenção de horário 275,07€

O que perfaz a retribuição mensal de 1.525,39€ (doc. 1)

6) Em 17 de maio de 2022, a A. despediu-se invocando justa causa para o despedimento. (doc. 2, para o qual se remete e se dá por reproduzido.)

7) A R. rececionou a dita comunicação da A. em 18/05/2022, respondendo que não aceitava a existência de justa causa para o despedimento por iniciativa do trabalhador. (doc.3 para o qual se remete e se dá por reproduzido.)

8) O ritmo de trabalho da trabalhadora foi sempre muito exigente, trabalhando diariamente desde as 8.30h até cerca das 18h e estava sempre disponível mesmo na hora de descanso.

9) Em tempo de pandemia laborava cerca de 12 horas por dia.

10)Foram-lhe confiadas tarefas tais como a introdução de dados informáticos numa nova plataforma, num espaço de cerca de um mês.

11)O ritmo era muito exigente, cansativo, devido às dificuldades com a pandemia de COVID 19.

12)Até finais de 2021 a trabalhadora tinha sobre a sua responsabilidade técnica cerca de 37 utentes ERP1 e cerca de 14 SAD.

13)A trabalhadora tinha de elaborar planos de contingência.

14)Aconteceu a trabalhadora ter de trabalhar aos fins-de-semana por ordem da direção para assegurarem as visitas dos utentes.

15)A trabalhadora não aceitava e discordava de algumas das decisões da mesa administrativa ou direção, por ex. os técnicos terem de trabalhar aos finais de semana, o que gerava atrito.

16 Além disso, a direção exigia da trabalhadora uma fiscalização, pressão e assertividade sobre os trabalhadores da instituição, designadamente, que vigiasse o trabalho da encarregada e quando falasse com os trabalhadores para não ser tão meiga a falar, devia ser mais dura e assertiva com os subordinados.

17)Chegando a dizer-lhe que quando entrasse na instituição tinha de passar a ser uma AA mais dura e exigente.

18)O que muito desgostava a trabalhadora, pois no geral as suas colaboradoras sempre lhe foram fiéis, corresponderam ao que lhes era pedido e tinham por ela respeito e amizade.

19)Por indicação da Segurança Social a Santa Casa da Misericórdia ... deu início a uma redução de utentes.

20)Em março de 2022 a instituição tinha 29 utentes ERPI e 14 utentes de SAD.

21)A mesa da administração decidiu propor a todos os trabalhadores um acordo de organização de trabalho de Banco de Horas e de Adaptabilidade.

22)Tendo para o dito efeito organizado uma reunião geral de trabalhadores onde expuseram a situação económica da instituição, dizendo ser necessário reduzir trabalhadores ou em alternativa não se pagavam horas extraordinárias, extinguiam-se as isenções de horário e os subsídios de turno.

23)Na sequência, enviaram a cada trabalhador uma...

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