Acórdão nº 111/20.6T8GMR-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 2023-06-07

Ano2023
Número Acordão111/20.6T8GMR-A.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães no seguinte:

I- RELATÓRIO

Nos presentes autos de ação especial de insolvência, que correm termos contra S..., Unipessoal, Lda., com sede na Rua ..., ..., Guimarães, ..., por sentença proferida em 20/01/2020, transitada em julgado, esta foi declarada insolvente.
Por despacho proferido em 18/05/2020, declarou-se aberto o incidente de qualificação da insolvência e determinou-se que o administrador da insolvência juntasse aos autos relatório sobre a qualificação da insolvência, nos termos do disposto no n.º 6, do art. 188º do CIRE.
Junto esse relatório aos autos, nele o administrador da insolvência emitiu parecer no sentido de que a insolvência fosse qualificada como culposa, nos termos do art. 186º, n.ºs 1, 2, als. a), b), d), e), g) e h) e 3, al. b) do CIRE, devendo ser afetado por essa declaração AA, residente na Rua ..., ... ..., Guimarães, alegando que este foi “quem ao longo de todo o tempo de vivência da sociedade, a administrou, geriu, vendeu, contratou trabalhadores, comprou e vendeu matérias subsidiárias, equipamentos, trocou e vendeu equipamentos, girando em torno de si mesmo toda a atividade da insolvente, incluindo a que se relacionava com transações financeiras, nomeadamente, de movimento de letras de câmbio, as quais, nem sempre correspondiam a movimentos gerados e em proveito da própria insolvente, as denominadas letras de favor”.
O Ministério Público emitiu parecer declarando acompanhar a factualidade de facto e de direito constante do parecer emitido pelo administrador da insolvência, devendo, contudo, ser afetada pela qualificação da insolvência como culposa da sociedade devedora, também a gerente de direito desta, BB.
Notificada a sociedade devedora e citados AA e BB para deduzirem, querendo, oposição aos pareceres emanados pelo administrador da insolvência e do Ministério Público, bem como, quanto aos documentos que os instruem, apenas os identificados AA e BB deduziram oposição, onde se defenderam por exceção e impugnação.
Invocaram a exceção da extemporaneidade do requerimento apresentado pelo administrador da insolvência em que requereu que a insolvência fosse qualificada como culposa, alegando que, na sentença declaratória da insolvência, não foi determinada a abertura do incidente de qualificação da insolvência, pelo que, o administrador da insolvência e/ou qualquer interessado apenas podiam requerer que a insolvência fosse qualificada como culposa no prazo de 45 dias a contar da data da prolação dessa sentença, prazo esse que se mostrava já ultrapassado quando o administrador da insolvência requereu que a insolvência fosse qualificada como culposa.
Impugnaram parte da facticidade alegada nos pareceres emanados pelo administrador da insolvência e pelo Ministério Público, sustentando que a oponente BB desconhecia, por completo, tudo o que se relacionava com a atividade e gerência da sociedade devedora, não dispondo, aliás, de qualquer capacidade de gestão daquela, limitando-se a assinar alguns documentos sempre que tal lhe era exigido pelo oponente AA, que foi quem criou a empresa insolvente e sempre a geriu.
Concluem pedindo que a insolvência da sociedade devedora fosse qualificada como fortuita.
Por despacho de 15/03/2022, dispensou-se a realização de audiência prévia, fixou-se o valor do presente incidente de qualificação da insolvência em 30.000,01 euros, proferiu-se despacho saneador, em que se conheceu da exceção da extemporaneidade invocada pelos oponentes AA e BB, julgando-a improcedente, fixou-se o objeto do litígio e os temas da prova, que não foram alvo de reclamação, e, finalmente, conheceu-se dos requerimentos de prova apresentados pelo administrador da insolvência, Ministério Público e oponentes.
Entretanto, designou-se data para a realização da audiência final, a qual se estendeu ao longo de duas sessões.
Em 03/03/2023, a 1ª Instância proferiu sentença, em que qualificou a insolvência da sociedade devedora como culposa e os oponentes BB e AA afetados por essa qualificação, constando essa sentença da seguinte parte dispositiva:
“Termos em que se decide julgar procedente, por provado, o incidente da qualificação e em consequência:
- Qualifica-se como culposa a insolvência de S..., Unipessoal, Lda.
- Consideram-se afetados pela qualificação culposa a sócia única e gerente de direito CC e o gerente de facto AA.
- Declaram-se a gerente de direito CC e o gerente de facto AA, pelo período de quatro anos, inibidos para o exercício do comércio, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa ou administração de património alheio.
- Determina-se a perda de quaisquer créditos da gerente de direito CC e do gerente de facto AA sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente, condenando-os na restituição dos bens ou direitos já recebidos em pagamento desses créditos.
- Condenam-se os afetados pela qualificação, a gerente de direito CC e o gerente de facto AA, a indemnizar os credores no montante global dos créditos reclamados e reconhecidos pelo Sr(a). Administrador(a) de Insolvência e que ascende à quantia de € 2.708.253,20 e até à força dos respetivos patrimónios.
Proceda ao registo da inibição na Conservatória do Registo Civil - artigo 189º, nº. 3, do C.I.R.E.
Custas em partes iguais pela insolvente e pelos Requeridos CC e AA.
Fixa-se o valor do incidente em €30.000,01.
Registe e notifique”.

Inconformada com o assim decidido, a oponente BB interpôs o presente recurso de apelação, em que formula as seguintes conclusões:

1. O requerimento inicial não contem alegação factual quanto ao exercício da gerência que é imputada à recorrente.
2. O Tribunal a quo, ao dar como provados os factos constantes dos pontos 19, 20, 30 e 31, em clara contradição com a decisão de afetação da recorrente pela insolvência culposa, fez uma errada interpretação do artigo 11.º do CIRE.
3. A prova produzida em audiência é apta a dar por provados tais factos, tal qual supra se procurou evidenciar com a indicação dos concretos meios de prova que impõem decisão inversa (nos termos do artigo 640.º do CPC), nomeadamente por apelo à prova testemunhal.
4. Assim o impõe o cotejo do depoimento do Sr. AA e do Sr. Administrador de Insolvência.
Quando ainda assim se não entenda,
5. Os factos dados por provados não são aptos – porque insuficientes - a declarar o exercício da gerência pela recorrente, que nunca a exerceu!
6. Ao assim decidir, o Tribunal a quo fez uma errada interpretação e integração do conceito de “administrador de direito”, ínsito no artigo 186º, nº 1 do CIRE.
Por último, sem prescindir,
7. Não se encontram reunidos os requisitos para que a recorrente seja afetada pela qualificação da insolvência como culposa.
8. Desde logo porque a decisão, a este respeito, não se mostra devidamente fundamentada e existir uma clara contradição em proferir tal condenação com os factos dados como provados,
9. Depois, porque não resulta dos factos provados o conhecimento pela recorrente da situação de insolvência, nem a situação assumia tamanha relevância que fosse obrigada a conhecê-la.
10. Por último, porque não se demonstrou a existência de nexo de causalidade entre o comportamento da recorrente e a criação ou agravamento da situação de insolvência.
11. Assim, por errada interpretação do artigo 186.º do CIRE, deve a douta sentença ser revogada.
Termos em que, V. Exas., Venerandos Desembargadores, sempre com o mui Douto suprimento, acolhendo a motivação e conclusões que antecedem, revogando a decisão recorrida, substituindo-a por outra que não afete a recorrente, farão a costumada JUSTIÇA!

O Ministério Público contra-alegou pugnando pela improcedência da apelação, concluindo as suas contra-alegações nos termos que se seguem:
1 – O recurso interposto pela afetada BB, deverá soçobrar, porquanto a mera gerência de direito, impõe que a mesma esteja especialmente obrigada a conhecer as obrigações a que estava vinculada como gerente de direito da insolvente, não a exime, bem pelo contrário, da responsabilidade dos factos que levaram à insolvência da requerida, e à sua responsabilização em contexto de incidente de qualificação da insolvência, na medida em que é aos respetivos gerentes ou administradores que a lei defere específicos deveres no âmbito da gestão de sociedades comerciais.
2– Pelo que, não obstante, os factos dados como provados referidos pela recorrente, não existe qualquer contradição entre estes e a decisão recorrida.
3 – Sendo a insolvência qualificada, no caso em concreto, também, nos termos das alíneas a) e h), do nº2, do artigo 186º, do CIRE, a insolvência é sempre considerada como culposa, sem necessidade da demonstração do nexo de causalidade a que se reporta o n.º 1 do mencionado preceito, por aquela norma não presumir apenas a existência de culpa, mas também a existência de causalidade entre a atuação do administrador do devedor e a criação ou agravamento do estado de insolvência.
7- A douta sentença recorrida encontra-se devidamente fundamentada, e nela se decidiu de acordo com a Lei e o Direito, não tendo sido violados quaisquer preceitos legais, não merecendo, por isso, qualquer censura. Deve, assim, o recurso de apelação interposto por DD, ser julgado improcedente, por não provado, mantendo-se, em consequência, a sentença recorrida, nos seus precisos termos.
Mas V. Excias agora sempre farão a acostumada Justiça.
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O recurso foi admitido pela 1ª Instância como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos, e com efeito meramente devolutivo.
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Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
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II- DO OBJETO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, não podendo este Tribunal...

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