Acórdão nº 11/02.1TELSB-C.L1-8 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2023-02-09

Ano2023
Número Acordão11/02.1TELSB-C.L1-8
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam os Juízes da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:


1.–Relatório


A. actualmente residente em..., veio pedir a fixação judicial de indemnização, ao abrigo do art. 13.º do DL n.º 31/85, de 25 de Janeiro,
contra o ESTADO PORTUGUÊS,
pedindo, a sua condenação tendo em conta a utilização efectuada da viatura de sua propriedade e a necessidade que a Requerente dela tinha para o seu transporte, no valor de € 20.000,00. Considera que a desvalorização do veículo ascende a €42.500,00, concluindo dever o Estado ser condenado a pagar um total de € 62.500,00, acrescida de juros à taxa legal a partir da citação e até efectivo e integral pagamento.

Para tanto alega, em síntese:
A Requerente foi arguida em processo crime tendo, por acórdão de 28/03/2014, sido absolvida do crime de branqueamento de capitais, crime pelo qual tinha sido pronunciada;
No decurso desse processo, em 23/12/2004, foi-lhe apreendida a viatura automóvel de marca Mercedes Benz, modelo …., com a matrícula …..;
Após o trânsito em julgado da sua absolvição, por despacho de 06/12/2017, transitado em julgado em 20/12/2017, nos termos da certidão junta aos autos (ref.ª Citius n.º 372054161), foi declarada extinta a apreensão;
A viatura em causa ainda não foi entregue à Requerente, mas já foi determinada essa entrega, como consta do despacho de fls. 14488, bem como do despacho de 09/11/2020, a que se seguiu o pedido de entrega formulado em 13/12/2020 (ref.ª Citius 37446644).
Entretanto, a ESPAP – Entidade de Serviços Partilhados da Administração Pública, IP procedeu, em 31/05/2019, ao apuramento da compensação devida à Requerente, nos termos previstos no art. 11.º do DL n.º 31/85, de 25 de Janeiro, tendo apurado uma compensação a atribuir à ora Requerente no montante de € 15.468,21, calculado pela diferença entre o valor da desvalorização quilométrica, no montante de € 24.576,32, e as benfeitorias realizadas no veículo, no montante de € 9.098,11 – cfr. ofício da ESPAP junto aos autos em 07/06/2019 (ref.ª Citius 23130945).
A Requerente não aceita o montante da indemnização arbitrada, por entender que o mesmo é manifestamente inferior ao valor do prejuízo sofrido com a desvalorização da viatura;
A viatura foi adquirida em 2001 por € 72.820,00;
A viatura, quando foi apreendida, marcava 68.385 km’s;
A Requerente assegurou sempre a boa manutenção do veículo, através de representante oficial da marca, encontrando-se, à data da apreensão, em «muito bom» estado de conservação em todos os itens considerados (carroçaria, pintura, suspensão, caixa, transmissão, estofos, vidros, tablier e pneus);
A viatura tinha então roda sobressalente, triângulo, tapetes, chave de rodas, macaco, auto-rádio, GPS, caixa de cd’s e telefone;
Acontece que o veículo foi entregue à Polícia Judiciária, que o utilizou ao serviço do ESTADO, percorrendo mais de 300.000 km’s;
Os custos considerados como benfeitorias não foram mais do que gastos com reparações devidas pela própria utilização levada a cabo pela Polícia Judiciária, com amortecedor, vidro do triângulo da porta traseira direita, inspecções, revisões, pintura, filtros ar/óleo/gasóleo, pneus, matrícula, faróis, bateria, escovas;
Tais custos não podem por isso ser objecto de qualquer compensação a favor do Estado, porque foi o Estado que neles incorreu em seu próprio benefício e apenas para assegurar a possibilidade de poder continuar a usar o veículo;
À data da apreensão, o veículo, atentos os poucos km’s que tinha e o excelente estado de conservação, tinha um valor comercial não inferior a € 45.000,00;
Actualmente, tratando-se de um carro com quase 400.000 km’s, muito utilizado e gasto, não terá um valor comercial superior a € 2.500,00;
A desvalorização do veículo em apreço não é assim inferior a € 42.500,00, que o Estado deve ser condenado a pagar à Autora, nos termos dos arts. 11.º, n.º 1, e 13.º, n.º 2, do DL n.º 31/85, de 25 de Janeiro;
O valor arbitrado para a compensação do custo por km’s no montante de € 0,08 é manifestamente desproporcionado, por diminuto, em relação ao valor de qualquer desvalorização por km’s de utilização;
Tendo a arguida sido absolvida em 28/03/2014, e não tendo sido interposto recurso quanto a tal decisão, a apreensão devia ter sido logo declarada extinta, o que não aconteceu;
A Requerente, em 07/11/2016, requereu a separação de processos, e após várias insistências, para que apreensão fosse declarada extinta, com a consequente devolução da viatura, o levantamento da apreensão só foi ordenada por despacho de 06/12/2017, transitado em julgado em 20/12/217;
O Estado demorou ainda cerca de ano e meio a apurar o valor da compensação que seria devida à Requerente, advertindo a Requerente que só poderia proceder ao pagamento do veículo após a sua liquidação pelo que a viatura não poderia ter sido entregue à Requerente antes de Junho de 2019;
Conclui, dizendo, que o Estado esteve abusivamente na posse da viatura, utilizando-a em seu benefício, pelo menos entre Março de 2014 e Junho de 2019;
Enquanto isso aconteceu, a Requerente esteve privada do seu veículo, tendo de recorrer a meios alternativos durante esse período, o que lhe causou o prejuízo decorrente dos gastos que teve de suportar para esse efeito;
Houve uma situação de enriquecimento sem causa por parte do Estado, quando continuou a utilizar a viatura após a absolvição da Arguida em Março de 2014 e, pelo menos, até Junho de 2019;
O prejuízo da Requerente não é só o resultante da desvalorização do veículo, mas também o que decorre do facto de não o ter podido usar a partir de Abril de 2014;
O cálculo do enriquecimento do Estado e o correlativo prejuízo/empobrecimento da Requerente deve ter por referência o valor de € 0,36 por km percorrido, atendendo aos termos médios da utilização da viatura por parte do Estado;
Não sendo possível apurar com exactidão tal valor, deve recorrer-se a um princípio geral de equidade, nos termos do art. 566.º, n.º 3, do CC, tendo em conta a utilização efectuada da viatura pelo Estado e a necessidade que a Requerente dela tinha para o seu transporte, e as demais circunstâncias do caso, termos pelos quais se julga adequado fixar esse valor em € 62.500,00.
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Foi ordenada a notificação do Ministério Público, em representação do Estado Português, para contestar, no prazo de 10 dias (art.º 13.º/2 do DL 31/85, de 25.01).

Não foi apresentada contestação.
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Foi determinada a realização de arbitramento ao abrigo do disposto no art. 13.º, nº3 do Dec.Lei nº 31/85, de 25.01.
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Foi apresentado relatório pericial.
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Foi proferida sentença que a final decidiu:
« Nestes termos e face ao exposto, no presente pedido de fixação judicial de indemnização, ao abrigo do art.º 13.º do DL n.º 31/85, de 25 de Janeiro referente à compensação indemnizatória devida pelo uso da viatura automóvel de marca Mercedes Benz, modelo …., com a matrícula ….. pelo Estado Português, fixa-se em €35.250,00 o valor da indemnização a pagar por este à requerente Maria ...... Sem custas. »
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Não se conformando com a decisão, dela vem recorrer a requerente alinhando as seguintes conclusões:
«CONCLUSÕES:
A.– Não está em causa a matéria fáctica dada como apurada, excepto quanto aos factos nºs 6 e 8, no que diz respeito à data em que se consideram os valores de compra e de venda da viatura.
B.–Com efeito, como decorre da perícia de avaliação, em que o Tribunal se funda, importa aditar:
  • ao facto n.º 6, que os valores de compra e venda aí determinados têm a ver com o valor da viatura em Dezembro de 2004 (altura em que a viatura foi apreendida);
  • ao facto n.º 8, que os valores de compra e venda aí determinados têm a ver com o valor da viatura em Maio de 2022 (data do relatório da perícia de avaliação).
C.–Deferida a impugnação da matéria de facto nos termos acima referidos, entende-se que o cálculo do valor indemnizatório fixado pelo Tribunal peca por defeito, por não ter tido em conta a depreciação monetária.
D.–Vejamos:
a)-a viatura tinha, em 2004, o valor de €38.000,00;
b)-quando proposta a acção, a viatura ainda não tinha sido devolvida à Requerente – cfr. art. 4.º da PI –, razão pela qual é adequado considerar como valor da viatura quando disponibilizada à Requerente a data da perícia, valor esse fixado em €2.750,00;
c)-para encontrar o valor da compensação a pagar pelo Estado à Recorrente, é razoável ter em conta o valor da viatura em 2004, diminuído do valor da viatura em 2022, quando se deve considerar que a mesma foi restituída à Recorrente;
d)-porém, considerando a distância temporal entre os dois pontos de referência, parece-nos incontornável, por uma razão de equidade elementar, que se deve actualizar o valor da viatura em 2004 até 2022, actualizando-o de acordo com uma taxa de depreciação monetária.
E.– Em face disso, de acordo com tal critério de equidade, deve recorrer-se aos últimos coeficientes de desvalorização da moeda, os quais foram determinados pela Portaria n.º 220/2021, de 22/10.
F.– Pelo exposto, o valor de referência da viatura à data da apreensão não deve ser fixado em €38.000,00, mas sim, tendo em conta um coeficiente de 1,22 para o ano de 2004, em €46.360,00, o qual deve ser diminuído do valor da viatura quando foi restituída à Recorrente (€2.750,00).
G.–Deste modo, a indemnização a pagar pelo Estado Português à Recorrente deve ser arbitrada em €43.610,00 (acrescida de juros moratórios a partir da citação, tal como peticionado, cfr. art. 805.º, n.º 1, do CC), nos termos dos arts. 11.º e 13.º do DL n.º 31/85, de 25/01, devidamente conjugados com os critérios do art. 566.º do Código Civil, que o despacho recorrido aplicou erroneamente à situação dos autos.
Termos em que o recurso deve ser julgado procedente, com as legais consequências, condenando-se o Estado Português a pagar à Recorrente a quantia referida na conclusão G.»
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Notificado, o Ministério Público apresentou contra-alegações, sendo que,
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