Acórdão nº 10982/16.5T8PRT.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 23-02-2023

Data de Julgamento23 Fevereiro 2023
Ano2023
Número Acordão10982/16.5T8PRT.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Proc. nº 10982/16.5T8PRT.P1 – 3ª Secção (apelação)
Comarca do Porto – Juízo Local Cível do Porto – J3

Relator: Filipe Caroço
Adjuntos: Desemb. Aristides Rodrigues de Almeida
Desemb. Francisca Mota Vieira




Acordam no Tribunal da Relação do Porto


I.
A A. SOCIEDADE A..., S.A., com sede no Bairro ..., ..., Porto --- posteriormente, após habilitação de cessionário (por compra do imóvel na pendência da ação), B..., LDA. --- intentou ação declarativa comum contra AA, residente no Bairro ..., ..., no Porto, alegando essencialmente que é proprietária do prédio que constitui a casa ... que, no ano de 1944, cedeu a BB o respetivo uso para que nele instalasse a sua residência. Tendo este casado posteriormente com CC, veio a falecer no dia 8.10.2002, sucedendo-lhe a viúva no direito ao arrendamento, mediante a renda mensal de €4,19.
Falecida a CC no dia 17.10.2015, a R., AA, comunicou tal facto à A. por carta de 29.11.2015, referindo pretender suceder no direito a habitar a casa ... do bairro, tendo-lhe a A. respondido que o contrato caducou com a morte da mãe e que a entrega da casa teria de ocorrer no prazo de seis meses a contar do óbito, caso não se venha a celebrar novo contrato. Acrescentou que a R. não demonstrou possuir atestado multiusos válido que ateste incapacidade superior a 60% e, mesmo que assim se verificasse, não pode invocar o direito à sucessão face à existência prévia de outra sucessão no arrendamento da casa .... O valor da casa, no mercado de arrendamento, é estimado em €500,00 mensais.
A A. deduziu o seguinte pedido:
«
NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO APLICÁVEIS DEVERÁ:
- SER RECONHECIDA A CADUCIDADE DO CONTRATO QUE VIGOROU COM A CC NA DATA DA MORTE DESTA, SEJA 17 DE OUTUBRO DE 2015 E CONSEQUENTEMENTE SER A RÉ CONDENADA A ENTREGAR À AUTORA A POSSE DA casa ... DO Bairro ..., LIVRE DE PESSOAS E BENS.
- SER CONDENADA A RÉ A PAGAR À AUTORA A QUANTIA DE €500,00 MENSAIS DESDE MAIO DE 2016 ATÉ ENETREGA EFECTIVA.

Citada, a R. contestou a ação, impugnando parcialmente os factos e concluindo que, da conjugação das normas previstas nos artºs 26º, 27º e 28º do NRAU resulta que aos contratos de arrendamento para habitação celebrados antes da entrada em vigor do RAU que ocorreu em 15.11.1990 – como é o caso dos autos – se aplica o NRAU com as especificidades constantes, nomeadamente, do nº 2 do art.º 26º, que refere que à transmissão por morte se destina a aplicação do art.º 57º do diploma, que, no seu nº 1, al. e), permite a transmissão por morte do primitivo arrendatário a filho maior de idade que com ele convivesse há mais de 1 ano, com deficiência de comprovado grau de incapacidade superior a 60%.
Frustrada uma tentativa de conciliação, foi designada e teve lugar a audiência prévia, na qual foi proferido despacho saneador tabelar, seguido de identificação do objeto do litígio e dos temas de prova.
Pronunciou-se ali também o tribunal sobre a admissibilidade dos meios de prova.
Teve início a audiência final.
A R., em articulado superveniente, apresentado em 17.11.2020, alegou que a atual A. reconheceu a demandada como sendo a arrendatária do prédio, o que constitui facto extintivo do efeito jurídico visado pela demandante por via da ação, devendo ser absolvida do pedido.
Acrescentou que os factos alegados chegaram ao conhecimento da R. em momento posterior à fase dos articulados, da data da audiência prévia (19.10.2017) e da data da primeira sessão da audiência de julgamento (19.2.2018), motivo pelo qual o articulado superveniente é tempestivo (art.º 588º, nº 3, Código de Processo Civil).
Por requerimento de 18.11.2020, a A. opôs-se ao fundamento do articulado superveniente da R.
Concluída a audiência final, o tribunal a quo proferiu sentença que culminou com o seguinte dispositivo, ipsis verbis:
«Face ao exposto, decido julgar parcialmente procedente a presente acção intentada pela autora B..., LDA, contra AA e, em consequência, decido:
1. Reconhecer a caducidade do contrato de arrendamento que vigorou com CC na data da morte desta, a 17/10/2015, e, consequentemente, condeno a ré a entregar à autora a posse da casa ... do Bairro ..., livre de pessoas e bens;
2. Condenar a Ré a pagar à autora, a título de indemnização, a quantia mensal de €125,00, desde maio de 2016 e até efetiva entrega do imóvel, sem prejuízo do direito da ré a haver o que a autora recebeu na sequência de depósitos feitos, a título de rendas, relativas ao período posterior a maio de 2016;
3. Absolver a ré do demais peticionado.
*
Custas pela acção a cargo da autora e da ré na proporção de 1/3 e de 2/3, respectivamente.»
*
Resistindo à decisão, dela apelou a R. formulando as seguintes CONCLUSÕES:
«A. O presente recurso vem interposto da sentença que julgou a acção parcialmente procedente, reconheceu a caducidade do contrato de arrendamento na data da morte da mãe da Ré/Apelante e condenou a Ré a entregar o locado e a pagar à Autora uma indemnização pela sua ocupação.
B. Entende a Apelante que a causa não foi bem julgada, quer de facto, quer de direito, pelo que impugna, neste recurso, os concretos pontos da matéria de facto que considera terem sido incorrectamente julgados, bem como a indicação do objecto do litígio e a forma como foi configurada a questão a decidir nestes autos (que condicionou a sentença), discordado ainda da decisão na parte em que considerou que não havia um reconhecimento da Ré como arrendatária e, ainda, na parte em que condenou a Ré no pagamento de uma indemnização em termos distintos do peticionado.
C. Em reforço da tese que defende neste recurso, a Apelante junta a estas alegações o parecer jurídico da Profª Doutora DD, Professora da Faculdade de Direito da Universidade do Porto que conclui no sentido de que “[a] Ré AA é (…) arrendatária do imóvel identificado nos autos desde 17 de Outubro de 2015, tendo adquirido essa posição mortis causa, e, nessa qualidade, utiliza legitimamente o imóvel desde então.”
D. O Tribunal “a quo” julgou a presente acção no errado pressuposto de ter havido – e não houve – uma primeira transmissão do direito ao arrendamento para o cônjuge do “primitivo arrendatário”, considerando-o como “cônjuge transmissário”, quando a mãe da Apelante era, por direito próprio, co-arrendatária, pelo que a única transmissão (mortis causa) do direito ao arrendamento é aquela que se verifica a favor da Apelante, filha dos (primitivos) arrendatários.
E. Caso porventura se venha a entender que houve inicialmente uma transmissão do direito ao arrendamento para o cônjuge do arrendatário – o que se admite apenas por cautela de patrocínio -, a sentença proferida viola princípios constitucionais, pelo que deve ser recusada a aplicação, neste caso concreto, da norma do artº 57º do NRAU por ser materialmente inconstitucional.
F. A Apelante impugna a decisão proferida sobre os seguintes pontos da matéria de facto, que considera terem sido incorrectamente julgados:
- factos nºs 4, 5 e 17 que o Tribunal “a quo” deu como provados;
- omissão de dois factos alegados na Contestação que têm interesse para a boa decisão da causa (vertidos nos artºs 17º e 42º dessa peça processual).
G. Quanto ao facto nº 4, sendo o casamento um facto para cuja prova a lei exige documento escrito (artºs 1º, nº1 d), 4º e 211º, nº1 do Código do Registo Civil e artº 568º, d) do C.P.C.) sem prejuízo de a Apelante aceitar que o mesmo corresponde à realidade, considera que o mesmo está incompleto, dado que não menciona a data do casamento do arrendatário, nem se foi, ou não, celebrada convenção antenupcial, a fim de se poder apurar qual o regime de bens, o que integra o “thema decidendum”, dado que ao tempo em que o arrendatário casou, sob o regime de comunhão geral de bens, existia comunicabilidade do direito ao arrendamento.
H. Por este facto ser absolutamente essencial para a boa decisão desta causa, e resultar do assento de casamento ora junto aos autos, a Apelante requer que a redacção do facto nº 4 passe a ser a seguinte: “Esse BB veio a casar com CC, no dia 8 de Dezembro de 1946, sem convenção antenupcial.”
I. Em relação ao facto nº5, a 2ª parte (“sucedendo-lhe no direito ao arrendamento a sua mulher CC”) constitui matéria de direito (e não um facto material, concreto e preciso susceptível de prova), pois a “sucessão no direito ao arrendamento” passa pela subsunção a um conceito jurídico, a preencher com a prova de elementos fácticos que o integrem; neste caso, o facto concreto é o de que CC continuou a residir no locado após a morte de BB.
J. A inclusão da fundamentação de facto da sentença de matéria de direito - como é o caso - determina uma deficiência na decisão da matéria de facto, por excesso, vício passível de ser oficiosamente conhecido em segunda instância, nos termos previstos na al. c) do nº 2 do artº 662º do C.P.C. e que determina que esse segmento deva ter-se por não escrito.
K. O Tribunal “a quo” considerou que está em causa – e não é admissível - uma segunda transmissão do direito ao arrendamento para a Ré/Apelante, por a mãe desta ter já “sucedido no direito ao arrendamento” com base no que ficou a constar do facto nº 5.
L. O facto nº5 deve, assim, passar a ter a seguinte redacção: “BB faleceu em 8/10/2002, tendo a sua mulher CC continuado a residir no locado”; ou, quando muito, “BB faleceu em 8/10/2002” (eliminando-se a 2ª parte).
M. Quanto ao facto nº 17, uma vez que a Ré pagou sempre a renda e não resulta claro que o pagamento nele mencionado foi efectuado à sociedade nova proprietária do imóvel, a Apelante requer a sua rectificação/alteração para a seguinte redacção:
“17) A ré vem procedendo ao pagamento do valor mensal das rendas a favor da autora, actual proprietária do imóvel e senhoria, por transferência bancária, desde 01.08.2019 até ao presente.”
N. Devem ser aditados aos factos provados dois factos relevantes para a decisão da causa, alegados na Contestação e que foram demonstrados
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