Acórdão nº 10911/18.1T9LSB.L1-3 de Tribunal da Relação de Lisboa, 23-03-2022

Data de Julgamento23 Março 2022
Ano2022
Número Acordão10911/18.1T9LSB.L1-3
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 3ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa


I.–RELATÓRIO


1.1.No âmbito autos de instrução criminal com o número 10911/18.1T9LSB, a correr termos no Tribunal Central Instrução Criminal, Lisboa - Juiz 9, a Sr.ª. Juiz de Instrução, em despacho de 14.10.2021 decidiu rejeitar, o requerimento de abertura de instrução apresentado pelos assistentes JCA_______, MCF______ e MCAF_____, por inadmissibilidade legal de instrução (por falta de objeto de instrução).
*

1.2.Notificados do despacho de rejeição, os assistentes JCA_______, MCF______ e MCAF_____, não se conformaram e interpôs o presente recurso com as seguintes conclusões:
1.Vêm os Assistentes recorrer do despacho proferido pelo Juiz de Instrução Criminal que indeferiu liminarmente o RAI apresentado por aqueles, por inadmissibilidade legal de instrução, por falta de objeto, ao abrigo do disposto no nº 3 do artigo 287º do CPP.
2.Os Assistentes não se conformam com tal despacho de indeferimento pois consideram que o RAI por estes formulado, cumpre todos os requisitos legais, quer formais, quer substantivos.
3.Nos termos do artigo 286.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, a instrução tem como finalidade a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito, em ordem a submeter ou não a causa a julgamento.
4.Dispõe o artigo 287.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, que o RAI não está sujeito a formalidades especiais, devendo conter, em súmula, as razões de facto e de direito de discordância relativamente à acusação ou não acusação, bem como sempre que disso for o caso, a indicação dos atos de instrução que o requerente pretende que o juiz leve a cabo, dos meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito e dos factos que, através de uns e de outros, se espera provar, sendo ainda aplicável ao requerimento do assistente o disposto nas alíneas b) e c) do n.º 3 do artigo 283º do CPP.
5.Assim, cfr. fixado no artigo 283º, n.º 3, alínea b) do CPP, a acusação contém, sob pena de nulidade, a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve der aplicada. E, da alínea c) daquele artigo 283º número 3 do CPP, resulta que a acusação contém, também, a indicação das disposições legais aplicáveis.
6.Acresce que, do n.º 3 do artigo 287º do CPP, resulta que o requerimento apenas pode ser rejeitado por extemporâneo, por incompetência do juiz ou por inadmissibilidade legal da instrução.
7.No caso em apreço, não ocorreu nenhuma das situações previstas.
8.Os Assistentes requereram a abertura da instrução, na sequência do arquivamento pelo MP, quanto aos factos por que aqueles apresentaram queixa potencialmente constitutivos do crime de falsas declarações agravado, p.p pelo artigo 348º-A do CP, atento o facto das declarações a que se imputam a todos os arguidos, terem sido realizadas em documento oficial (note-se, em escritura de justificação notarial junta aos autos como Doc. Número 4 do procedimento criminal) e de dois crimes de burla qualificada (um por cada imóvel), p.p pelo artigo 217º e 218º do CP, também, imputável a todos os arguidos. E, ainda, um crime de infidelidade, p.p pelo artigo 224º do CP, imputável apenas à arguida MCF_______.
9.O RAI, de acordo com as normas acima citadas constitui o elemento fundamental para a definição e determinação do âmbito e dos limites da intervenção do juiz de instrução: investigação autónoma, mas autónoma dentro do tema factual que lhe é proposto através daquele (Ac. TRC, Processo número 5/17.2GCSEI.C1, de 17/01/2018).
10.Entendem os Assistentes que a descrição factual feita no RAI, tanto temporal como espacialmente, contém elementos bastantes para caracterizar os elementos objetivos e subjetivos do tipo criminal imputado aos arguidos.
11.Não podem por isso os Assistentes concordar com a imputação das deficiências alegadas pelo Sr. Juiz de Instrução Criminal, nomeadamente, a ausência de objeto ou que não foram descritos os factos concretos praticados pelos arguidos.
12.Assim, ao contrário do alegado no despacho recorrido, verifica-se que os arguidos estão todos identificados no RAI, foram descritos os factos criminosos que lhes são imputados e as normas legais violadas.
13.Apesar de, no caso em apreço, o RAI não se encontrar elaborado em termos semelhantes ao de uma acusação, a verdade é que a lei também não o exige (art. 287º número 2 CPP). Nesse sentido vide o Ac. TRC, Processo número 5/17.2GCSEI.C1, de 17/01/2018.
14.Cumpre salientar que o facto espaço temporal que fundamenta a queixa apresentada e RAI dos Assistentes, é essencialmente um: a escritura de justificação notarial, outorgada no dia 23/05/2014, e as declarações ali inscritas da arguida MCF_______e dos arguidos LCQ______, AFQ______ e MFG______, cuja cópia foi junta na queixa sob Doc. número 4.
15.O RAI descreveu os factos, transcreveu excertos e remeteu expressamente para aquele documento autêntico a imputação dos actos criminosos aos arguidos, pelo que, não se concebe a existência de dúvidas por parte do Sr. Juiz de Instrução, relativamente à localização espácio-temporal dos mesmos.
16.Ora, os crimes praticados pela arguida MCF_______, foram descritos no RAI quanto ao crime de falsas declarações nos artigos (vide arts 1º, 7º, 8º e 9º, 10º a 27º, 28º e 29º), quanto ao crime de burla (vide arts 38º a 43º do RAI) e quanto ao crime de infidelidade (vide 47º a 50º), tal como se deixou transcrito no corpo do presente recurso, explanando, ainda, os Assistentes, ao longo dos artigo 10º a 27º do RAI, os factos, o objeto e a acusação contra os arguidos através da referência expressa a cada um dos crimes, a sua autoria e à vasta prova documental reunida no processo (declarações dos arguidos e testemunhas ouvidas), que necessariamente terão que levar à admissão do RAI.
17.Note-se que, logo dos primeiros artigos 1º e 7º do RAI, resulta evidente que os factos descritos reportam à escritura da justificação notarial que a arguida MCF_______ organizou e para a qual levou três testemunhas (entenda-se os restantes três arguidos): "7.º A 1ª arguida organizou a realização de uma escritura de justificação efetuada perante Notário, com as assinaturas devidamente reconhecidas por aquele oficial e para a qual levou três testemunhas (...).
18.Mais resulta daquele artigo 7 do RAI que a arguida MCF_______"alegou que as frações usucapidas: "... foram adquiridas por ela primeiro outorgante, por contrato meramente verbal, no ano de mil novecentos e oitenta e dois, em data que não pode precisar, não tendo porém sido feita qualquer escritura pública ou qualquer outro título translativo da propriedade pelo que não dispõe de qualquer título formal que legitime o seu direito sobre as indicadas frações autónomas e assim permita o registo de aquisição a seu favor na Conservatória do Registo Predial"; (...) "que não obstante os longos anos decorridos nunca vendedores e compradora se juntaram para outorgar a necessária escritura pública de compra e venda ou qualquer outro título translativo de propriedade" e "que, assim, desde finais daquele ano de mil novecentos e oitenta e dois, portanto, há mais de vinte anos, passou a exercer o poder de facto sobre as identificadas frações autónomas em nome próprio, na convicção de ser a única dona e de que não lesava quaisquer direitos de outrem, posse exercida à vista de toda a gente e sem a menor oposição de quem quer que fosse desde o seu início, a qual sempre exerceu sem interrupção, nelas tendo feito obras de restauro designadamente cozinhas e casas de banho, renovação das instalações elétricas e das canalizações, celebrou contratos de arrendamento e deles como senhoria recebeu rendas, pagando os impostos e taxas devidos e praticando todos estes atos na convicção de ser única proprietária das aludidas frações autónomas, sendo por isso, uma posse de boa-fé, pacífica, contínua e pública, posse que face às invocadas circunstâncias conduziu à aquisição das mencionadas frações autónomas por usucapião (vide Doc. n.2 4 junto com a queixa-crime)"».

19.E, por conseguinte, resulta evidente do artº 8º do RAI, quanto à arguida MCF_______, o seguinte: "8.º Alegou assim a arguida:
a)-Perante autoridade / oficial público, investido nas suas funções, que reconheceu a sua assinatura em documento autêntico; b)-que adquiriu as frações através de contrato meramente verbal, no ano 1982; c)-há mais de 20 (vinte) anos, em nome próprio, na convicção de ser a única dona e de que não lesava quaisquer direitos de outrem; d)-posse que exerceu à vista de toda a gente e sem a menor oposição de quem quer que fosse desde o seu início, sem interrupção; e)-celebrou contratos de arrendamento e deles como senhoria recebeu rendas, pagou os impostos e taxas devidos e praticando todos estes atos na convicção de ser única proprietária das aludidas frações autónomas."
20.Ora, ao declarar o supra descrito, faltou a arguida MCF_______à verdade, incorrendo num crime de falsas declarações prestado perante autoridade/oficial público que reconheceu a assinatura daquela em documento autêntico (vide artigo 9º do RAI), concluindo-se nos artigos 28º e 29º do RAI, que deve "proceder à pronúncia daquela arguida pela prática do crime de falsas declarações p.p. pelo art. 348º-A do Código Penal".
21.Quanto ao crime de burla qualificada cometido pela arguida MCF_______, remete-se para o alegado nos artsº 38º a 43º do RAI que, tendo a 1ª arguida declarado falsamente a sua qualidade de legítima possuidora aquando da celebração da escritura de
...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT