Acórdão nº 109/19.7TELSB-G.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2022-03-16

Ano2022
Número Acordão109/19.7TELSB-G.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Proc. n.º 109/19.7TELSB-G.P1

Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo de Instrução Criminal do Porto – Juiz 5

Acordam, em conferência, na 6.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório
No âmbito do Inquérito a correr termos na 1.ª Secção do DIAP do Porto, foi proferida decisão judicial que determinou a apreensão do saldo da conta n º ..... do Banco ... até ao montante de € 2.900.000,00.
Em simultâneo foi ainda decidido manter a medida de suspensão temporária de execução de operações de contas bancárias junto do Banco ... a favor da D..., da S... Limited e de AA ou de qualquer terceiro com conta domiciliada no Banco 1....

Inconsolada, a D..., Limited (D...) apresentou recurso requerendo a final a revogação da decisão recorrida, apresentando em abono da sua posição as seguintes conclusões da sua motivação (transcrição):
«CONCLUSÕES:
1.O presente recurso tem por objeto (i) a Decisão de apreensão de saldo da conta n.º ..... do Banco ..., até ao montante de 2.900.000,00€ (dois milhões e novecentos mil euros) e (ii) a Decisão que indeferiu o requerimento da D... para revogação da medida de suspensão temporária que lhe foi aplicada nos presentes autos, ambas contidas no Despacho do Tribunal a quo de 29.04.2021, a fls. 2671 e ss. dos autos.
2. Quanto à decisão contida em (i) entende a Recorrente que a mesma deverá ser revogada, quer do ponto de vista formal, porque não reúne os requisitos legais exigíveis para o decretamento da medida de apreensão e porque se encontra, em qualquer caso, consumida pela caução prestada no processo espanhol, quer do ponto de vista substantivo, por se basear em indícios inexistentes, não tendo sido coligidos indícios que permitissem, do ponto de vista material, o decretamento de uma tal medida.
3. Quanto à decisão contida em (ii) entende a Recorrente que a mesma deverá ser revogada uma vez que o Tribunal a quo não interpretou corretamente os elementos que lhe foram remetidos e que instruíam o requerimento que veio a ser por si indeferido.
4. O presente recurso deverá subir imediatamente, nos termos do disposto no artigo 407.º n.º 2 alínea c) do CPP, atenta a natureza híbrida da apreensão, designadamente por ter esta medida uma função de garantia do confisco.
5. Quanto à decisão contida em (i), a mesma carece de sustento em termos formais:
a. O Tribunal a quo não cumpriu a exigência de fundamentação da existência de indícios suficientes da prática de um crime pela Recorrente e da relação do objeto apreendido com a prática daquele crime, não podendo, nesse sentido, e nos termos do disposto nos artigos 178.º n.º 1 e 181.º n.º 1, ambos do CPP, determinar a decisão de apreensão de saldo bancário.
b. O Tribunal Recorrido assentou a sua decisão na circunstância da alegada existência, em Espanha, de indícios suficientes da prática do crime de fraude fiscal (crime precedente) e branqueamento; todavia, o processo espanhol encontra-se ainda em fase de investigação, correndo, portanto, sobre uma suspeita, e não já sobre uma indiciação suficiente, tendo o Tribunal a quo confundido os conceitos de querella com o de acusação, o que não é tecnicamente correto.
c. O Tribunal Recorrido assentou ainda a sua decisão na alegada existência de indícios da prática do crime de branqueamento, em Portugal; contudo, o próprio Tribunal tem defendido, até ao momento, a mera existência de uma suspeita, não tendo havido nenhum elemento adicional que transformasse a mera suspeita numa suficiente indiciação.
d. Em qualquer caso, a decisão em causa viola o princípio do ne bis in idem (contido no artigo 29.º n.º 5 da CRP): o Tribunal Recorrido considera que a quantia objeto da apreensão terá tido a sua proveniência no crime de fraude fiscal em Espanha, tendo depois sido objeto de condutas de branqueamento em Espanha e, mais tarde, em Portugal. Procura depois sustentar a apreensão no branqueamento em Portugal, ficcionando a existência de dois crimes de branqueamento em relação à mesma quantia financeira, ao mesmo fluxo financeiro e à mesma (pretérita) resolução criminosa.
e. Em qualquer caso, a decisão em causa viola o princípio da proporcionalidade (contido no artigo 18.º n.º 2 da CRP): a medida de apreensão em causa tem uma função processual penal conservatória, de garantia do confisco. Atento o seu lastro de danosidade, carece a mesma de ser necessária, adequada e proporcional. Contudo, a circunstância de a quantia que terá sido alegadamente objeto do crime de branqueamento se encontrar já caucionada no processo em Espanha (onde se investiga o crime precedente e o crime de branqueamento) – circunstância que o Tribunal não ignora, por lhe ter sido dado conhecimento formal da mesma –, torna inadequado, desnecessário e desproporcional a apreensão dessa mesma quantia em Portugal, uma vez que a garantia do confisco sempre se encontra acautelada por aquela caução.
f. A decisão contida em (i) deverá ser revogada, por não ter sustento indiciário, por estar assente num pressuposto de violação do princípio do ne bis in idem (contido no artigo 29.º n.º 5 da CRP) e, ainda, por ser desnecessária, desadequada e desproporcional, quer por carecer de utilidade probatória, quer por carecer de legitimidade para garantia da perda, atento o seu esgotamento no âmbito dos autos do processo espanhol, violando, nessa medida, o disposto no artigo 18.º n.º 2 da CRP.
6. Quanto à decisão contida em (i), a mesma carece ainda de sustento em termos substantivos, inexistindo indícios que permitissem sustentar a Decisão recorrida:
a. O objeto da apreensão não configura produto, lucro, preço ou recompensa de um pretérito crime, assentando a Decisão em indícios inexistentes.
b. A conta da D... junto do Banco ... – objeto da medida em causa – esteve inactiva entre 30.06.2015 e 15.01.2019, porque nesse momento temporal procurou a D... consolidar todos os seus fundos na conta por si titulada junto do Banco 2..., na Suíça;
c. Em 15.02.2019 a D... viu-se forçada a transferir o montante de € 4.649.964,12 da sua conta do Banco 2... para a conta do Banco ..., uma vez que aquela entidade bancária determinou o encerramento da conta, de forma unilateral.
d. As transferências ordenadas da D... para a S... têm por base a existência de uma efetiva relação material entre ambas – que se encontra documentada e demonstrada nos autos –, prestando a última serviços à primeira, que se prendem com a recuperação dos créditos emergentes dos ... celebrados até 2015, estando acordado, entre ambas, o pagamento de valores mensais e, bem assim, a possibilidade de pagamento de successfees quando existam condições para tal – o que ocorreu em relação às transferências em causa nos autos, e se encontra devidamente demonstrado.
e. A D... não adotou nenhuma conduta para obstar à Ordem de Suspensão, tendo, ao contrário do que refere a decisão recorrida, feito um pedido de informação quanto à possibilidade de transferir fundos para uma conta por si titulada junto do Banco 1..., já após a vigência da Ordem de Suspensão.
f. Nestes termos, a decisão de apreensão do saldo da conta n.º ..... do Banco ..., até ao montante de 2.900.000,00 € (dois milhões e novecentos mil euros) deverá ser revogada, por ausência de fundamento material nos termos do disposto nos artigos 178.º n.º 1 e 181.º n.º 1, ambos do CPP.
7. Quanto à decisão contida em (ii), entende a Recorrente que o Tribunal a quo não interpretou corretamente os elementos que lhe foram remetidos, devendo a decisão ser revogada.
a. A Recorrente juntou aos autos documentos certificados pelo Juzgado Central de Instrucción n.º 5 que comprovam (i) o valor da máxima exposição fiscal e criminal da D... nos autos daquele processo, e (ii) a caução desse mesmo valor, de forma integral, à ordem dos autos.
b. A Ordem de Suspensão, existindo para evitar a dissipação da quantia que seria objeto do crime de branqueamento, torna-se desnecessária a partir do momento em que essa mesma quantia se encontra caucionada à ordem dos autos do processo espanhol.
c. De facto, tendo em conta a própria narrativa do Tribunal a quo de que o valor do alegado crime de branqueamento de capitais seria, a final, o mesmo valor que havia sido pretensamente objeto de idêntico crime em Espanha, e ambos consequência do crime de fraude fiscal em Espanha, mantendo-se num fluxo financeiro unívoco, a circunstância desse valor se encontrar caucionado junto do Tribunal em Espanha, enquanto reconhecido teto máximo da exposição financeira e criminal da D... pelos factos em causa, torna absolutamente desnecessária a vigência da medida de suspensão temporária em Portugal.
d. A medida de suspensão temporária afeta, de forma direta e ilegal, várias vertentes do direito à propriedade privada da D... (artigo 62.º n.º 1 da CRP) e, concretamente, (i) a liberdade de usar e fruir dos bens de que é proprietária, (ii) a liberdade de transmitir os bens de que é proprietária, (iii) o direito de não ser privada dos bens de que é proprietária e, em determinada medida, (iv) o direito de reaver os bens sobre os quais mantém o direito de propriedade.
e. A partir do momento em que existe aquela caução a medida torna-se manifestamente desproporcional, em violação do disposto no artigo 62.º n.º 1 da CRP e do Protocolo n.º 1, porque desvirtua a ótica de justo equilíbrio entre os direitos e interesses em confronto.
f. Nestes termos, repristinando, integralmente, o teor do requerimento apresentado pela D... em 08.04.2021, e, bem assim, os documentos que o instruem, requer-se a V. Exas. se dignem revogar a Decisão recorrida ordenando a sua substituição por outra que decrete a revogação da medida de suspensão temporária de operações bancárias, sob pena de violação do princípio da proporcionalidade disposto no artigo 18.º n.º 2 da CRP.

Nestes termos e nos melhores de Direito, requer-se a V. Exas. se dignem declarar o presente recurso procedente, por
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