Acórdão nº 109/19.7T8VIS-B.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 13-12-2023
Data de Julgamento | 13 Dezembro 2023 |
Ano | 2023 |
Número Acordão | 109/19.7T8VIS-B.C1 |
Órgão | Tribunal da Relação de Coimbra |
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:
I – RELATÓRIO
AA e mulher, BB, com os sinais dos autos,
intentaram ação declarativa, com processo comum, contra
CC e DD, estes também com os sinais dos autos,
alegando factos e alinhando razões para pedir nos seguintes moldes:
«- Deve ser ordenada a necessária demarcação entre os dois imóveis, que deve ser feita com base nos títulos existentes e nos demais elementos de prova disponíveis, como, por exemplo, os marcos divisórios e da delimitação que resulta do levantamento topográfico, nos termos do disposto nos artigos 1.º do 1353.º e 1354.º do Código Civil;
- Tudo com as legais consequências.».
Na petição inicial, alegaram os AA. serem proprietários de um prédio confinante com um outro prédio, este pertença dos RR., acrescentando haver incerteza sobre os limites desses prédios entre si e, por consequência, sobre a respetiva linha de estrema, mais referindo que:
«(…) a causa de pedir na acção de demarcação é complexa e desdobra-se na existência de prédios confinantes, pertencentes a proprietários distintos, cujas estremas são duvidosas ou se tornaram duvidosas.
28.
O verdadeiro pedido é a fixação da linha divisória entre os prédios confinantes, pertencentes a proprietários distintos, de acordo com os critérios estabelecidos no artigo 1354.º do CC.».
Na contestação, os RR. impugnaram diversa factualidade alegada pelos AA., designadamente a referente à necessidade de demarcação, afirmando que, com fundamento em sentença transitada em julgado proferida em anterior ação de reivindicação, «existe (…) caso julgado que define (…) quais os limites do terreno dos autores e que, por força do art. 619º, nº 1 do CPC impede o prosseguimento destes Autos» e, assim, concluindo que:
«a) Deve a invocada excepção ser julgada procedente;
b) Deve ser verificada a falsidade do doc. 4 junto com a petição inicial;
c) Deve ser verificada a litigância de má-fé dos autores e consequentemente devem estes ser condenados a indemnizar os réus em montante a determinar nos termos do (…) disposto no art. 543º, nº 2 do CPC.».
Os AA., notificados, concluíram pela procedência da ação.
Os RR. juntaram certidão de sentença, que «transitou em julgado em 06/02/2014», referente ao «processo n.º 1755/07....» (a anterior ação de reivindicação), da qual consta o seguinte:
«Nestes autos de ação declarativa, com processo comum e forma sumária, AA e mulher, BB, (…) demanda CC (…), pedindo que o tribunal:
a) Declare que o prédio identificado no art. 1.º da Petição Inicial (PI), onde se inclui o trato de terreno identificado no art. 11.º da mesma peça é propriedade dos autores;
b) Condenar os réus a taparem a vala que abriram, repondo o terreno como se encontrava anteriormente;
c) Condenar os réus a restituírem aos autores o trato de terreno na sua totalidade;
d) Condenar os réus a absterem-se da prática de qualquer ato que impeça ou diminua a utilização por parte dos autores desse mesmo trato e de qualquer outro no prédio identificado no ar. 1.º da PI;
e) Condenar os réus a pagarem aos autores uma quantia não inferior a € 450,00 a título de indemnização pelos danos morais, com juros à taxa legal desde a citação.
[…]
Atento o exposto, em conclusão, julga-se a ação parcialmente procedente e, em consequência:
a) Declaro que o prédio identificado no facto provado 3.1 (e art. 1.º da Petição Inicial) é propriedade dos autores.
b) Absolvo o réu e a interveniente DD dos restantes pedidos.».
Perante isso, os AA. explicitaram:
«Não foram, pois, eles que adulteraram o documento, terão sido sim vítimas dessa viciação, uma vez que estavam iludidos quanto ao seu verdadeiro teor» e
«Dito isto, (…) tal facto é absolutamente anódino para a sorte dos presentes autos, na medida em que, o que está em causa é uma acção de demarcação que pressupõe a existência de um dissídio sobre a linha divisória entre dois prédios contíguos, o que se mantém, não tendo sido dirimido no processo 1755/07.....».
E vieram depois, notificados para pronúncia, defender a improcedência da «excepção de caso julgado», salientando que a anterior ação, em cujo âmbito foi proferida a aludida sentença, era uma ação de reivindicação, enquanto a presente é uma ação de demarcação, sendo que a primeira, pela diferença do seu objeto jurídico, não constitui impedimento para a segunda.
Não convencida, a contraparte ainda veio aduzir adicional argumentação, concluindo assim: «Deve ser reconhecida a autoridade de caso julgado da sentença proferida no processo de reivindicação, absolvendo-se os Réus do pedido.».
No âmbito da audiência prévia, foi realizada inspeção judicial ao local do litígio, após o que foi proferido despacho quanto à exceção de caso julgado, sobre a qual recaiu decisão de improcedência, nos moldes seguintes:
«Entendemos que na presente ação estamos perante uma ação de demarcação que pressupõe a existência de um litígio sobre a linha divisória entre dois prédios contíguos, o que presentemente se mantém, por não ter sido dirimido no processo 1755/07.....
Pelo exposto, como atrás se deixou dito, entre a presente ação e a ação n.º 1755/07.... não há identidade de causa de pedir nem de pedidos.
Nestes termos, julgo improcedente a exceção de caso julgado invocada pelos réus.».
Seguidamente, entendendo-se que «o estado do processo não permite conhecer imediatamente do mérito da causa», foi determinado o prosseguimento dos autos, com subsequente designação de data para audiência final.
Os demandados vieram reagir, mediante requerimento, concluindo assim:
«Nestes termos requer-se:
a) A declaração de nulidade do Despacho Saneador proferido por omissão da apreciação do incidente de falsificação de documento;
b) A prolação de despacho que identifique os temas da prova nos termos do art. 596.º do CPC.».
E vieram interpor recurso do despacho saneador, concluindo, para além do mais, que «(…) deverá ser procedente a exceção de caso julgado oportunamente invocada».
O recurso veio a ser admitido como de «apelação a subir nos próprios autos com a decisão final que vier a ser proferida e portanto com efeito devolutivo».
Em 29/09/2022, os RR. expressaram-se assim («REFª: 43412309»):
«Decorre dos autos que os autores, por requerimento de 03/12/2020, declararam que não pretendem fazer uso da sentença falsificada e junta com a petição inicial, reconhecendo que o teor da certidão da sentença junta pelos réus é verdadeiro.
Entendem, contudo, que da mesma certidão da sentença decorre que existe uma demarcação a fazer, o que não corresponde à verdade porquanto esta questão é tão só e apenas levantada na sentença falsificada.
E só neste documento é levantada a possibilidade de os autores procederem à demarcação do seu terreno.
Esta sentença é causa de pedir da presente ação.
Ora se os autores declaram que não fazem uso da sentença falsificada, então abdicam da causa de pedir e sendo assim não há demarcação a fazer.
E, a partir desta posição dos autores há uma inutilidade superveniente da lide, a qual deve ser expressamente declarada.
Porém e caso assim não se entenda, e querendo-se fazer uma demarcação, a mesma só será possível a poente da vala e, sendo assim, os réus nada têm a opor.
Já se a pretensão dos autores for a demarcação a nascente da vala, estão, então, a pretender uma reapreciação da decisão que sobre tal questão já transitou em julgado e que declarou que o terreno a nascente da vala não é dos aqui autores, nem esta foi construída em terreno dos mesmos.
Ou seja, não podem os autores pretender que a linha divisória do seu prédio abranja a vala, ou ultrapasse o alimento da mesma vala para o lado nascente da mesma.
Em conclusão:
Caso os autores pretendam a demarcação do seu terreno a poente da vala, os réus nada têm a opor, não havendo sequer litígio.
Caso os autores pretendam a demarcação do seu terreno a nascente da vala, também não há litígio, porquanto esta questão já foi dirimida na ação 1755, cuja sentença já transitou em julgado.» (itálico aditado).
Os AA. pronunciaram-se nos seguintes termos:
«Os RR. repetem os mesmos argumentos até à exaustão, de forma anómala e extemporânea, porquanto, além do mais, não há qualquer fundamento legal para a apresentação deste articulado nesta fase processual.
Os AA., apenas para que do seu silêncio não possam ser extraídas conclusões, reafirmam o que já antes deixaram plasmado nos autos ante requerimento de igual teor. A saber, os RR. bem sabem que o que está em discussão é o trato de terreno a nascente da vala, pois entendem os AA. que a demarcação se faz pelo marco assinalado na planta a nascente da vala.
Esta tramitação anómala deverá ser sancionada para que os autos não sejam infundadamente povoados por incidentes anómalos.».
Com data de 26/10/2022, foi proferido despacho («Referência: 91623620») com o seguinte teor:
«Ref.ª 43412309 – O requerimento ora junto pelos réus consubstancia um incidente anómalo e extemporâneo, não havendo qualquer fundamento legal para a apresentação deste articulado nesta fase processual, pelo que, desde já se condena os apresentantes na multa de 2 Uc’s por ter dado origem ao referido incidente de tramitação anómala dos autos.».
É deste despacho que vêm os RR., inconformados, interpor o presente recurso, oferecendo alegação, culminada com as seguintes
Conclusões ([1]):
«1. A presente ação de demarcação vem instaurada pelos Recorridos que, para fundamentar a sua causa de pedir, juntaram na sua petição inicial a cópia de uma sentença falsificada.
2. Documento este que, após ter sido adulterado, permitia aos autores, ora recorridos, a instauração da presente ação de demarcação.
3. Invocada a falsidade do referido documento pelos Recorrentes em sede de contestação, o Tribunal, ignorando tal incidente, não ordenou o referido desentranhamento e remeteu os autos para julgamento.
4. Por requerimento datado de 29 de setembro de 2022, os Recorrentes requereram a...
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