Acórdão nº 1088/21.6T8MAI.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2023-04-18

Data de Julgamento18 Abril 2023
Número Acordão1088/21.6T8MAI.P1
Ano2023
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo: 1088/21.6T8MAI.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo Central Cível da Póvoa de Varzim – Juiz 3

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório
AA, residente na Rua ..., cave direita, ... ... – Maia, intentou a presente acção declarativa comum contra A..., S.A., com sede na Av. ..., Lisboa, actualmente denominada B..., S.A.
Alegou, em essência, os danos de natureza patrimonial e não patrimonial que sofreu em virtude do atropelamento ocorrido no dia 19 de Junho de 2018, em que foram intervenientes a própria autora e o quadriciclo ligeiro com a matrícula ..-LR-.., conduzido pelo seu proprietário, BB, cuja ocorrência imputa à conduta culposa deste último, mais alegando que a responsabilidade civil por danos causados a terceiros pelo veículo LR estava transferida para a ré, mediante contrato de seguro titulado pela apólice n.º ....
Conclui formulando o seguinte pedido:
«Nestes termos e nos melhores de Direito, deve a presente acção ser julgada provada por procedente, e por via disso, a Ré condenada a pagar à Autora a quantia,
- Correspondente à I.P.P., quantum doloris, dano estético, rebate profissional, pois a Autora vai ter esforço acrescido, repercussão nas atividades desportivas e de lazer e repercussão na atividade sexual, e poderão essas lesões ter agravamento no futuro, até porque pode ser um risco para a Autora engravidar, necessitando de medicação e tratamentos médicos com regularidade e uso de meia elástica de forma permanente, na perna esquerda, e um possível retirar do material que tem na clavícula esquerda, face ao seu corpo o poder vir a rejeitar no futuro, cujas percentagem/valor urge apurar, através de Exame Médico-legal, cujos montantes se apurarão em LIQUIDAÇÃO EM EXECUÇÃO DE SENTENÇA;
- De 50,00 € (Cinquenta Euros), valor correspondente ao peticionado no artigo 19.º da P.I.;
- De 1.148,66 € (Mil Cento e Quarenta e Oito Euros e Sessenta e Seis Cêntimos), valor correspondente ao peticionado no artigo 21.º da P.I.;
- De 315,00 € (Trezentos e Quinze Euros), valor correspondente ao peticionado no artigo 24.º da P.I.;
- De 600,00 € (Seiscentos Euros), valor correspondente ao peticionado no articulado 62.º da P.I.;
- De 25.000,00 € (Vinte e Cinco Mil Euros), a título de compensação pelos danos não patrimoniais causados;
- Tudo acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento».
*
A ré apresentou contestação, aceitando a dinâmica do acidente descrita pela autora, a celebração do contrato de seguro invocado por esta e, consequentemente, a obrigação de indemnizar os danos sofridos pela mesma em consequência do referido acidente, impugnando, todavia, os danos alegados na petição inicial.
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Depois de proferido despacho saneador, identificado o objecto do litígio, enunciados os temas de prova, produzida a prova pericial e designada data para audiência de julgamento, a autora deduziu incidente de liquidação, que concluiu formulando o seguinte pedido:
«Nestes termos e nos melhores de Direito, deve a presente liquidação ser julgada provada por procedente, e por via disso, a Ré condenada a pagar à Autora a quantia de:
A – 49.500,00 € (Quarenta e Nove Mil e Quinhentos Euros), de acordo com os valores plasmados nos articulados 10.º, 17.º, 30.º, 41.º, 53.º, 57.º e 62.º desta liquidação;
B – Condenar a Ré a pagar à Autora a medicação anticoagulante em posologia a definir pelo médico assistente;
C – Condenar a Ré, a prestar acompanhamento à Autora em consultas de cirurgia vascular, com encaminhamento para os tratamentos e ajustes terapêuticos que se verificarem necessários de acordo com a situação clínica, num mínimo de duas consultas anuais, ou custear os seus custos;
D – Condenar a Ré a custear o uso permanente de meia de compressão grau 2 até à raiz da coxa, com necessidade de substituição a definir pelo médico assistente (conforme desgaste, sendo espectável a necessidade de 2 a 4 unidades por ano);
E – Caso a Autora pretenda engravidar, no futuro, deve a Ré ser condenada a custear avaliação em consulta pré-concecional de ginecologia/obstetrícia, com encaminhamento para os tratamentos que se verificarem necessários e eventual ajuste terapêutico, e custear os mesmos;
F – Ser a Ré condenada a retirar o material, que a Autora possui na clavícula esquerda, existindo tal necessidade, devendo por isso ser reavaliada, caso isso suceda;
G - Tudo acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento».
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A ré respondeu, reiterando a sua contestação e impugnando os factos alegados, excepto na parte em que sejam confirmados pela perícia realizada.
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Veio a realizar-se audiência de julgamento, na sequência da qual foi proferida sentença, que termina com o seguinte dispositivo:
«Pelo exposto, e ao abrigo das referidas disposições legais julgo parcialmente procedente a presente acção e em consequência condeno a Ré a pagar a Autora as seguintes quantias:
i) A quantia de €1.513,66 enquanto dano patrimonial emergente do sinistro;
ii) A quantia de €20.000,00 a título de ressarcimento dos danos não patrimoniais;
iii) A quantia de €18.000,00 a título de indemnização por dano biológico e danos futuros;
iv) A quantia que se vier a quantificar em liquidação de sentença quanto aos danos descritos nos pontos 46. a 48. dos factos provados.
v) Os juros de mora, à taxa legal, sobre as quantias referidas em i) a iii) calculados desde a presente data que até efectivo e integral pagamento.
vi) Absolvo a Ré do demais peticionado na presente acção;
vii) As custas serão suportadas pela Autora e pela Ré na proporção do decaimento (art. 527.º, nº1 e n.º 2, do CPC).
Registe e notifique».
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Inconformada, a ré apelou da sentença, formulando as seguintes conclusões:
«A indemnização pelo dano biológico
1. Não pode ocorrer que, partindo-se da não existência efectiva de perda de rendimentos, se venha a atribuir indemnização que coincida com a que seria devida caso essa perda de rendimentos, ou de capacidade de ganho, existisse de facto.
2. Seguindo os critérios que lançam mão das fórmulas e tabelas que os nossos tribunais habitualmente utilizam para o cálculo de indemnização por perda efectiva de capacidade de ganho decorrente de incapacidade permanente (de que é exemplo o Acórdão do STJ de 04.12.2007, no qual foi Relator o Exmo Senhor Juiz Conselheiro Mário Cruz, disponível em www.dgsi.pt), se essa perda de capacidade de ganho se verificasse – e não se verifica, como vimos – no caso em análise, considerando a idade da recorrida, a sua incapacidade de 5 pontos, um rendimento – ainda que líquido e de todo o modo ficcionado e constituindo valor de referência – anual de € 14.000,00 (€ 1.000,00 x 14 meses/ano) a indemnização a atribuir seria de € 18.000,00 para um período de vida activa de 50 anos.
3. Tendo a indemnização em causa sido fixada na vertente patrimonial do dano biológico, afigura-se à recorrente que os elementos utilizados na sua fixação, designadamente os referentes à prática de actividade desportiva e data da consolidação médico-legal das lesões, consubstanciam duplicação indemnizatória, porquanto são tidos em conta na compensação dos danos não patrimoniais.
4. A indemnização a atribuir à recorrida pelo dano biológico, na sua vertente patrimonial, não deve ser superior a € 12..000,00, até porque se trata de uma quantia a entregar imediatamente e de uma só vez mas que se destina a ressarcir um dano patrimonial futuro.
A compensação a título de dano não patrimonial
5. Analisado o caso dos autos, as decisões jurisprudenciais mais recentes e lançando mão dos preceitos legais para o efeito referidos no corpo destas alegações, considera a recorrente como justo, equilibrado e adequado o arbitramento à recorrida da quantia de € 14.000,00 a título de compensação pelo dano não patrimonial.
6. Na douta sentença recorrida fez-se menos acertada interpretação dos factos e menos correcta aplicação da Lei, designadamente dos art.ºs 496º, 562º, 564º e 566º, todos do CCivil».
Terminou pugnando pela revogação da sentença recorrida.
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A autora respondeu à alegação da recorrente, pugnando pela total improcedência do recurso interposto e pela consequente manutenção da decisão recorrida.
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II. Objecto do Recurso
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, como decorre do disposto nos artigos 635.º, n.º 4, e 639.º do CPC, não podendo o Tribunal conhecer de quaisquer outras questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso (cfr. artigo 608.º, n.º 2, do CPC). Não obstante, o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e é livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do citado diploma legal).
As questões a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pelo recorrente, são as seguintes:
1. O valor da indemnização devida à autora pelo dano biológico na sua vertente patrimonial;
2. O valor da indemnização devida à autora pelos danos não patrimoniais.
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III. Fundamentação
A. Decisão sobre a matéria de facto na primeira instância
1. Factos Provados
São os seguintes os factos julgados provados pelo tribunal de primeira instância:
1. No dia 19 de Junho de 2018, pelas 11:30 horas, na Rua ..., junto ao nº de polícia ..., na Freguesia ..., Concelho da Maia, ocorreu um acidente de viação, em que foram intervenientes, o seguinte veículo e peão:
- Quadriciclo Ligeiro da marca Aixam, modelo ..., com a matrícula ..-LR.., de cor cinza, conduzido por, e propriedade de, BB;
- O peão, em concreto a aqui Autora.
2. Fruto do acidente deu a Autora entrada no Centro Hospitalar ..., no Porto, com fratura da clavícula esquerda.
3. O local do acidente é uma reta, na Rua ..., Freguesia ..., Concelho da Maia, junto ao nº de polícia ....
4. Era de dia e estava bom tempo.
5. O condutor do veículo, com a matrícula ..-LR-.., circulava no sentido ... -
...

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