Acórdão nº 1085/22.4BESNT de Tribunal Central Administrativo Sul, 20-04-2023

Data de Julgamento20 Abril 2023
Ano2023
Número Acordão1085/22.4BESNT
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I – RELATÓRIO

Vem a AT - Autoridade Tributária e Aduaneira, interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou procedente a Intimação para a Prestação de Informações formulada pelo Município de Cascais relativamente a cinquenta e um pedidos de informação formulados ao serviço de finanças de Cascais 1, solicitando a identificação do domicílio fiscal de munícipes sobre os quais foram instaurados processos contraordenacionais por diversas infracções.

A Recorrente termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

“CONCLUSÃO
43.º
Atento o exposto, não poderá a causa de pedir proceder não só por violar o artigo 64.º da LGT, que impõe o dever de confidencialidade aos dirigentes, funcionários e agentes da AT, a guardar sigilo sobre os dados recolhidos sobre a situação tributária dos contribuintes e os elementos de natureza pessoal que obtenham no procedimento, nomeadamente os decorrentes do sigilo profissional ou qualquer outro dever de segredo legalmente regulado, assim como inexistir norma legal que possibilite a transmissão do solicitado dado ao Município, nos termos da al. b) do n.º 2 da mesma norma.
44.º
Não existe base legal específica para aceder à informação à guarda da AT, designadamente, para acesso ao dado domicílio com a finalidade de instrução de processos de contraordenação, estabelecendo as normas habilitantes para a cessação do dever a aplicação exclusiva no âmbito patrimonial e executivo, em sede de tributos.
45.º
A al. b) do n.º 2 do artigo 64.º da LGT prevê a cessação do dever de sigilo na cooperação legal da administração tributária com outras entidades públicas, na medida dos seus poderes, significando que é imprescindível uma norma específica que ceda à entidade o acesso a informação protegida pelo dever de confidencialidade.
46.º
A norma derrogatória do dever de sigilo fiscal aplicável aos municípios não abrange procedimentos contraordenacionais.
47.º
A cedência de dados protegidos pelo dever de confidencialidade por parte de um funcionário da AT, sem que exista fundamentação legal que a permita, implica não só responsabilidade disciplinar como responsabilidade criminal para o funcionário que atue em desconformidade com a lei.
48.º
Ademais, existe uma base de dados específica criada para identificar o cidadão perante a Administração Púbica: a Base dados de identificação civil (BDIC), da qual consta o dado morada e que, nos termos do n.º 2 do artigo 27.º Lei n.º 33/99, de 18 de maio, alterada por último pela Lei 32/2017, de 01/06, é reconhecida a possibilidade de acesso por entidades aos dados constantes da BDIC.

Nestes termos, e nos demais de direito aplicáveis, e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá ser concedido provimento ao presente recurso,
revogando-se a sentença ora recorrida por a mesma configurar violação do previsto no artigo 64.º da LGT conjugado com a Lei 58/2019 e 59/2019, de 8 de Agosto, e artigo 26.º, artigo 35.º, n.º 4 e artigo 266.º, todos da Constituição da República Portuguesa, absolvendo a AT do pedido, com as legais consequências.”.

* *
A Recorrida apresentou contra-alegações, tendo formulado as seguintes conclusões:

“1. O Recorrente alega que a sentença está ferida de ilegalidade por configurar violação do previsto no artigo 64° da LGT, sendo a recusa legítima em virtude de não existir norma habilitante específica para fazer cessar o sigilo fiscal, e que há violação da lei substantiva relativa à proteção de dados pessoais ao optar pela sua desaplicação.

2. O Tribunal a quo decidiu acertadamente pela procedência do pedido apresentado pelo Recorrido para obtenção de informações relativas ao domicílio fiscal dos arguidos nos respetivos processos de contraordenação, em razão de existir norma específica que legitima a derrogação do sigilo fiscal ao abrigo do dever legal de cooperação legal da AT com outras entidades públicas previsto no artigo 64° n.° 2 al. b) da LGT e dos pedidos se encontrarem fundamentados no âmbito dos seus poderes de autoridade administrativa ao abrigo do disposto nos artigos 41° n.° 2 e 54° n.° 3 do RGCO.

3. O enquadramento legal subjacente aos pedidos de informação resulta do poder conferidos às autarquias locais para instruir e decidir sobre matéria contraordenacional nos termos do disposto no artigo 35° n.° 2 alínea n) do RJAL e do disposto nos artigos 33°, 34°, 41° n.° 2, 47°, 50° e 54° n° 3 do RGCO.

4. Como resulta da sentença, e em nosso entender bem, o dever de segredo cessa quando exista uma norma que "atestando que a entidade requerente prossegue atribuições que pressupõem o conhecimento dos dados, especificamente preveja esse acesso em norma específica que atribui esse dever ao Recorrente.

5. Resulta provado nos autos que o Recorrido fundamentou os seus pedidos de informação no âmbito dos seus poderes de autoridade administrativa ao abrigo do disposto no n,° 2 do artigo 41°, no n.° 3 do artigo 54° do RGCO e artigo 64° da LGT, não se apresentando como um mero ente administrativo que necessita de informação para prosseguir as suas atribuições e que, como tal, solicita a colaboração da Autoridade Tributária,

6. Com efeito, de pouco serviria ao recorrido a atribuição de competência específica para conduzir a fase administrativa dos processos de contraordenação, se depois estivesse impedido de levar a cabo as diligências necessárias para o efeito, sem dar oportunidade de defesa ao arguido no processo.

7. Ao contrário do que insiste em defender o Recorrente, no RGCO existe norma habilitante que confere ao Recorrido o acesso à informação protegida.

8. Acresce que, o seu direito não pode ser limitado nos termos pretendidos pelo Recorrente, nomeadamente, pela obtenção de informação junto de outra entidade, cujos dados também não são de livre acesso, quando, resulta provado que não existe qualquer impedimento legal ao acesso pretendido pela autoridade administrativa através da base de dados da AT.

9. Por outro lado, também não se compreende a que título o Recorrente vem agora pronunciar-se acerca da qualificação do Recorrido como autoridade tributária, pelo facto dos pedidos em apreciação não terem sido efetuados ao abrigo desses poderes, nem no âmbito de processos executivos por si instaurados.

10. Não podendo deixar de lamentar a atuação da AT que, apesar de reconhecer que o CPPT tem norma habilitante para a satisfação dos pedidos de acesso no âmbito da instrução de processos executivos, continua a obrigar o Recorrido a intentar, no âmbito desses processos executivos, sucessivas ações de intimação para prestação de informações com fundamento nas prerrogativas que lhe assistem enquanto autoridade tributária.

11. Não obstante, voltando ao objeto dos presentes autos, encontra-se provado que, resulta de forma expressa na lei, que, no âmbito dos processos de contraordenação, a câmara municipal tem os mesmos direitos que as entidades competentes para o processo criminal e que ao abrigo do dever de auxílio no âmbito da instrução, poderá a autoridade administrativa solicitar informação sobre o domicílio atualizado dos arguidos à AT.

12. Razão pela qual bem andou o Tribunal a quo quando considerou que o dever de sigilo tem de cessar “na medida estritamente necessária para alcançar os objetivos visados na norma que autoriza o acesso e impõe o dever de cooperação, tende sempre em atenção a ponderação dos interesses em jogo", (fls. 20 da sentença)

13. É inegável que o sigilo fiscal previsto no n.° 1 do artigo 64° da LGT, enquanto expressão do direito à privacidade dos contribuintes, não é absoluto e deve ser derrogado como resposta a outros bens jurídicos igualmente relevantes, na medida necessária para satisfazer o equilíbrio dos interesses em jogo. Veja-se a este propósito o sumário do Acórdão do STA de 16.11.2011, proferido no processo n.° 0838/11

14. No âmbito da instrução dos processos de contraordenação a manutenção do sigilo pela AT revela-se contrária aos interesses e direitos dos arguidos, impedindo-os de exercerem os seus direitos constitucionais conforme previsto artigos 268°, 32° n.° 2 e 18° da CRP.

15. Os elementos protegidos pelo segredo fiscal devem ser cedidos na medida do estritamente necessário, por forma a assegurar os direitos fundamentais dos arguidos e atendendo ao interesse público subjacente aos processos de contraordenação.

16. Acresce que, conforme resulta do n.° 3 do artigo 64° da LGT, o dever de confidencialidade se mantém assegurado uma vez que se estende a quem obtenha esses elementos da AT.

17. Bem andou o Tribunal a quo ao considerar que “à luz do crivo princípio da proporcionalidade, na ótica da ponderação de interesses em jogo, não ficam diminuídos os direitos aos contribuintes, na proteção dos dados pessoais, em confronto com o interesse público subjacente à aplicação de contraordenações". (fls. 21 da sentença)

18. É inequívoca a legitimidade do ora recorrido bem como o seu interesse legítimo qualificado, decorrente das suas atribuições e competências, não podendo este direito ser ilegalmente limitado nos termos pretendidos pelo Recorrente, nomeadamente pela obtenção de informação junto de outra fonte, cujo acesso não é livre.

19. Para além da existência de norma habilitante, também resulta provado nos autos que os pedidos contêm o fim a que se destina a informação e se limitam ao estritamente necessário para o prosseguimento dos autos, revelando-se o meio adequado e necessário para a sua obtenção.

20. Presentemente, a AT faz uso da sua base de dados quando procede à instrução dos processos de execução de coimas aplicadas pelas câmaras municipais (quando estas não são pagas voluntariamente, nem são objeto de impugnação).

21. Pelo que, mais uma vez, bem andou o Tribunal a quo ao...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT