Acórdão nº 108004/21.7YIPRT.L1-7 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2023-10-24

Ano2023
Número Acordão108004/21.7YIPRT.L1-7
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

RELATÓRIO
AB – Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda. intentou ação contra CD pedindo a condenação da R. no pagamento da quantia global de €9.382,41, relativa a capital, juros de mora e taxa de justiça.
Para tanto, alegou que se dedica à atividade da mediação imobiliária e, no âmbito daquela sua atividade, a R. procurou os seus serviços, tendo as partes celebrado contrato de mediação em regime de exclusividade, obrigando-se a angariar comprador para o imóvel da R. pelo preço de €149.000,00. No exercício daquela sua atividade, logrou angariar proponente, logo em 06/06/2020, tendo apresentado junto da R. a correspetiva proposta de aquisição formulada por aquele, proposta esta que igualou e satisfez as condições de venda (designadamente, tendo atingido o preço anunciado) pretendidas pela R. e, depois de ser confrontada com tal proposta, a R. informou (em 10/06/2020) que já não pretendia prosseguir com o negócio de venda, alegando razões pessoais que não concretizou.
Mais refere que a ideia comunicada à A. pela R. sobre a desistência superveniente da intenção de venda do imóvel não se veio a revelar verdadeira, pois algum tempo volvido, o seu imóvel voltou a ser posto à venda noutra empresa de mediação imobiliária.
Refere ainda que cumpriu com a totalidade das obrigações contratuais que lhe estavam impostas, tendo angariado um comprador para o imóvel, assim realizando com sucesso o seu objetivo, através da apresentação de proposta que satisfez integralmente as condições de venda. Pelo que, nos termos do n.º 2 do artigo 19º da Lei nº 15/2013, de 08 de fevereiro, lhe assiste o direito a receber a sua remuneração (no valor de 5% do negócio, acrescido do IVA à taxa legal aplicável à data, num total de €8.791,00), e tendo interpelado a R. para proceder ao pagamento não obteve qualquer resposta.
A Ré contestou, invocando a ineptidão da petição inicial por falta de causa de pedir, pois alega que a A. não concretizou os termos exatos da proposta apresentada à R., nem em que data a mesma foi apresentada à R.. Mais invocou a inexistência de obrigação do pagamento do valor peticionado, e que no dia 10/06/2020 informou a A. que tinha decidido manter o imóvel e à data não tinha conhecimento de qualquer proposta para aquisição do imóvel, e que podia revogar o contrato unilateralmente. Só voltou a colocar o imóvel à venda em fevereiro de 2021, ou seja, já depois de decorrido o prazo de 6 meses estipulado no contrato, pugnando pela improcedência da ação.
A A. exerceu o direito ao contraditório quanto à exceção invocada, pugnando pela sua improcedência.
Após julgamento, foi proferida sentença que julgou a ação improcedente, absolvendo a ré do pedido.
*
Não se conformando com a decisão, dela apelou a requerente, formulando, no final das suas alegações, as seguintes CONCLUSÕES:
« A. O presente recurso é interposto da douta Sentença proferida em 23.05.2023, a qual julgou a presente ação totalmente improcedente, entendendo não haver direito da Autora a perceber a sua remuneração, não obstante ter diligenciado e almejado a angariação de um interessado e proponente na aquisição do imóvel que constituía propriedade da Ré, igualando o preço de venda por aquela pretendido, e fixado em contrato de mediação imobiliária, por seu turno celebrado em regime de exclusividade.
B. Ora, salvo o devido respeito pelo entendimento espelhado na sentença em crise, certo é que a Recorrente não se pode conformar com tal sufrágio e entende que a decisão em apreço incorreu em erro de julgamento e concomitante violação de lei, máxime, do disposto no n.º 2 do artigo 19.º da Lei n.º 15/2013, de 08 de fevereiro.
C. Com efeito, entende modestamente a Recorrente que houve uma errada apreciação e análise dos factos principais e instrumentais trazidos à liça, designadamente:
- Que a Ré (não) soube do conteúdo da proposta antes de «desistir» do negócio de venda do seu imóvel;
- Que a Ré havia aceitado, por telefone, a referida proposta em 06.06.2020, estando até disposta a aliená-lo com a mobília incluída, facto demonstrativo que já havia aceitado o negócio transmissivo;
D. Pelo contrário, resultou evidente da audiência de discussão e julgamento, a total falta de credibilidade das declarações da Ré (que aqui e ali o Tribunal a quo também notou e fez a devida menção), desde logo, porquanto a Ré não foi honesta quanto ao número de vezes que a colaboradora da mediadora imobiliária PL se deslocou ao seu imóvel, depois a Ré voltou a mentir ao tribunal quando afirmou solenemente em julgamento que a Autora nunca a havia contactado telefonicamente, designadamente para efeitos de apresentação e reporte da dita proposta, quando resultou indiscutível (da prova documental junta em audiência - cf. Doc. n.º 5 - conversação telefónica em 06.06.2020, pelas 19h40m13s, com duração exata de 9m00s) que aquele telefonema existiu efetivamente, embora aqui o Tribunal não fazendo uma acertada interpretação do seu conteúdo, tendo voltado a mentir quando negou ter sido confrontada com a proposta, por escrito, na reunião realizada no estabelecimento comercial da Autora.
E. Além de que a Ré nunca mostrou qualquer coerência e credibilidade na explicação da dinâmica de execução do contrato, pois começou por afirmar que não pretendia vender o seu imóvel, mas que apenas almejava uma sua avaliação, para logo a seguir assumir que havia efetivamente assinado um contrato de mediação imobiliária destinado à venda daquele imóvel por um preço (€149.000,00) que ela fixou como mínimo (cf. Doc. n.º 8).
F. De igual sorte, é bem patente a falta total de consistência do seu comportamento e atitude contratual, revelando uma indisfarçável má-fé no decurso de todo o período de execução do contrato,
G. Dado que inicialmente (mas obviamente já depois de saber da proposta concreta de aquisição do seu imóvel, por via telefónica, em 06.06.2020) alegou que já não pretendia a venda por razões económicas (mas curiosamente veio a vender tal imóvel por um preço inferior através de outra mediadora imobiliária),
H. Depois, já alegando razões de saúde que lhe impediam de tomar tal decisão, mas conforme também resultou demonstrado, de modo inequívoco, pouco tempo volvido após a cessação do contrato de mediação imobiliária celebrado com a Autora, em regime de exclusividade (termo do contrato - 29.11.2020), a Ré logo tratou de promover a venda desse mesmo imóvel, como se afinal as supostas razões graves de saúde se tivessem rapidamente dissipado,
I. Com o devido respeito, o Tribunal errou, desde logo, ao desconsiderar vários factos principais e instrumentais (que resultaram flagrantemente evidentes da instrução do processo), como seja a circunstância indesmentível de que a Ré, antes de «desistir» do negócio, já sabia perfeitamente da proposta concreta de compra do seu imóvel (identidade do proponente, preço oferecido - a igualar o pretendido, e demais condições principais, tendo ainda sido informada que se tratava de comprador devidamente qualificado e já tendo pago, inclusivamente, um montante a título de caução/reserva contratual).
J. E note-se que, tanto quanto se alcança da douta Sentença, o não reconhecimento do direito da Autora à sua remuneração apenas advém do facto de o tribunal ter considerado que a Ré «desistiu» do negócio antes de saber da dita proposta de compra, o que não é verdade,
K. Tendo ainda, ao que nos parece, o tribunal julgado necessário e imprescindível para fazer atuar o n.º 2 do artigo 19.º da Lei n.º 15/2013 que a Ré também tivesse que ter assinado (antes) a proposta contratual do proponente, o que não é uma exigência da lei,
L. O que obviamente constitui um erro na aplicação do Direito, dado que a lei não exige para a formação da culpa do cliente (pressuposto do direito à remuneração no caso de não conclusão do negócio) que ele tenha forçosamente de ter antes assinado qualquer documento,
M. Dado que releva antes que o mesmo, por ação sua, tenha boicotado ou frustrado a referida venda, nos moldes contratualizados, o que efetivamente veio a acontecer;
N. A Ré logo impediu que a venda ocorresse e durante todo o período de execução do contrato de mediação imobiliária (até 29.11.2020), além de que (é bom não olvidar), a Ré havia aceitado em 06.06.2020 tal proposta comunicada por telefone (aliás, era uma proposta que igualava o preço por si pretendido e com um prazo normal/standard de outorga do contrato promessa, pelo que se ajustava automaticamente às condições exigidas por si - em rigor nem haveria, pois, razões de discordância ou de não aceitação).
O. E a prova da culpa do cliente, pressuposto legal do direito à remuneração da Autora, vem a ser o facto de aquela ter, logo a partir de 10.06.2020 doravante impedido a Autora de prosseguir com a sua atividade contratada (em regime de exclusividade), pois se pretendia um preço superior, porque não indicou à Autora um novo preço?!
P. Não permitindo mais visitas ao seu imóvel, e comunicando que não faria a venda, por razões económicas - primeiro, e por razões imperiosas de saúde, num segundo momento [e mesmo estas, quer umas, quer outras, rapidamente se revelaram não corresponder, de todo, à verdade] - assim obliterando e impossibilitando que a Autora prosseguisse, do seu lado, com a execução do contrato,
Q. E ao contrário do preconizado na douta Sentença, nem se diga que o cliente pode livremente «desistir» do negócio, revogando-o unilateralmente sem qualquer lógica ou motivo de força maior e objetivamente justificável,
R. Pois então o contrato de mediação imobiliária, celebrado em exclusividade, nenhuma garantia remuneratória assegurava para a Autora (e restante universo de empresas que operam neste setor), o que é deveras injusto e desleal, configurando-se, a defesa de tal posição, a ratificação judicial de um clamoroso abuso do direito por parte do cliente -
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