Acórdão nº 107/23.6T8CTB.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 09-01-2024

Data de Julgamento09 Janeiro 2024
Ano2024
Número Acordão107/23.6T8CTB.C1
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE CASTELO BRANCO DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO)
Processo nº 107/23.6T8CTB.C1 – Apelação

Relator: Maria João Areias

1º Adjunto: Paulo Correia

2º Adjunto: José Avelino Gonçalves

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I – RELATÓRIO

AA instaura a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra BB e mulher, CC,

Pedindo:

a) a redução do negócio de compra e venda do prédio rústico localizado no Concelho ..., freguesia ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... ...98-... e inscrito na matriz sob o artigo rústico ...69 celebrado entre Autor e Réus aos termos correspondentes à vontade que o A. exprimiria se conhecesse a área real do terreno e, em consequência;

b) a condenação solidária dos RR. a devolver ao A. a quantia que receberam em excesso, que se calcula em € 13.849,28, montante que resulta da diferença entre o preço já pago de € 51.500,00 (de que resulta o valor por metro quadrado de € 1,525) e o preço resultante da aplicação deste valor à área real do terreno (24689 m2), a saber € 37.650,72;

Para tanto, alega, em síntese:

por escritura pública de compra e venda de 26 de outubro de 2021, o ora Autor adquiriu aos Réus, pelo preço de 51.500,00 €, o prédio rústico localizado no Concelho ..., freguesia ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... ...98-... e inscrito na matriz sob o artigo rústico ...69;

pela consulta, quer da informação simplificada da CRP, quer da Caderneta Predial, que junta como docs. 3 e 4, constata-se que ao id. prédio rústico foi atribuída a área de 33.770 m2 e de 3,37700 hectares, respetivamente;

após a compra, diligenciou pela realização de um levantamento topográfico, do qual se retira que a área do prédio adquirido era de 24.689 m2 e não a constante da matriz e do registo;

tal discrepância não é impeditiva da finalidade que quer dar ao terreno, significando uma alteração das circunstâncias que, a ser conhecida antes da escritura que configurou a sua vontade, impediria que o A. tivesse aceitado pagar o preço que foi contratado, adequando o preço aos m2 efetivamente adquiridos;

recaindo o erro sobre as circunstâncias que constituíram a base do negócio (a área do terreno determinante do preço do mesmo), nos termos do artigo 251º do CC, pretende agora a modificação do negócio, com redução proporcional do preço.

Os Réus apresentam Contestação, alegando em síntese:

o prédio rústico, aquando da venda, encontrava-se perfeitamente vedado nos seus limites por uma rede metálica, pelo que, não podia haver qualquer dúvida sobre os seus limites reais e concretos;

o réu atribuiu e pôs à venda pelo valor de 55.000,00 €, o conjunto formado por terreno, no valor de 3000€/Ha x2,7 – 8.100 €, pavilhão no valor de 15.000,00€, licença de construção e projeto, 10.000€, eletrobomba e tubagens de saneamento no valor de 12.500 € e eletrificação no valor de 10.000€;

aquando da negociação da referida venda, o autor, acompanhado do promotor imobiliário, de um proprietário vizinho e do R. marido, visitaram o prédio, verificando os seus limites, delimitado em todo o seu perímetro por uma vedação metálica, os marcos, os muros, as instalações (pavilhão), a instalação elétrica, de rega e saneamento, de todo o prédio, tendo-lhe, nessa data sido entregues ao A., para além da caderneta predial, certidão da CRP, o seu parcelário agrícola e orto fotograma pelo IFADAP, que atribui a área de 2,7 ha ao prédio, bem como projeto de licenciamento do referido pavilhão;

ou seja, embora tal não fosse essencial para o negócio, o autor tomou conhecimento da área aproximada do prédio, que é de 26,638m2, muito próxima dos 2,7 ha inicialmente indicados pelo réu no doc. 4 que entregou ao autor.

Concluem pela improcedência da ação.

O autor responde, juntando aos autos a ficha de reserva do imóvel, alegando que a base do negócio foi o imóvel com as caraterísticas inscritas na matriz predial urbana sob o n. com a área total de 3.37700 (ha), conforme consta da caderneta predial rústica como doc. 4. da P.I.. e que os doc. que recebeu da Imobiliária são os que apresenta como 2., 3., e 4., e não os docs. 2., 3. e 4., juntos com a contestação.

Realizada audiência de julgamento, pelo juiz a quo foi proferida Sentença, que termina com o seguinte dispositivo:

VII. DECISÃO

Nestes termos e pelos fundamentos expostos, decide-se julgar a ação parcialmente

procedente e:

1) Condenar os Réus BB e CC a pagar solidariamente ao Autor AA a quantia de € 13.848,53 (treze mil, oitocentos e quarenta e oito euros e cinquenta e três cêntimos);

2) Absolver os Réus do demais peticionado.

3) Condenar o Autor e os Réus nas custas do processo, na proporção do respetivo decaimento, que se fixa em 1% para o primeiro e 99%, para os Réus.


*

Inconformados com tal decisão, os Réus dela interpõem recurso de apelação, concluindo a respetiva motivação, com as seguintes conclusões:

I - A presente ação foi intentada por AA, ora recorrido, que requereu a condenação dos Réus, ora recorrentes, ao pagamento do preço resultante da diferença da área real de um prédio rústico que comprou aos RR, com a área inscrita na caderneta predial e certidão da CRP, junta à respetiva escritura de compra e venda;

II - O Autor requereu a redução do negócio de compra e venda, com a redução do preço pago, com fundamento em erro sobre os motivos, ao abrigo dos artigos 252.º, n.º 2, e 437.º do Código Civil, entendimento que o Tribunal não atendeu, considerando que ao caso se aplica o artigo 888.º do Código Civil, afastando por outro lado também o regime da compra e venda de coisas defeituosas dos artigos 913.º e ss. do Código Civil.

III- Relativamente ao regime de venda de coisas defeituosas (art. 913º), cuja aplicação a sentença afastou, acertadamente do nosso ponto de vista, não é aplicável já que deve considerar-se que a coisa é defeituosa no caso de ter um vício ou se for desconforme atendendo ao que foi acordado e somente no caso na falta de qualidades que impeçam a realização do fim a que é destinado.

IV- A matéria dada como provada não se enquadra nas situações referidas, sendo certo que é manifesto que a discrepância quanto à área do prédio nada tem a ver com as qualidades asseguradas pelos RR..

V- Considerou a sentença que no caso dos autos, dá-se um confronto entre duas teses jurisprudenciais, uma em que se defende que tem que existir a menção expressa à área na escritura pública, para que possa haver redução proporcional do preço e outra em que se considerou que basta que o contrato indique a área por referência aos documentos (caderneta predial e certidão da CRP) que instruíram a escritura pública.

VI- Os recorrentes defendem também (em consonância com a 1º tese) que não poderá ocorrer a anulação do negócio e consequentemente a redução do negócio jurídico (art.292º do C.C.) sem a menção expressa à área na escritura pública.

VII- No entanto também não nos parece acertada ao caso a aplicação do regime do art.888º nº2 do C.C., a que a sentença procedeu, pelas seguintes razões:

-A-

VIII- O preço acordado foi pelo prédio “ (...) delimitado em todo o seu perímetro por uma vedação metálica, os marcos e as instalações(pavilhão /apoio agrícola) do prédio(...)” que o Autor visitou , verificando os limites do prédio ( cfr. ponto 10 dos factos provados).

IX- Antes da realização da escritura o Réu elaborou um escrito (datado de 1/7/2021) que entregou ao Autor onde valorizou de forma parcelar e discriminada o valor do preço pedido (55 mil € que mais tarde acordou em reduzir para 51500€)), onde figura para além do mais um cálculo do preço atendendo à área atribuída ao prédio pelos Réus de 27000m2 (2,7Ha.), (igual à indicada nos docs. 2 e 3 -do ifap- da contestação), indicações que portanto o Autor tomou conhecimento muito antes da outorga da escritura (vide ponto 8 dos fatos provados).

X- Deste modo o preço não foi determinado somente em função da quantidade da área, mas da própria coisa em si, nomeadamente pelo conjunto que discriminou separadamente no (doc. 1 junto à contestação -vide ponto 8 dos fatos provados).

XI- Por outro lado, na venda a corpo (art. 888º nº2 do C.C.), para que haja direito à redução do preço é absolutamente essencial que se tenha efetivamente indicado ou declarado essa quantidade, peso ou medida da coisa vendida.

XII- A sentença refere no entanto acolher o entendimento contrario ao que se acaba de referir, e que é nitidamente maioritário na jurisprudência, referindo que acolhe a tese referida nos Acórdãos do TRP, de 20-04-2010, CJ, 2010, tomo II, 198, e do STJ, de 06-04-2021, Proc. 1116/18.2T8PRT.P1.S1.

XIII- No que se refere ao acórdão do TRP, de 20-04-2010, CJ, 2010, tomo II, 198, como se pode ver este acórdão faz uma simples leitura direta do normativo (888º), considerando que se dos documentos que instruíram a escritura consta a área do imóvel é de concluir que o contrato contem a indicação da área, sem qualquer fundamentação de tal tomada de posição e sem qualquer indagação da problemática da questão em causa.

XIV- No entanto, tal acórdão baseia-se no facto do preço da venda do prédio ter sido ajustado tendo em conta a área declarada, concluindo que o preço foi definido em função da área do prédio, situação nitidamente diferente do presente caso, e que ao mesmo não deve ser aplicado, atendendo ao facto que o prédio foi negociado com a discriminação e valorização de várias partes componentes do mesmo e não só em função da sua área (cfr. ponto 8 da matéria dada como provada).

XV- Quanto ao outro acórdão indicado na sentença - STJ, de 06-04-2021, Proc. 1116/18.2T8PRT.P1.S1 para sustentar a decisão, não encontramos nenhum acórdão do Supremo com tal nº de processo, (podendo ter ocorrido um lapso na indicação do tribunal) mas com tal referencia e nº existe um acórdão do TRP que no entanto defende a tese ora propugnada pelos recorrentes e que refere no seu sumário o seguinte:

Sumário:

III - A omissão da indicação da área do imóvel na escritura de compra e venda...

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